Sábado, 19 de novembro de 2016 - 18h46
60 por cento dos jovens de periferia sem antecedentes criminais
Já sofreram violência policial
A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras
Nas universidades brasileiras
Apenas 2 por cento dos alunos são negros
A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente
Em São Paulo
Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente
Esta é uma música do Racionais MC ´s de 1996 que descrevem os problemas por eles vivenciados em razão da pobreza nas periferias paulistas, mas também os problemas vivenciados pelos negros naquele momento da história nacional.
Esta música começa apontando vários dados sociais que chamam a atenção, dados sobre a violência promovida em face dos negros em SP e sobre a dificuldade do acesso do negro à escolaridade e outros benefícios sociais descritos pelo Estado.
Isso nos leva a uma pergunta: ainda há que se ter um Dia de Consciência Negra no Brasil? Porque os números descritos na canção fazem parecer que é bastante salutar um dia para lembrar deste problema, mas tais números são de 1996 quando a música foi lançada.
Então, para fomentar o debate busquemos outros números mais atuais sobre a questão da igualdade social entre brancos e negros no Brasil, com o fito de perceber se ainda é necessário um dia para discutirmos os problemas ligados a negritude no Brasil.
Começando pela questão da representatividade política, na última eleição, menos de 1/3 dos candidatos aos cargos públicos eletivos naquele pleito eram negros, [1] sendo que a população brasileira é formada de quase metade de pessoas assim identificadas. Deste quantitativo de candidatos, foram eleitos 20% para estes cargos eletivos. [2]
Nas eleições anteriores no município do Rio de Janeiro, houve a candidatura de somente 37,8% de não-brancos, números gerais que incluíram todas as demais divisões raciais, e de 62,2% de brancos [3], sendo que deste quantitativo geral de candidatos somente 9,8% não-brancos foram eleitos, o que demonstra a baixa taxa de representatividade destes grupos.
Temos que perceber que até hoje em nossa história, temos somente um Presidente da República, o Presidente Nilo Procópio Peçanha, de origem negra. Ele era filho de pai negro e mãe branca e assumiu a presidência após a morte de Afonso Pena e ficou no cargo entre 1909 e 1910.
No STF, somente dois foram os ministros negros que ali chegaram, sendo o primeiro deles Hermenegildo de Barro, que saiu do cargo em 1931, e depois Joaquim Barbosa, que ocupou o cargo de 2003 a 2014, vindo a ocupar o cargo de Presidente daquela corte Suprema em 2012 até 2014.
Nos quartéis brasileiros ocorre o mesmo problema com relação a questão negra, já que vemos em toda a história do Exército brasileiro somente o registro de dois generais negros em sua história. [3] O mesmo número de ocupantes de brigadeiros na história da Aeronáutica brasileira. [4]
Isso demonstra uma grande preocupação na questão racial nos nossos dias. Sendo importante descrever outros fatores para demonstrar esta importância.
Em 2011, o dobro de registro de homicídios realizados foram contra os negros, enquanto somente 1/3 dos homicídios foram realizados em face de pessoas brancas. Deste grande número de mortos por homicídios, 52.198 de pessoas, 53,3% eram jovens, sendo que destes 71,4% era de negros e 93,03% do sexo masculino [5]. Os números não são diferentes nos anos de 2012 e 2013, o que demonstra que no Brasil existe 3,7 vezes mais risco de um adolescente negro ser vítima de homicídio do que um branco.
Já sobre o enfoque da renda, temos que a renda média familiar negra é 40% menor que a renda média das famílias brancas.
Existe uma longa distância social entre estas mesmas pessoas brasileiras, uma longa distância que somente a norma deve estabelecer meios para minorar tais dados.
Continuando com esta análise de dados, temos que a diferença de renda entre mulheres brancas e negras é de 56%; entre homens, a diferença chega a 85,3%, segundo pesquisa do IBGE na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2014. [6] Ou seja, há um fosso que separa o poder econômico dos negros do mesmo poder dos brancos. Portanto, perceptível é a diferença entre estas pessoas, ficando clara a forma discriminatória como o mercado de trabalho trata os negros.
Temos que perceber que há, então, um histórico de discriminação em relação aos negros promovida pelo Estado brasileiro, desde a libertação da escravidão até os dias de hoje. Tanto que o Estado brasileiro nada fez para garantir qualquer direito ou plenitude de acesso a direitos aos negros logo após a libertação da escravidão, não permitindo ou descrevendo qualquer meio de acesso a esta população à educação, à terra, ao trabalho, ao mercado de trabalho, entre outros. O negro foi deixado de lado, a margem da sociedade, o que acabou por ocasionar a formação das favelas e bairros periféricos, bem como uma série de bolsões de pobreza espalhados pelo país.
Outro dado, é que a plenitude do acesso à terra somente ocorreu com o Estatuto da Terra em 1964, mas que somente foi aplicado a contento nos novos polos de colonização do Estado brasileiro a partir dos anos 1970 nos estados federados de Mato Grosso, Rondônia, Pará, entre outros estados que precisavam de maior penetração social.
