Terça-feira, 5 de março de 2013 - 07h44
O Concílio Vaticano II afirma enfaticamente: "O Espírito de Deus dirige o curso da história com providência admirável, renova a face da Terra e está presente na evolução” (Gaudium et Spes, 26/281). Ele está sempre em ação. Mas aparece mais intensamente quando ocorrem rupturas instauradoras do novo. Quatro rupturas, próximas a nós, merecem ser mencionadas: a realização do Concílio Ecumênico do Vaticano Ii (1962-1965); a Conferência Episcopal dos bispos latino-americanos em Medellín (1969); o surgimento da Igreja da libertação; e a Renovação Carismática Católica.
Pelo Vaticano II (1962-1965) a Igreja acertou seu passo com o mundo moderno e com suas liberdades. Especialmente estabeleceu um diálogo com a tecnociência, com o mundo do trabalho, com a secularização, com o ecumenismo, com as religiões e com os direitos humanos fundamentais. O Espírito rejuvenesceu com ar novo o crepuscular edifício da Igreja.
Em Medellín (1968) acertou o passo com o submundo da pobreza e da miséria que caracterizava e ainda caracteriza o continente latino-americano. Na força do Espírito, os pastores latino-americanos fizeram uma opção pelos pobres e contra a pobreza e decidiram implementar uma prática pastoral que fosse de libertação integral: libertação não apenas de nossos pecados pessoais e coletivos, mas libertação do pecado da opressão, do empobrecimento das massas, da discriminação dos povos originários, do desprezo pelos afrodescendentes e do pecado da dominação patriarcal dos homens sobre as mulheres desde o neolítico.
Desta prática nasceu a Igreja da libertação. Ela mostra seu rosto pela apropriação da leitura da Bíblia pelo povo, por um novo modo de ser Igreja mediante as comunidades eclesiais de base, as várias pastorais sociais (dos indígenas, dos afrodescendentes, da terra, da saúde, das crianças e outras) e de sua correspondente reflexão que é a teologia da libertação. Esta Igreja da libertação criou cristãos engajados politicamente do lado dos oprimidos e contra as ditaduras militares, sofrendo perseguições, prisões, torturas e assassinatos. Talvez é uma das poucas Igrejas que pode contar com tantos mártires como a Irmã Dorothy Stang e até bispos como Angelelli na Argentina e Oscar Arnulfo Romero em El Salvador.
A quarta irrupção foi o surgimento da Renovação Carismática Católica a partir de 1967 nos USA e na América Latina a partir dos anos 70 do século XX. Ela trouxe de volta a centralidade da oração, da espiritualidade, da vivência dos carismas do Espírito. Criaram-se comunidades de oração, de cultivo dos dons do Espírito Santo e de assistência aos pobres e doentes. Esta renovação ajudou a superar a rigidez da organização eclesial, a frieza das doutrinas e rompeu com o monopólio da palavra detida pelo clero, abrindo espaço para a expressão livre dos fiéis.
Estes quatro eventos só são bem avaliados teologicamente quando os colocarmos sob a ótica do Espírito Santo. Ele sempre irrompe na história e de forma inovadora na Igreja que então se faz geradora de esperança e de alegria de viver a fé.
Hoje vivemos talvez a maior crise da história da humanidade. Ela é a crise maior porque pode ser terminal. Com efeito, nos demos os instrumentos da autodestruição. Construímos uma máquina de morte que pode nos matar a todos e liquidar toda a nossa civilização, tão custosamente construída em milhares e milhares de anos de trabalho criativo. E junto conosco poderá perecer grande parte da biodiversidade. Se essa tragédia ocorrer, a Terra continuará sua trajetória, coberta de cadáveres, devastada e empobrecida, mas sem nós.
Por esta razão, dizemos que com nossa tecnologia de morte inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. Quer dizer, o ser humano está se mostrando como o grande meteoro rasante ameaçador da vida. Ele pode preferir a autodestruição de si mesmo e a danificação perversa da Terra viva, de Gaia, do que mudar de estilo de vida, de relação para com a natureza e com a Mãe Terra. Como outrora na Palestina, judeus preferiam Barrabás a Jesus. Os atuais inimigos da vida poderão preferir Herodes às crianças inocentes. Mostrar-se-ão de fato o Satã da Terra ao invés de serem o Anjo da Guarda da criação.
É nesse momento que invocamos, implorados e gritamos a oração litúrgica da festa de Pentecostes: "Veni, Sancte Spiritus, et emite coelitus, lucis tuae radium”: "vem Espírito Santo, envia do céu um raio de tua luz”.
Sem a volta do Espírito, corremos o risco de que a crise deixe de ser chance de acrisolamento e degenere numa tragédia sem retorno. Nas comunidades eclesiais se canta: "Vem, Espírito Santo e renova a face da Terra”.
[*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor].
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