Segunda-feira, 25 de maio de 2020 - 08h40
Convenhamos que para efeitos de “prova cabal” da interferência de Bolsonaro na PF o vídeo divulgado caberia na expressão “a montanha pariu um rato”. Todavia, Moro é um dos juízes mais experientes do Brasil, que atuou nos dois processos de maior repercussão nacional, Banestado e Lava Jato, logo saberia avaliar o valor de uma prova.
Foi Moro que insistiu na divulgação do vídeo na íntegra, para supostamente provar a interferência na PF. Entretanto, já há várias provas no inquérito instaurado:
1º) O print do Whatsapp em que Bolsonaro reclama das investigações pela PF sobre deputados bolsonaristas e diz que isso seria “mais um motivo para a troca”;
2º) Os depoimentos já colhidos, de ministros e de delegados da PF, revelam fortes indícios dessa interferência, em especial do ex-superintendente do Rio de Janeiro, revelando que já tinha sido procurado anteriormente por Ramagem;
3º) O jornal “O Estadão” revelou mais uma prova, nesta sexta-feira (23), da interferência de Bolsonaro: outro print de Whatsapp no qual o presidente comunica à Moro, antes da reunião do vídeo, que “Valeixo vai ser demitido esta semana”. O que desmente, ainda, as seguidas declarações de Bolsonaro que foi Valeixo que pediu pra sair.
4º) As exonerações e nomeações na PF, após a reunião do vídeo, confirmam a efetiva interferência de Bolsonaro.
Logo, considerando ainda que o vídeo já estava nos autos, à disposição das partes, da polícia, da PGR e do ministro do STF, não haveria maior valoração de tal prova com sua divulgação. Então, porque Moro insistiu tanto em divulgar?
Maquiavelicamente, para usar uma linguagem bem ao gosto do bolsonarismo, ‘Moro mirou num alvo para acertar outro’. Sua intenção com a divulgação do execrável vídeo na verdade seria ferir gravemente o governo Bolsonaro, em plena pandemia do coronavírus. Eis algumas das consequências imediatas desse “tiro”:
a) Mostrou o descaso do governo com a pandemia do coronavírus, que só foi citada para xingar os governadores e prefeitos que estavam tentando proteger a população;
b) A permanência de alguns ministros ficou seriamente comprometida, como o do meio ambiente e o da educação;
c) A repercussão internacional está sendo extremamente negativa, principalmente da “boiada” nas reservas ambientais e da omissão de Bolsonaro no enfrentamento do coronavírus. Isso terá enormes impactos na imagem do Brasil e na pauta de exportação;
d) A China, principal parceiro comercial do Brasil, agora tem a confirmação de que Bolsonaro é aliado dos EUA e inimigo dos chineses, mesmo tendo sido suprimida a parte do vídeo em o presidente “detona” os chineses. As consequências? O agronegócio não deve estar muito tranquilo neste momento; e
e) O governo Bolsonaro entrou em rota de colisão com o STF, pois o ministro da (des)educação falou em prender “os vagabundos” da Suprema Corte e Bolsonaro assistiu a tudo sem repreendê-lo, ou seja, anuiu com a opinião do ministro.
Este cenário, aliado às previsões médicas e científicas de que em breve o Brasil será o epicentro da pandemia do coronavírus, que resultará em uma tragédia de grandes proporções, para qual a postura e as falas inconsequentes de Bolsonaro contribuirá para agravar ainda mais, poderá provocar um “derretimento” do bolsonarismo nos próximos meses.
* Itamar Ferreira é advogado e responsável pela Coluna Reticências Políticas.
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