Terça-feira, 18 de abril de 2023 - 16h44
A indústria nuclear insiste em
propagar que está em pleno desenvolvimento no mundo, com novas tecnologias
sendo disponibilizadas, como a dos pequenos
reatores modulares (em inglês, SMR -Small Modular Reator). Chama atenção,
neste caso, a omissão deliberada da palavra nuclear, na denominação dos pequenos reatores, evidenciando a habitual estratégia de comunicação ambígua que
caracteriza esse setor.
Os que mais defendem a tecnologia nuclear chegam mesmo a antever (por meios sobrenaturais,
talvez?), que as usinas nucleares desempenharão um papel fundamental na luta
pela descarbonização, além de contribuírem para a transição com fontes limpas.
O discurso eufórico sobre o crescimento do número
de usinas nucleares pelo mundo (e porque não no Brasil?), não condiz exatamente
com a realidade. A verdade é que ocorreu uma desaceleração dos negócios nucleares nas
últimas décadas, principalmente após a tragédia em Fukushima, que infelizmente não
acabou.
Esta tecnologia de produzir energia
elétrica funciona como uma termelétrica, onde o combustível que gera energia é
extraído do minério de urânio, e transformado por diferentes processos
industriais, até sua fabricação. Parte deste calor, gerado a partir da reação
de fissão nuclear, aquece a água pressurizada, cujo vapor a alta pressão
movimenta as pás de turbinas acopladas a um gerador, produzindo assim energia
elétrica. A outra parte do calor, é retirada com sistemas de refrigeração, que
geralmente usam água de rios, mares, grandes reservatórios e lagos.
Grande quantidade de resíduos é produzida pelas reações nucleares
que ocorrem no combustível. Estes elementos químicos, criados artificialmente,
são altamente radioativos, por até milhares de anos. É necessário armazená-los
em locais de extrema segurança, e com estabilidade geológica, para os próximos
milhares de anos. Uma situação que leva a reflexão sobre o lixo atômico,
herança maldita deixada para as gerações futuras.
A viabilidade das usinas
nucleares tem gerado intensos e calorosos debates sobre questões técnicas,
econômicas, sociais, ambientais e mesmo questionamentos éticos e geopolíticos.
Outro assunto é a questão do uso militar da energia nuclear, com a construção
da bomba atômica (limpas/sujas!!!). Países que detém a tecnologia de
enriquecimento, e outros processos da cadeia para produção do combustível
nuclear, estão aptos para a construção da bomba, como é o caso brasileiro.
Nunca é tarde lembrar que são
naqueles países com déficit democrático (Rússia, China, Índia, Arábia Saudita),
que os publicitários “do nuclear” se referem, quando mencionam o crescimento de
novas instalações pelo mundo afora. Nestes países a sociedade civil não tem
nenhuma incidência, nem participação na política oficial adotada. São decisões
autoritárias, que não aceitam o contraditório, agindo sob sigilo. Estes
governos chegam a recorrer, muitas vezes, à violência para
conter os crescentes movimentos antinucleares pacifistas.
A descarbonização das atividades
econômicas tem no setor elétrico um potencial maior, desde que a geração de
energia elétrica seja sustentável, com fontes renováveis de energia. No caso da
geração nucleoelétrica é importante esclarecer, que várias indústrias estão
envolvidas nas diferentes etapas para a produção do combustível nuclear. Começa com a mineração do urânio, seguindo a
concentração (separação do urânio de outros elementos agregados), a conversão
do concentrado em gás, o enriquecimento isotópico, a produção das
pastilhas/combustível (que serão inseridas no núcleo do reator nuclear), o
tratamento dos resíduos produzidos (lixo atômico), o armazenamento e o descomissionamento das usinas após atingirem sua vida
útil. Assim, conforme estudos científicos realizados, este conjunto de
processos, o chamado “ciclo do combustível nuclear”, acaba gerando quantidades
significativas de gases de efeito estufa.
Sustentar que a energia nuclear é
uma fonte limpa, é propagar uma grande MENTIRA, pois contradiz o que demonstra
a ciência, tão importante nos tempos atuais. NÃO EXISTE nenhuma fonte de
energia (renovável e não renovável), que não gere algum tipo de emissões, de
resíduos, de impactos socioambientais. As fontes não renováveis (petróleo e
derivados, gás natural, carvão mineral, nuclear) são reconhecidas como as mais
poluentes, as grandes responsáveis pelo aquecimento, e suas consequências para
o planeta. E devem ser banidas da matriz energética mundial.
