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Artigo

Educação praiana em São Paulo


Educação praiana em São Paulo - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Professor do Departamento de Educação da UFSCar

 

Márlon Pessanha (Dr.)

Professor do Departamento de Metodologia de Ensino da UFSCar

        

 

O ideal pode ser múltiplo, cada um/a de nós tem os seus: é um guia de motivação, ação, um prisma de sonho alcançável (o mais perto possível), uma esperança que nunca cessa.

         Um desses ideais – uma ideia forte e sempre presente: revolucionária até – nos informa que 10 anos de investimentos massivos, maciços, na educação pública mudariam a sina e os destinos elitistas traçados para o país. Com escola integral, ensino de qualidade (informacional desde o conteúdo clássico, em matérias essenciais), com alimentação adequada ao desenvolvimento de crianças e jovens, nós faríamos uma revolução no Brasil.

         Crianças com 6,7 anos hoje, após os dez anos de investimento decente em educação pública de qualidade, teriam 16,17 anos daqui a pouco. Isto é, bem educadas, cuidadas com respeito, bem alimentadas (e não com rações, como já se propôs em São Paulo), seriam, obviamente, eleitores/eleitoras com super-qualificação. Para os jovens desse futuro idealizado, a votação seria facultativa; porém, seu desejo de escolher o melhor para si e para os seus seria inegociável, imparável.

Por isso, os ideais também são revolucionários, como a Revolução Francesa (1789), a Revolução Russa de 1917. E por isso acreditamos nesse ideal de educação pública de qualidade, integral, emancipatória, com conteúdos relevantes, democrática, pluralista, inclusiva. Sem dúvida, a educação pode mudar as raízes do Brasil, e isto não é sonho, miríade, sonambulismo, é uma projeção realista do presente que ainda segue em negação.

Mas, e a realidade, qual é?

Na realidade, ao menos do Estado de São Paulo (governo de São Paulo), vemos apostas na contradição, negação, violência contra a saúde cognitiva das crianças e dos jovens. A tal ponto que a justiça teve que proibir a oferta de materiais didáticos atentatórios aos bons costumes da inteligência social.

Essa história é longa: no primeiro ato tivemos o governador de São Paulo recusando os materiais didáticos (e os recursos) disponibilizados pelo Governo Federal. Iria digitalizar todo o conteúdo, com uma empresa em que assessores tinham participação acionária. No segundo ato, voltou atrás, afirmando que iria aceitar os aportes do governo federal e que iria “imprimir” os tais materiais digitais. No terceiro ato vieram materiais didáticos do próprio governo estadual com revelações acachapantes: “as praias da capital paulista são belíssimas”, “Dom Pedro II proclamou a Abolição da Escravatura”, “águas poluídas podem provocar Alzheimer”. A justiça de São Paulo mandou recolher esses slides.

Entre atos e desaforos, como estão os alunos? Estão subjugados a uma lógica excludente que ignora a realidade.  Estão imbuídos na viscosidade dos discursos de inovação educacional confundida, propositalmente (e por ignorância?), com a inovação tecnológica. Requisitam aos alunos compromissos e metas sem fornecer as condições necessárias. E o conteúdo escolar informado aos alunos passa a ser só um detalhe que, na penumbra, ganha uma liberdade tal que se perverte na castidade do conhecer. Alunos da escola pública de São Paulo, simplesmente, não tem acesso à internet e quando conseguem, nos poucos minutos na escola pública, não têm tempo para realizar suas atividades: “tarefas escolares” de um tarde levam quatro dias para serem realizadas.

O nível de desinformação é tão grande que é custoso acreditar em “erro primário”. Porque, se de fato for “apenas” erro de produção e de revisão desses “conteúdos”, é óbvio que a gestão do Estado de São Paulo – considerado um país dentro do Brasil – está acabada. Ao fazerem isso com a educação praiana, certamente, o malfeito pode (deve) se repetir na saúde, segurança, na gestão pública como um todo.

Uma outra hipótese nos levaria a pensar que alguém sabotou o governo do Estado, embutindo conteúdos grotescos na educação pública – só faltou dizer que a terra é plana e que o governo global é de reptilianos. Neste caso, que é difícil dizer se é pior do que a primeira hipótese, as condutas deveriam ser investigadas como atentados contra o Estado Democrático de Direito. Pois, as noções mínimas de realidade ao alcance da educação (art. 205 da CF88) e da cultura (art. 215 da Cf88) – que são eixos e pilares dos direitos fundamentais – estariam sob ataque frenético, disruptivo, com capacidade letal de manipulação por meio de uma asquerosa desinformação dos jovens.

Nos dois casos, pior ainda se forem somados, temos a falência antecipada do governo do Estado mais rico do país e da América Latina. Não é pouca coisa. É muita coisa, a se contabilizar que esse governo tem “somente” oito meses de existência. Com tais erros crassos em sua gestão e nas políticas públicas – sem contar a chacina da Baixada Santista – o melhor seria a antecipação eleitoral. A distopia, herdeira do desapossado de Brasília em 2022, junto com Zema (nas Minas Gerais), não pode ser levada a sério – a não ser pela justiça popular dos/as eleitores/as, e da justiça paulista.

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