Domingo, 3 de março de 2013 - 23h18
Precisamos sobreviver e é mais difícil - Ainda! Acredite! - para nós. Carregamos um pouco do mundo nas costas e talvez até seja isso que nos dá aquele volume e o molejo que enlouquece os pescoços masculinos que já agem independentes e se viram para nos ver passar. Temos também, no íntimo, sempre culpa por alguma coisa, e se nos livramos de uma, logo arranjamos outra. Assim vamos levando.
Sussurramos se queremos algo mais. Gritamos quando nos irritamos. Podemos sofrer caladas, silenciosas. Berramos quando fecha o tempo. Falamos pelos cotovelos. Suspiramos quando amamos. Fazemos que não vemos. Vemos muito mais do que devíamos, inclusive onde nem havíamos sido chamadas. Olhamos tudo, às vezes até procurando defeitos, principalmente se for para outra mulher. Nem que seja de soslaio, miramos os espelhos, os vidros, tudo o que reflete, e nunca estamos exatamente satisfeitas com o que vemos, culpando sempre a maldita superfície onde fomos nos buscar.
Mas voltemos ao andar. Ou aos sinais que emitimos quando nos interessamos. Serão feromônios? Quem faz tantas coisas diferentes ao mesmo tempo agora? Quem pisca, molha os lábios, mexe os cabelos, sejam lisos, ondulados, escovados, como as mulheres? Quem, através deles, os cabelos, muda tanto? Por cores, por tamanhos, por cortes, tamanhos e cores - em qualquer ordem que é mesmo para alterar sempre o produto final.
A graça no molejo pode vir de um salto alto, que faz toda mulher ser mais mulher. Mas vem também do pé descalço na areia ou da chinelinha rasteira estalando nas pedras da calçada, na subida do morro, do chocalho na canela. De botas, temos sempre muitas léguas a percorrer, poderosas. Ultimamente até um passo mais duro está vindo também dos tênis que temos usado cada vez mais em exercícios para manter o máximo possível esticado o fio da tal gravidade que teima em jogar tudo para baixo.
E lá vai ela, sempre carregando algo, ou uma bolsa companheira. Mulheres e seu especial apreço por sapatos e bolsas que carregam pedaços de suas vidas. Em alguns casos até a sobrevivência, sempre previdentes e surpreendentes que somos. Aguentamos roupas justas e sapatos apertados. Mas se aguentamos até a tortura! Se aguentamos até sacrificar desejos, pelos filhos, pela família! O que é um sapato apertado perto de um parto, de nove meses de angústia até ver aquela carinha? A mesma carinha que tantos sustos vai dar a partir do momento que deixar o seu corpo? Da decisão de ir ou vir? Ficar ou tirar?
Aguentar ou separar? Estourar ou relevar? (Mulheres sempre se impõem dois ou mais caminhos, menos rígidas e mais intuitivas, mais arrojadas e maleáveis).
Queremos atenção, mas até que aguentamos bem quando não a conseguimos. Certo: às vezes fraquejamos, mas sempre o tempo só de uma respirada. Fingimos bem, muito bem, inclusive orgasmos e felicidades. Temos muita sorte e podemos nos autocontentar e contemplar magnificamente sozinhas, apenas com os nossos cérebros férteis fábricas de fantasias. Debaixo de nossos uniformes, enfermeira, empregada, aeromoça, debaixo de nossas roupas, cada uma é uma. Não sei não, mas creio até que vaginas possam ser impressões únicas, como as digitais. Pena que nem todas se toquem e olhem no espelho com prazer para ver isso, reprimidas em suas naturalidades e sentimentalidades, como tão bem escreveu Arnaldo Antunes, sempre muito concreto.
Estica aqui, puxa de lá, põe peito, suga gordura, aperta aqui e ali, tira peito, troca silicone. Se pinta. E borda. Sobe a barra da saia. Desce, quando quer só recato. Fechando o botão da blusa ou abrindo o zíper, a mulher se auto-regula, junto com o mês, tepeemes, cólicas e depressões. Com a Lua se renova ou míngua. Com a cheia se alvoroça. Troca a cor da calcinha. Muda o bojo do sutiã. Tira e põe a meia. As luvas, no cinema, são puxadas com os dentes suavemente pelas pontas dos dedos. Faz strip tease ou se retira em enxaquecas.
Mulher se enfeita até com cacos, qualquer laço, qualquer fita. Brincos, anéis, colares, nem sempre iguais. Mulher ama flores e chocolates e é capaz de acreditar e perdoar por eles, mas saiba: sempre preferiremos jóias, não morrem e nem nos engordam. Gostamos de um brilhinho, uma pedrinha faiscante, um fio bordado. Um tesouro. E porque não? Gostamos do tilintar de moedas. Você, não?
Afiamos as unhas que pintamos, como gatos afiam suas garras. Seguramos as direções de nossas vidas como se estivéssemos dirigindo caminhões, vagões ou pilotando aviões. Ou desviando de algum safado que venha querer ficar se esfregando dentro do ônibus. Usamos almofadas e ficamos na pontinha dos pés para alcançar os pedais. Há entre nós algumas que não sabem nem dar marcha-a-ré quando guiam, admitimos, que eu sei. Mas todas nós quando encontramos portas a serem fechadas, em geral até por estarmos quase sempre com as mãos ocupadas, damos aquele charmoso toquinho de bunda, com o quadril, que só nós sabemos dar.
E quando fechamos uma porta - dependendo da porta e o que estiver sendo trancado nela - é para sempre.
São Paulo, dias que todos descobrem e falam muito bem de mulheres, 2013
Marli Gonçalves é jornalista - - É assim tudo isso.
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