Assim, a Constituição Federal descreve em seu art. 1º como fundamento da República a dignidade da pessoa humana, ou seja, a República brasileira não pode promover qualquer ação ou política que importa em atentado contra a dignidade desta pessoa, embora vemos muitas vezes o próprio Estado promovendo ações contrárias a esta.
Já no artigo 3º da Constituição Federal ficam estabelecidos quais são os objetivos da nossa sociedade, sendo que ali ficou descrita a necessidade do Estado brasileiro promover o bem de todos, combatendo a discriminação de cor. Portanto, o Estado deve promover os atos necessários para combater este tipo de discriminação, já que não há como o estado ou a sociedade promover atos que importem em promoção ou realização de discriminação.
O artigo 5º deste mesmo texto da Magna Carta vai descrever o crime de racismo e a necessidade do seu combate, tanto que este texto considerou tal delito como inafiançável e imprescritível, descrevendo que este tipo de conduta é uma chaga para a nossa sociedade e merecendo ser combatido com rigor e firmeza para permitir a formação de uma sociedade mais justa e solidária.
Outras normas internacionais descrevem este tipo de atitude inclusiva entre todos os seres humanos, já podendo se perceber isso na Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos na França em 1789, quando se descreveu que:
“Art. 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.”
Já a Declaração Universal dos Direito Humanos, descrita pela ONU em 1948 pela Resolução de nº 217 da Assembleia Geral daquele organismo, asseverou que
“Art. 1º. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
Portanto, é descrita a existência da igualdade entre todos os seres humanos, tanto em nossas normas como em tratados e convenções internacionais existentes.
Há, então que se estabelecer mecanismos e ações públicas afirmativas para impingir na sociedade a mudança nestes dados e aspectos que tanto diferenciam brancos e negros neste país. Somente com ações estatais que importem na tomada de consciência deste problema e na promoção de atos que levem a diminuição desta diferença, é que poderemos ter a implementação da igualdade, da dignidade e dos mesmos direitos entre brancos e negros.
Somente com ações afirmativas que importem na promoção de maiores oportunidades para a população negra é que garantiremos a totalidade de oportunidades de direitos dados a todos os brasileiros, não só aos brancos.
SARMENTO descreve as ações afirmativas como sendo
“(...) medidas públicas ou privadas, de caráter coercitivo ou não, que visam promover a igualdade substancial, através da discriminação positiva de pessoas integrantes de grupos que estejam em situação desfavorável, e que sejam vítimas de discriminação e estigma social. Elas podem ter focos muito diversificados, como mulheres, os portadores de deficiência, os indígenas ou os afrodescendentes, e incidir nos campos mais variados, como educação superior, acesso a empregos privados ou a cargos públicos, reforço à representação política ou preferências na celebração de contratos.”
Para a implementação da igualdade plena descrita em nossa Constituição Federal para todos os brasileiros e nas normas internacionais descritas acimas, o Estado brasileiro há que promover estas ações afirmativas e promover a realização de atos de tomada da consciência negra em nossa população, a fim de impedir estas distinções já demonstrada por uma série de dados.
Seu Jorge, numa de suas obras musicais, acaba por descreve que “a carne mais barata no mercado é a carne negra”. Para que isso não continue a ocorrer, que o negro não continue a ser tratado como uma pessoa com menores condições sociais, há que se promover ações afirmativas pelo Estado brasileiro como forma de minimizar o fosso demonstrado dentro de nossa sociedade, mas há que se promover também a tomada de consciência da população deste problema.
Portanto, é sim muito importante e necessário nos dias de hoje um Dia de Consciência Negra, como o dia de hoje, um dia para a valorização do negro.
Referências:
[1] http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/8-dados-que-mostram-o-abismo-social-entre-negros-e-brancos
[3] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/95653.html
[4] http://www.afropress.com/post.asp?id=15160
[5] http://www.mpma.mp.br/arquivos/CAOPCEAP/REL_FINAL_CPI_IPL__HOMICIDIOS_JOVENS_NEGROS_POBRES.pdf
[7] SARMENTO, Daniel. A igualdade ético-racial no direito constitucional brasileiro: discriminação de fato, teoria do impacto desproporcional e ação afirmativa. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras Complementares de Constitucional: direitos fundamentais. 2. ed. Salvador: Juspodivm, p. 187-215, 2007.
Sobre o Autor:
Advogado Doutorando em Direito na UNESA/RJ, professor Universitário em Porto Velho/RO, formado pela UFGO, com pós-graduação em Direito Penal e P. Penal pela Ulbra/RS, em Direito Processual Civil pela FARO/RO, Mestrado em Direito Internacional pela UAA/PY e em História pela PUC/RS. Professor de Direito Internacional Público e Privado e de Hermenêutica Jurídica da FARO/RO e da FCR/RO. Ex-secretário Geral Adjunto da OAB/RO. Membro do IDPR.
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