Domingo, 26 de novembro de 2017 - 11h44
Publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de outubro de 2017, a
Portaria de nº 1.129/2017 foi capaz de abalar o país por um retrocesso
sem tamanho, coisa que, infelizmente, não tem sido muito difícil de
vermos por aqui. Determinou-se nesse dispositivo, entre outras
conjunturas, que jornadas extenuantes e condições degradantes de
trabalho só serão, a partir de agora, consideradas como trabalho
análogo à escravidão se houver restrição de locomoção do trabalhador.
É importante salientarmos que embora o trabalho escravo contemporâneo
não seja a realidade de muitos, e que os direitos trabalhistas mais
básicos negados a milhares de brasileiros sequer são alvo de muita
atenção, essa realidade existe. Na verdade, tal prática está enraizada
em muitas localizações simplesmente disfarçada de vínculo
empregatício, num contexto no qual os trabalhadores em condições
degradantes não deixam seu local de trabalho por acreditarem estar em
“débito” com o empregador, por alguma razão. Esse ciclo vicioso é
chamado de “Escravidão por Dívida” e é apenas um de um rol de exemplos
que poderiam ser citados para explicar a gravidade da Portaria.
Ademais, as maneiras de se manter um trabalhador em condições análogas
à escravidão são muitas! O trabalho sem condições de higiene adequadas
ou em instalações precárias, com jornadas exaustivas, que submeta o
trabalhador a maus tratos, retenção de documentos, dentre outros são
exemplos de como a restrição de locomoção do trabalhador – apesar de
lamentável – não é o único fator caracterizados do trabalho escravo.
Por esses motivos, é imprescindível, que se faça uma análise com
enfoque nas consequências da Portaria 1.129/2017 no âmbito criminal,
ante a incongruência da sua redação com o tipificado no Código Penal,
o qual estabelece em seu artigo 149 que a redução de alguém à condição
análoga à de escravo perpassa por quatro requisitos basilares, que
podem atuar conjunta ou isoladamente, quais sejam: submissão a
trabalhos forçados, jornada exaustiva, exposição do trabalhador a
condições degradantes e restrição da liberdade por conta da servidão
por dívida. Vejamos.
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo,
por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera
de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo
no local de trabalho.
2oA pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – Contra criança ou adolescente;
II – Por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Ora, uma das principais alterações previstas na portaria diz respeito
à publicação da chamada “Lista Suja” do trabalho escravo, essa lista
contempla as empresas autuadas por submeter seus empregados a esse
tipo de trabalho. O documento publicado prevê, agora, que um
empregador só poderá integrar a lista por determinação expressa do
ministro do Trabalho. Antes, a inclusão era resultado de uma avaliação
com critérios estritamente técnicos, o que garantia a transparência e
legitimidade do processo.
Outra alteração importante a ser debatida é a eliminação de todos os
requisitos para a celebração do TAC da regra anterior, que
condicionava esse direito a uma série de obrigações, como a
indenização às vítimas, a adoção de medidas de combate ao trabalho
escravo, e o monitoramento por parte de autoridades de proteção aos
direitos dos trabalhadores. Desse modo, a nova portaria também retira
a obrigação de que a lista de empregadores que assinam os TACs venha
publicada junto à Lista Suja.
Diante de todas essas polêmicas pautadas pela multidisciplinaridade
natural do tema, há que se pensar nas consequências lógicas da atuação
da justiça frente a casos análogos à escravidão, uma vez que aquilo
que seria típico, deixa de ser.
Não é surpresa que condições precárias a um trabalhador vulnerável
somadas a facilidades empresárias de encobrir irregularidades
resultarão em um fator inevitável nesse contexto: o trabalho escravo.
Além disso ao dificultar a fiscalização, abrem-se brechas que também
dificultam a comprovação, e, consequentemente, a ausência de
penalização desse crime.
Barbara Marchioro Pagliosa
Estudante de Direito na UNICURITBA
Curitiba, 26 de novembro de 2017
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