Segunda-feira, 23 de janeiro de 2023 - 14h28
Dentre as
diversas providências que há de tomar para a arrumação da casa, o Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome revisará o
CADÚNICO: o cadastro único dos programas sociais.
Entendamos,
porém, que essa proposta já foi repetida diversas vezes. E, até agora, nada de
concreto aconteceu.
Há mais
de trinta anos, se intenta criar o banco de dados único. É o que consta
dos Decretos n. 97.936 e n. 99.378, de 1990, pelos quais se
determinava a implantação do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Já se
pressupunha, como é óbvio, que tal base deveria ser a única a recolher
dados de interesse para os programas sociais do Estado brasileiro. Com a
elementar lembrança de que os programas não são do governo alfa, do governo
beta ou do governo gama.
Porém,
esse Cadastro, cuja utilidade é indiscutível e cujo teor deveria conter os
elementos da totalidade da comunidade protegida, esteve desde sempre repleto de
omissões e inconsistências.
Por essa
razão, furando a proposta de unidade, certa norma operacional do SUS, de 1996,
instituía o Cartão Nacional de Saúde, que implicaria no cadastramento
nacional de usuários do SUS.
Será que
os dados disponíveis no CadSUS foram integrados aos do CNIS?
Dali
vieram elementos amealhados pelo Programa Saúde da Família, pelo Programa dos
Agentes Comunitários de Saúde e do Programa Bolsa Alimentação, registros que
subsidiariam os planos assistenciais dos quais o mais conhecido, agora sob
revisão, é o Bolsa Família.
Já se
sabe que a dispersão dos dados não interessa ao País, aos trabalhadores e aos
programas.
Ora, como
se não fosse possível confirmar a existência de Cadastro Único, o ano de 2001
trazia a lume o Decreto n. 3.887, que instituiu o cadastro das famílias em
situação de extrema pobreza. Tal Cadastro seria operado pela Caixa Econômica
Federal.
E, quase
vinte anos depois, essa novela, que não poderia ter final
feliz, punha a nu a inexistência de autêntico cadastro social digno desse
nome.
Alguém
disse, utilizando-se de nome pomposo, que faltava interoperabilidade entre as
bases de dados.
Os
governantes conseguiram, para seu próprio deleite burocrático, criar três
cadastros distintos na seara da seguridade social: o CNIS, o CadSUS e o
CADÚNICO.
Eis a que
nível chegaram, em termos de incompetência. E reconhecem, agora, que tais dados
são inconsistentes e repletos de informações que podem ser falsas.
Que
grande oportunidade se terá perdido com a tragédia da pandemia da COVID-19, que
exigiu o comparecimento da mesma pessoa em locais de vacinação por diversas
vezes, o que permitiria a alimentação reiterada de utilíssimas informações para
que o verdadeiro cadastro único fosse, afinal, configurado.
E, ainda,
como teria sido bom se o banco oficial que verteu a ajuda emergencial tivesse
registros confiáveis aptos a detectar que quase oitenta mil servidores – o dado
é do Tribunal de Contas da União – cujos dados estão bem atualizados no outro
banco oficial, e tivesse conferido (com dois ou três cliques) que
tais sujeitos não cumpriam o elementar requisito de elegibilidade ao benefício.
A
constatação demonstra que os organismos governamentais não conseguem articular
elementares trocas de dados que, no mundo da informatização e da comunicação
global, são corriqueiras.
A
autoridade no comando afirma que, ainda em janeiro, o Cadastro Único já estará
completamente limpo. Será?
A partir
daí, um núcleo gerador de dados da realidade social carregará a
estrutura de poder dos elementos indispensáveis à criação, modificação,
ou, até mesmo, extinção de certos programas o que poderá se
dar a partir de sólida base de dados.
O
primeiro mainframe da DATAPREV, dos anos 1960, detinha apelido
plurissignificativo. Chamavam-no de burrão, em alusão indireta ao nome do
respectivo fabricante.
É preciso muito cuidado para que o gene daquela máquina não prossiga infiltrado no DNA do CADÚNICO.
*Wagner Balera é professor titular na
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Livre-docente e doutor em Direito Previdenciário pela mesma universidade. Autor
de mais de 20 livros sobre Direito Previdenciário.
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