Assim, usar inadequadamente e
incorretamente o termo “energia limpa”, tem o objetivo de qualificar a energia
de "limpa", induzindo a
população em geral, uma mensagem de que a nuclear
não faz mal às pessoas, nem ao
meio ambiente. Que deve ser aceita e apoiada.
Outra desfaçatez é considerar
esta fonte importante e necessária para a transição energética no Brasil. De
tão mal vista pela população, no imaginário popular a energia nuclear está associada a promover
a morte, e não a vida. Torna obviamente desnecessário o uso desta perigosa,
cara e suja tecnologia, pela extraordinária abundância de fontes renováveis de
energia (sol, vento, biomassa, água, ...)
disponíveis no território nacional.
Nos tempos atuais de conflito bélico, usar a
Europa, grande consumidora e dependente do petróleo e do gás endógeno, para
alavancar a narrativa de que o nuclear pode ser a salvação, são falsas
justificativas levadas a cabo pelos interesses dos “negócios do nuclear”.
Este contexto de guerra mostra como as usinas
nucleares se tornam alvos prioritários, fáceis e frágeis, podendo provocar contaminação
radioativa de grandes proporções e irreversíveis danos para a saúde e para o
meio ambiente. Quantidades expressivas de materiais
extremamente perigosos para os seres vivos se encontram no interior destas
instalações.
Vejam o caso dos ataques
armados sobre o maior complexo nuclear europeu,
de Zaporizhzhia, na Ucrânia, que colocaram em risco seu funcionamento e a
integridade física das instalações. Felizmente não sofreu danos estruturais, e
assim não houve, até o presente, informações
sobre vazamento de material radioativo, como ocorreu tragicamente em Chernobyl,
localizado a 80 km deste complexo. Todavia, muito mais preocupante foi a
revelação pelo Greenpeace, que até o ano de 2017 havia no local 2.204 toneladas
de elementos radioativos armazenados, 855 toneladas em piscinas e 1.349
toneladas a seco.
Se não bastasse o risco extremo
de um ataque a uma central nuclear, avaliemos o
significado de ter no planeta, mais e mais usinas nucleares, multiplicando a
circulação de mais urânio enriquecido, plutônio e outros resíduos de alta
radioatividade, de alta periculosidade.
Por tudo isso, é urgente e
fundamental um amplo debate com a seriedade que o tema exige no Brasil,
ancorado na transparência e na democracia. Diferente do que ocorre hoje, quando
o assunto é nuclear. A sociedade brasileira não pode ficar refém de decisões
que comprometam seu presente e seu futuro, tomadas em canais governamentais,
sem a participação popular, sofrendo pressão direta do lobismo nuclear.
A ameaça à vida que representa a
decisão de nuclearização, com a expansão do número de usinas nucleares no país,
deve ser discutida amplamente e democraticamente pela sociedade, e com a
transparência exigida. Decisão desta magnitude não deve ficar restrita ao
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE-órgão de assessoramento à
presidência da república). O Brasil não deve contribuir com a ameaça da
proliferação e do aumento da quantidade de material radioativo circulando e
ameaçando constantemente o planeta.
Na Europa existe um intenso debate sobre a
geração núcleo-elétrica. Países como Itália, Bélgica, Suíça, Alemanha e Áustria
são favoráveis ao banimento da tecnologia nuclear. Outros como Espanha, Suécia e
França (cuja dependência da nucleoeletricidade chega a 75%), ainda persistem
nesta rota nuclear, por interesses próprios.
O pacifismo presente na luta
antinuclear condena o uso bélico, em artefatos como a bomba atômica. Mesmo que a construção
de armamentos nucleares seja proibida pela Constituição Brasileira de 1988, a
política oficial, segue no sentido contrário, como os exemplos recentes do
avanço no enriquecimento do urânio, em unidades da Marinha Brasileira.
Hoje, mais do que nunca falar e
pregar a democracia só no discurso, e nada fazer de concreto, são ações
meramente populistas. Sem
correção de rumos acabarão colaborando com aqueles
que propõem o autoritarismo.
_________________________________
* Heitor Scalambrini
Costa é físico pela Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo Departamento de
Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), doutor pela
Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de Fotoeletricidade/Comissariado de
Energia Atômica da França, professor aposentado da UFPE e ativista antinuclear.
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