Terça-feira, 9 de maio de 2023 - 09h56
Lemos nos jornais (FSP, 4/05/2023) que “a conclusão da usina nuclear de
Angra 3 é prioridade nos planos do governo Lula”. Surpreendente, pois durante a
acirrada campanha eleitoral de 2022, tudo o que se ouviu sobre as prioridades
de um futuro governo Lula era garantir que cada brasileira e brasileiro
tivessem as quatro refeições do dia, picanha de vez em quando, escola e saúde,
além de moradia digna. No quesito ambiental, o combate ao desmatamento e à
mineração ilegal, a demarcação das terras indígenas e a transição para uma
economia de baixo carbono eram todas as prioridades mencionadas.
Nunca se falou em energia nuclear, Angra 3 ou bomba atômica durante a
campanha eleitoral, mas eis que agora, de repente, descobrimos que o presidente
escondia e nutria um grande carinho pelo tema. Bem, é um direito dele como
pessoa acreditar que a energia nuclear seja segura, barata e necessária, mas
como presidente de uma república democrática ele devia antes de definir as
“suas prioridades”, submetê-las a uma discussão pública.
Embora discutir em profundidade riscos e benefícios da energia nuclear
exija o domínio de informações científicas, há coisas básicas ao acesso de
todos, como o fato de que de repente, mesmo as melhores usinas podem explodir,
como Fukushima, no Japão; que os rejeitos nucleares são um problema insolúvel
pois não há ninguém que queira ser vizinho de um depósito desse tipo, e que a
morte e as enfermidades por radiação são terríveis.
Já outras informações de caráter econômico costumam ser subtraídas da
opinião pública, provavelmente porque elas ajudariam muito a formar uma opinião
contrária a essa “prioridade”. A contribuição da energia nuclear na matriz
energética do Brasil, por exemplo, continuará inexpressiva, em torno de 2%
mesmo com Angra 3, enquanto o preço do megawatt- hora de origem nuclear chega a
ser de 4 a 6 vezes maior, quando comparado a geração solar, eólica e
hidráulica. O que implicará um aumento substancial na conta de energia de todos
os consumidores brasileiros durante algumas décadas.
Outro exemplo: os R$ 17 bilhões que faltam para “acabar” Angra 3 (até
agora gastou-se R$ 7,8 bilhões) dariam para abastecer 1 milhão de casas com
módulos solares de 3 kWp cada uma (ao preço unitário de R$ 17 mil). Podíamos
fazer cálculos semelhantes ao sistema solar fotovoltaicos, e para outros modos
de produção de geração de energia descentralizados, adaptados às condições
locais como biodigestores, geração elétrica de fio de água, uso de óleos
vegetais. Ou mesmo pensar quantas escolas, casas e hospitais poderiam ser
construídos com esses R$17 bilhões.
O último argumento do Ministério de Minas e Energia é que a energia
nuclear é uma opção de “geração limpa” dentro da transição energética, uma vez
que não gera gases de efeito estufa. Mas quando consideramos que o Ministério
de Minas e Energia e o próprio Lula, também querem aumentar a exploração de
petróleo e gás natural no país, inclusive nos recifes de coral da foz do Amazônia,
temos todo o direito de duvidar da sinceridade deles em relação a uma transição
energética devido às mudanças climáticas.
E, por fim, “transitar da energia fóssil” para a energia nuclear é um
péssimo negócio, pois além de depender de um combustível também não renovável,
o urânio, e razoavelmente escasso, seus rejeitos permanecem perigosos e
irradiando por milhares de anos. É como transitar do vício da cocaína para o da
morfina.
É um mistério, portanto, porque o presidente Lula elegeu Angra3 como
prioridade. Que tal explicar isso para os cidadãos e cidadãs brasileiros que o
elegeram e que vão pagar uma energia muito mais cara nas próximas décadas e
correr o risco de sofrer acidentes nucleares espantosos, pois Angra se situa
entre as duas cidades mais populosas do país? Afinal, onde anda a democracia
participativa nesse governo quando descobrimos que o presidente define suas
“prioridades” de maneira tão pouco pública, embora a grana que será gasta seja
nossa? E os riscos também?
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* Marijane
Vieira Lisboa Graduada em Sociologia - Freie Universitat Berlin
(1977), Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (2000). Atualmente é assistente doutora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, professora do curso de Ciências Socioambientais da PUC,
ativista ambiental, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e da
Articulação Antinuclear Brasileira (AAB) e do Movimento Ciência Cidadã.
** Heitor
Scalambrini Costa Bacharelado em física pela Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia
Nuclear pelo Departamento de Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco), doutor pela Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de
Fotoeletricidade/Comissariado de Energia Atômica da França, professor
aposentado da UFPE, ativista ambiental, membro da Articulação Antinuclear
Brasileira (AAB).
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