Sexta-feira, 27 de março de 2020 - 22h49
Enquanto boa (boa no sentido quantitativo, não
necessariamente no qualitativo) parte da imprensa concentra suas atenções na
manipulação de dados epidemiológicos que determinem se Bolsonaro vai para o céu
ou para o inferno, corre despercebida e a passos largos no Congresso Nacional
uma proposta de emenda constitucional que pode imprimir profunda transformação
na governança orçamentária nacional, ou seja, nas três esferas de governo:
municipal, estadual e federal. Trata-se da PEC 187/2019, que, conforme reza sua
ementa, “Institui reserva de lei complementar para criar fundos públicos e extingue
aqueles que não forem ratificados até o final do segundo exercício financeiro
subsequente à promulgação desta Emenda Constitucional, e dá outras
providências”.
É interessante observar que não é só a imprensa que se
alheia ao tema. Mas também operadores e docentes do direito, mesmo aqueles que
posam de jurisconsultos de plantão nas redes sociais, nada dizem, nada comentam
a respeito, em que pese, pelo menos em tese, disporem de conhecimentos que lhes
permitam adentrar o tema com a devida profundidade e trazer à sociedade
informações necessárias à avaliação da atuação dos que a representam no
parlamento. E o que é melhor: intervir proativamente nessa atuação,
utilizando-se dos devidos recursos tecnológicos hodiernos, em especial as redes
sociais.
Pois bem, são autores de tal proposta de emenda à Carta de
1988 senadores de um interessante espectro partidário, que vai do Cidadania, de
tradição comunista, ao Partido Progressista, herdeiro necessário da extinta
Arena: Fernando Bezerra (MDB/PE), Juíza Selma (Podemos/MT), Alessandro Vieira (Cidadania/SE),
Mailza Gomes (PP/AC), Maria do Carmo Alves (DEM/SE), Arolde de Oliveira
(PSD/RJ), Simone Tebet (MDB/MS), Carlos Viana (PSD/MG), Chico Rodrigues
(DEM/RR), Ciro Nogueira (PP/PI), Confúcio Moura (MDB/RO), Dário Berger
(MDB/SC), Eduardo Braga (MDB/AM), Eduardo Girão (Podemos/CE), Eduardo Gomes
(MDB/TO), Elmano Férrer (Podemos/PI), Esperidião Amin (PP/SC), Izalci Lucas
(PSDB/DF), Jorginho Mello (PL/SC), Lasier Martins (Podemos/RS), Luis Carlos
Heinze (PP/RS), Luiz do Carmo (MDB/GO), Major Olimpio (PSL/SP), Marcio Bittar
(MDB/AC), Marcos do Val (Podemos/ES), Mecias de Jesus (Republicanos/RR),
Nelsinho Trad (PSD/MS), Omar Aziz (PSD/AM), Oriovisto Guimarães (Podemos/PR),
Otto Alencar (PSD/BA), Plínio Valério (PSDB/AM), Rodrigo Pacheco (DEM/MG),
Tasso Jereissati (PSDB/CE), Telmário Mota (PROS/RR), Vanderlan Cardoso (PP/GO),
Wellington Fagundes (PL/MT), Zequinha Marinho (PSC/PA). Como se vê, a
diversidade não é apenas de partidos, mas também de unidades da Federação.
Perceba-se agora a gravidade do conteúdo da norma em
gestação. Não bastasse tornar mais rara a criação de fundos, uma vez que
estabelece a obrigatoriedade de serem criados somente por meio de lei
complementar, que tem um rito legislativo mais complexo que as leis ordinárias,
inclusive por exigir maioria qualificada para sua aprovação e não a maioria
simples, a Emenda ora proposta, uma vez entrando em vigor, implicará a extinção
dos fundos hoje existentes, se não forem eles objeto de ratificação
legislativa, conforme o artigo 3º, caput:
“Art. 3° Os fundos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Munícípios existentes na data da promulgação desta Emenda ConstitucionaI serão
extintos, se não forem ratificados pelos respectivos Poderes Legislativos, por meio
de Lei Complementar específica para cada um dos fundos públicos, até o final do
segundo exercício financeiro subsequente à data da promulgação desta Emenda
Constitucional.”
