Quinta-feira, 22 de dezembro de 2022 - 13h00
O
Exército Brasileiro construiu sua imagem de “Poder Moderador” nas crises
republicanas, tendo herdado o mesmo papel mediador da Coroa no Império, ao se
envolver nos impasses políticos, e mesmo resolver aqueles mais sérios, de
regime ou de Estado. Na verdade, desde o início da República, todas as
correntes políticas tiveram de uma forma ou de outra o apoio dos militares para
concretizar seus objetivos. E depois da década de 30 do século passado, quem
mais amplamente difundiu a imagem de “moderador” do Exército foram aqueles grupos
incapazes ou impedidos de atingir o poder pelas vias normais.
A partir do governo Collor, a
institucionalização das rotinas democráticas reduziu gradativamente essa
histórica força política dos militares brasileiros. Assim, as propostas e
pretensões militares passaram a ser contestadas pelos protagonistas do
Legislativo e do Executivo, expandindo-se a capacidade de formulação e decisão
dos assuntos nacionais pelos políticos civis. Com apoio da mídia, dos meios
acadêmicos e dos grandes interesses corporativos, em uma espécie de revanchismo
histórico libertário de fundo gramcista – vide a tendenciosa comissão da
verdade – orquestrou-se então a paulatina erosão do poder de influência
militar na política. E a surda conivência da sociedade neste processo acentuou
a perda dos recursos políticos dos homens das armas, únicos detentores do
monopólio da violência institucional do Estado. Internamente, foi o imperativo
da disciplina e o atávico compromisso com a democracia que induziu o afastamento
das Forças Armadas da política.
Mesmo sistemático e objetivo, esse desgaste da
histórica capacidade de influência militar não teve como consequência a
esperada extinção do “Poder Moderador”, ou ainda o desejado “controle
democrático” da instituição militar, este último nada mais que um conceito
alienígena e de nítida inspiração esquerdista. Primeiro, porque até o presente,
os políticos - assim como as elites - não tomaram para si a responsabilidade de
deliberar sobre as questões do emprego, ou mesmo da estrutura necessária às
Forças Armadas, para a consecução dos objetivos geopolíticos do País. E depois,
ainda que o declínio da influência militar tenha se concretizado, isso não apagou
do inconsciente coletivo as relações de confiança mútua, e até mesmo de
dependência, entre a nação e os militares brasileiros. Não é sem razão que as
Forças Armadas detêm os maiores índices de aprovação entre as instituições
brasileiras, nem que as recentes manifestações de milhares de pessoas em nome
da democracia aconteçam em frente dos quartéis.
No entanto, é preciso levar em consideração as possíveis motivações dos
militares brasileiros, assim como as consequências das suas participações no
processo político, antes de cobrar-lhes atitudes ou ações bastante comuns no passado,
aparentemente anacrônicas na atualidade. Talvez, primeiro se deva ponderar os
custos que as Forças Armadas brasileiras estariam dispostas a pagar pela iniciativa
dita “antidemocrática” no enfrentamento dos políticos e da opinião pública, mas
também pela responsabilidade sobre o desmonte do sistema democrático
brasileiro, construído a duras penas ao longo dos últimos 60 anos. E o dilema se agrava quando a opinião pública
passa a entender como prevaricação dos chefes militares a inércia diante dos continuados
abusos de autoridade, e das criminosas quebras dos preceitos constitucionais
perpetrados nos últimos meses pelos Tribunais Superiores, e por autoridades do
Judiciário. Alegando proteger a democracia, enquanto fazem exatamente o
contrário, Ministros do Supremos Tribunal Federal, após descondenarem um
ex-presidente preso por corrupção, e o tornarem elegível (mesmo sentenciado em
três instâncias e por nove Juízes), passaram a perseguir e prender cidadãos por
crime de opinião. De forma autoritária, conseguiram ainda institucionalizar uma
nebulosa farsa eleitoral, culminando com uma inexplicável desconsideração em
atender às demandas populares de transparência do pleito, ilegalidade que só tem
agravado as perspectivas de tragédia, em futuro próximo. Esses atentados contra
as liberdades, alardeados como democráticos, não escondem defender interesses da
classe política, e têm indignado grande parte da população, que assiste a
realidade acontecer diante dos seus olhos sendo diariamente transformada pela
mídia em narrativas enviesadas.
A percepção de muitos brasileiros de bem, assim como das Forças Armadas e
das instituições sérias do país, é de que um governo “eleito” nessas condições,
tendo futuros integrantes já anunciados com sabido envolvimento em corrupção, não
tem capital político para reduzir a atual fratura exposta do nosso tecido institucional.
Também, a população não vê vontade política nos Poderes da República em solucionar
esse impasse. O Judiciário permanece ativista partidário, o Congresso criminosamente
omisso e o Executivo manietado pós eleições, antecipadamente condenado por
golpe ou ato antidemocrático, caso tente qualquer manobra política voltada para
restabelecer a normalidade institucional, mesmo apoiada na Constituição.
Como vencer os próprios dilemas internos das Forças, e como ajustar seus
procedimentos à nova realidade política e estratégica mundial, para cumprir
suas obrigações históricas e constitucionais de manutenção da influência
tutelar na política brasileira, eis a questão para os militares. Depoimentos de
remanescentes do regime militar, e mesmo daqueles que ocuparam postos de
destaque nos governos civis, costumam questionar a ingerência militar.
Entretanto, o ineditismo da conjuntura política atual exige solução
excepcional, como bem expressou a ilustre Ministra Carmem Lucia, do TSE, quando
de uma sentença exarada no período eleitoral, onde se censurou previamente um documentário
cinematográfico, sem que sequer ele tenha sido exibido. Naquela ocasião, a
Ministra afirmou estar proferindo uma decisão baseada em uma “situação excepcionalíssima”
(sic) e, portanto, perfeitamente cabível para aquele momento político.
A violação continuada da
Constituição, por inéditas jurisprudências monocráticas, tem impossibilitado ao
povo dar força ao que é justo. O grito das ruas reconhece como
justo apelar para o velho “Poder Moderador”. Resta essa desesperada tentativa última
de fazer o forte se tornar o justo, para bem do País.
Gen Marco Aurélio Vieira
Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista
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