Sábado, 16 de dezembro de 2017 - 12h04
A neutralidade de rede é um princípio elaborado por pesquisadores posteriormente incorporado nas discussões sobre governança da internet no mundo e transformado em legislação em diversos países. Boa parte da Europa e quase toda a América do Sul contam com regras neste sentido. México e Canadá, na América do Norte, e Índia e Japão, na Ásia, são outros exemplos.
Segundo a Coalizão Global pela Neutralidade de Rede, que reúne especialistas e ativistas de dezenas de países, neutralidade de rede é “o princípio segundo o qual o tráfego da internet deve ser tratado igualmente, sem discriminação, restrição ou interferência independentemente do emissor, recipiente, tipo ou conteúdo, de forma que a liberdade dos usuários de internet não seja restringida pelo favorecimento ou desfavorecimento de transmissões do tráfego da internet associado a conteúdos, serviços, aplicações ou dispositivos particulares”.
Em outras palavras, uma operadora de telefonia que também controla banda larga não pode deixar lenta ou ruim a conexão de um usuário que utilize a rede para se conectar a um serviço online de chamadas, como o Skype.
Ou seja, independentemente de o usuário usar a rede para enviar um e-mail, carregar um vídeo ou acessar um site, não pode haver privilégio ou prejuízo a nenhuma dessas informações, ou “pacotes de dados” específicos. Por essa regra, as detentoras das redes também não podem celebrar acordos comerciais com sites, aplicativos ou plataformas para que seus conteúdos sejam privilegiados e cheguem mais rapidamente a seus clientes.
A regra sobre neutralidade revogada nos Estados Unidos na última quinta-feira (14) detalhava, por exemplo, que as operadoras não podiam bloquear sites, degradar tráfego (dificultar ou facilitar o acesso a determinadas informações) ou fazer “priorização paga” (garantir que um site seja carregado mais rapidamente se pagar à operadora para isso).
Princípio previsto em lei
No Brasil, a neutralidade de rede é assegurada na lei que ficou conhecida como Marco Civil da Internet (nº 12.965, de 2014). O Artigo 3º lista a neutralidade como um dos princípios da lei. O Artigo 9º estabelece que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”.
O mesmo artigo, contudo, prevê a possibilidade de discriminação de tráfego mas somente se ela for um “requisito indispensável à prestação do serviço” ou em caso de “priorização de serviço de emergência”. Nessas situações, a operadora que realizar esse tratamento diferenciado fica obrigada a “abster-se de causar danos aos usuários”, “agir com proporcionalidade, transparência e autonomia”, “informar previamente os usuários sobre as práticas de gestão de tráfego” e “abster-se de condutas anticoncorrenciais”.
As exceções em que esse tipo de gestão pode ocorrer estão detalhadas no Decreto nº 8.771, de 2016. No caso dos requisitos técnicos, eles são permitidos no tratamento de questões de segurança da rede (tais como bloqueio de spams) e quando houver um congestionamento da rede e for necessário buscar caminhos alternativos em caso de interrupção das rotas oficiais.
Quando alguma dessas hipóteses ocorrer, a operadora deve “adotar medidas de transparência para explicitar ao usuário os motivos do gerenciamento”. Entre elas estão a indicação dessas possibilidades nos contratos celebrados com os usuários finais e a divulgação dessas práticas nos sites das empresas em linguagem de fácil compreensão. As informações devem explicar as medidas, os motivos que levaram a elas e os impactos concretos na experiência do usuário.
Já na possibilidade relacionada a serviços de emergência, a interferência no tráfego pode ocorrer na comunicação entre agentes responsáveis por esses (polícia e Corpo de Bombeiros, por exemplo) e em “comunicações necessárias para informar a população em situações de risco de desastre, de emergência ou de estado de calamidade pública”.
O mesmo decreto veda acordos das operadoras com terceiros que “comprometam o caráter público e irrestrito do acesso à internet e os fundamentos, os princípios e os objetivos do uso da internet no país”, “priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais” e “privilegiem aplicações ofertadas pelo próprio responsável pela transmissão”.
Planos de tarifa zero
Uma das grandes polêmicas envolvendo a neutralidade de rede no Brasil está relacionada aos planos de tarifa zero oferecidos por operadoras de telecomunicações, como aplicativos (Facebook ou WhatsApp, por exemplo), cujo uso não é descontado das franquias contratadas.
Algumas organizações de defesa de direitos de usuários da rede argumentam que essa prática fere o Marco Civil da Internet uma vez que privilegia determinados conteúdos em detrimento de outros. Isso porque, embora pareça um aparente benefício ao usuário, que pode acessar esses aplicativos sem consumir os dados a que tem direito, tal prática cria uma discriminação positiva em favor de alguns serviços e cria um desequilíbrio no mercado da internet, dificultando que aplicativos sem poder econômico para celebrar acordos possam se estabelecer e ganhar usuários.
Já empresários do setor argumentam que esses planos não violam a neutralidade de rede. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em decisão proferida em setembro deste ano, arquivou um inquérito elaborado a partir de denúncia do Ministério Público Federal contra a Vivo, Tim, Claro e Oi questionando esses chamados “serviços gratuitos”. O Cade seguiu entendimento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de que as regras previstas no Marco Civil da Internet e na sua regulamentação dizem respeito apenas à gestão técnica do tráfego, e não a práticas comerciais.
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