Mas, como todo bom artigo de lei tem seus parágrafos, onde
são contempladas as ressalvas, as exceções, os tratamentos especiais, é de se
registrar o que diz em seguida o texto: “§1º Não se aplica o disposto no caput
para os fundos públicos previstos nas Constituições e Leis Orgânicas de cada
ente federativo, inclusive no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
E mais à frente vê-se o destino que será dado ao patrimônio dos fundos que
vierem a deixar de existir: “§2° O patrimônio dos fundos públicos extintos em
decorrência do disposto neste artigo será transferido para o respectivo Poder
de cada ente federado ao qual o fundo se vinculava.”
Os números, tanto a quantidade de fundos que serão extintos
como a quantidade de dinheiro que movimentam, conforme a eles se referem os
autores da proposta em sua justificativa, são, sem dúvida, tentadores: “Para a
União, a Proposta de Emenda Constitucional, possibilitará num primeiro momento
a extinção de cerca de 248 fundos, sendo a que a maioria desses (165) foram
instituídos antes da Constituição de 1988, em um ordenamento jurídico, onde
esses fundos possuíam uma função que não é mais compatível com o ordenamento
constitucional vigente após a Constituição de 1988. Essa proposta de Emenda
Constitucional, no âmbito da União, permite a desvinculação imediata de um
volume apurado como superávit financeiro da ordem de R$ 219 bilhões, que
poderão ser utilizados na amortização da dívida pública da União.”
Há por aí, a dar com o pé, pseudointelectuais de toda ordem
que se autoproclamam defensores da cultura, militantes disso e daquilo, que até
o momento simplesmente não se pronunciaram sobre o tema. E não é só na cultura,
outros setores também teus seus militantes de fachada, gente que adora um
holofote, mas que simplesmente não profere uma palavra sequer diante do que se
tem à frente hoje no Senado Federal e que se derramará por sobre todo o
ordenamento orçamentário nacional. Os fundos, mormente aqueles administrados
por colegiados em que têm assento representantes da sociedade civil, têm sido
uma garantia efetiva para a execução de muitas políticas sociais relacionadas a
direitos fundamentais. Portanto, sua extinção geral é tema que não pode passar
sem análise por parte de quem se pretenda efetivamente militante do terceiro
setor.
Grande parte dos projetos sociais, especialmente os
executados em parcerias governamentais com organizações da sociedade civil sem
fins lucrativos, têm recursos oriundos de fundos que entrarão no rol da
extinção compulsória. A menos que haja uma militância efetiva de quem se
disponha a lutar por um ideal verdadeiramente social, é esse o quadro que se
desenha. É hora de terem os verdadeiros líderes de organizações do terceiro
setor disposição para estudar a matéria, acompanhar sua tramitação e pressionar
a classe política, nas três esferas, para que os impactos da nova ordem
orçamentária que se pretende estabelecer não anulem o que se conseguiu
construir até o momento. Há pelo menos 15 anos é nessa linha ação que atua o
Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça, instituição na qual tive
participação ativa nessa década e meia, integrando seu quadro de associados
fundadores, de gestores e também de pesquisadores. No terceiro setor, faço o
que compete ao terceiro setor. Nunca me servi dele para ganhar vitrine que
favorecesse qualquer espécie de benefício no setor público.
Neste momento que o país atravessa, é de fundamental
importância que as organizações da sociedade civil enxerguem a dimensão
legal-orçamentária dos recursos públicos e não limitem seu olhar à dimensão. A
questão se resume a “onde está o dinheiro” ou “quando estará disponível o
dinheiro”. É preciso ir além: saber por que o dinheiro está aqui ou ali e como
fazer para que esteja lá ou acolá. É preciso se livrar de mentiras, como essa
de que a Lei 13.019 é o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil,
porque nunca foi nem nunca será. O Marco Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil é o Código Civil, que estabelece as regras genéricas para a
constituição de pessoas jurídicas e, mas especificamente, as regras para a
constituição de associação, natureza jurídica mais frequente no terceiro setor.
A Lei 13.019 é meramente marco regulatório das parcerias que eventualmente
venham ser firmadas entre o setor público e organizações da sociedade civil. E
quem cria uma associação já pensando em tais parcerias pode ter certeza que o
registro de seus estatutos equivale não a uma certidão de nascimento, mas um
atestado de óbito.
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