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Desgovernados



Por Marli Gonçalves  

Eu gosto. Gostaria de poder escrever com mais frequência sobre coisas leves e divertidas, ligadas a comportamento, costumes, mas quem disse que dá? Não dá para escrever sobre flores. Sobre crianças, só se for para recomendar que tampem seus ouvidinhos e não aprendam nada com esses tipos que declaram as coisas nas nossas caras e a gente tem de enguli-las. Tipo fala que eu engulo.

Por onde eu começo? Pelo governador atarantado ou pelo ministro desmedido com cara de sério?

Você, claro, ouviu, viu, leu - foi notícia internacional, para nossa vergonha - que o ministro da Justiça do país chamado Brasil declarou, em alto e bom som, tipo declaração bombástica, que preferiria morrer a ficar preso em uma de nossas cadeias? Pois foi! Ele fez isso. Sendo que, primeiro, as cadeias - realmente péssimas, entupidas, horrorosas - estão sob sua alçada há pelo menos dois anos, e, depois, há dez anos estão nas mãos da sua turma, e ele esse tempo todo ali, firme, sem dar um pio sobre o assunto, que a cada dia só se agrava. Inclusive gerando a onda de violência a que estamos assistindo, e que agora se espalha de São Paulo para outros Estados e até acontecendo em pequenas cidades. O horror dos horrores, tocado por um poder paralelo. E de dentro dos presídios.

Portanto, se eu fosse ele, o ministro, o próprio, com tudo que ele já botou de dedo na cara de outras pessoas, tipo justiceiro padrão, destratou interrogados em CPIs, e pelo conjunto da obra, também não ia querer ir para o presídio, não. Os caras iam realizar a parte que diz que ele preferiria morrer.

Há muitos anos vem se formando nas barbas do governo federal - e há quem acuse até de um certo conluio partidário, mas isso eu não acredito - uma ideologia de justiça paralela, com uma constituição própria, leis duras e que se fazem ser cumpridas a ferro e fogo, organograma de trabalho e agilidade em comunicação. Os caras têm até um vocabulário próprio, com personalidade e sangue tão naturais que gera sem parar palavras e expressões que estão nos raps, nos hips e nos hops da música que já invade nossas casas. Ou alardeada por alto-falantes potentes dentro de carros que apavoram nas ruas das cidades, fazendo até tremer a janela. Uma das palavras mais temidas é o "Salve". E o "Salve geral".

"Salve" é a ordem. De todos os tipos. Inclusive para matar, como confessou um integrante essa semana. Simples assim: ele devia 10 mil reais. Trocou a dívida pelo cumprimento de um assassinato de policial. Ainda declarou que ligou antes para saber se servia se ele matasse um policial civil que achou, ou se tinha que ser militar. Salve geral é ordem para todos os comandados, e não dá para sobreviver dentro do presídio se não o for. Vira uma legião de anencéfalos, zumbis, sem o que ganhar. Sem o que perder mais.

Isso não lembra a vocês certos partidos e movimentos da Europa no século passado, que acabaram por dizimar muitos milhares? Não lembra certo bigodinho? Na imprensa já se fala abertamente no Exército do crime, embora ainda se refiram ao PCC, como aquela "organização criminosa que controla os presídios". Para não fazer marketing.

Aí, como íamos dizendo, com tudo isso, o ministro vai e dá o caldo da canja, tentando sensibilizar o povo em favor dos amigos coitadinhos, aqueles do Mensalão, que já deu o que tinha que dar.

Ah, se fôssemos um país organizado e com vergonha na cara! Ouvi por aí que caberia agora legalmente um monte de ações possíveis, começando uma por improbidade administrativa. Até os criminosos poderiam tentar alguma coisa alegando falta de direitos humanos - já que os mandam para lugares tão infernais assim, como reafirma e admite o ministro.

Mas até agora não ouvi nem vi nada, a não ser tiros, e aqui na esquina de casa. A oposição está dormindo profundamente no seu bercinho cheiroso e seguro. Mamãe só olha e faz cara feia.

Haha! Pensaram que eu esqueci do governador tucano e atarantado de São Paulo que em dois dias poderia vencer o prêmio "Sem Noção" do ano, ou dividi-lo com o ministro? Não! Esse merece o Oscar do desconsolo e falta do que dizer para justificar que o secretário da Segurança ainda esteja lá sentado na cadeira falando em es-tra-té-gi-as, como se a situação não estivesse pegando fogo agora, periclitante! Fora isso, para o governador, o número de mortes, de chacinados e policiais, está dentro do padrão porque somos, segundo ele, em São Paulo, maiores que a Argentina. (?). Os telefones celulares pelos quais são dadas as ordens de dentro das cadeias não podem ser bloqueados - não conseguem. (?). E, inclusive - juro que ele falou isso, pode procurar -, esses celulares são importantes porque servem às investigações, quando são grampeados. (?).

Quer dizer: eles até sabem os números, a quem pertencem, e solicitam - não é chique? - que sejam grampeados, para ouvirem a conversa. Cortar a conversa, a comunicação, o que seria correto, dizem que não dá. Vou contar: sabem que chega a 20 mil reais o preço de um celular que entra no pedaço, dependendo do "lugar" e "prestígio" dos meliantes? Quem será que leva? Por que será que não dá para bloquear?

Hein?Hein? Governo, para que governo? Se hay Gobierno, soy contra! Mas busquei umas frases definitivas. Olha só:

- "Para mim, governo ético não é não roubar e não deixar roubar, isso é obrigação, é ridículo. Para mim, governo ético é eficiente." (Geraldo Alckmin)

- "Se o governo vai bem, todos vão bem. Se vai mal, afundamos juntos." (Luiz Inácio Lula da Silva)

- "O governo da demagogia não passa disso: o governo do medo." (Ruy Barbosa)
 

São Paulo, cidade tensa, 2012

Marli Gonçalves é jornalista - Fora as bobagens do pessoal da economia do governo. Eles deviam ir fazer umas compras no mercado.


marli@brickmann.com.br 
marligo@uol.com.br

Publicados originalmente http://www.brickmann.com.br e no http://marligo.wordpress.com
 

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