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Estado de Exceção ou Terrorismo de Estado


            Sou absolutamente contra os atos de terrorismo; são a mais pura covardia. Mas, devem ser entendidos nesta categoria tanto o terrorismo individual – como o que resultou na queda das Torres Gêmeas, em 11/09/01 – quanto o Terrorismo de Estado perpetrado pelos EUA.

            O que é Terrorismo de Estado?

            Quando um Estado nega sistematicamente os direitos fundamentais de um povo que quer conquistar ou quando viola – também em técnicas de poder sistemática – os direitos de seu próprio povo, então, este Estado age conforme o Terrorismo de Estado. Historicamente, países que atravessaram guerras civis ou períodos revolucionários também utilizaram-se do Terrorismo de Estado para eliminar seus adversários, formando ou contratando forças paramilitares que agiam fora dos domínios legais. Em torno da preservação do Poder Político, por exemplo, a dinastia Romanov fez uso largo do Terrorismo de Estado contra os revolucionários. Depois que os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, o mesmo recurso foi empregado na caçada aos grupos contra-revolucionários ou inimigos dos revolucionários que tomaram o Poder Político.

“O governo americano afirmou que planeja interrogar Tsarnaev antes de informar ao detido seus direitos constitucionais. Normalmente, os policiais anunciam ao detido que ele tem o direito de permanecer em silêncio e à presença de um advogado, entre outras coisas. Autoridades do Departamento de Justiça americano alegam que querem "conseguir informações secretas críticas" e interrogar Tsarnaev de forma "abrangente" antes de aconselhar o detido sobre seus direitos. O procedimento que prevê informar pessoas em custódia policial nos Estados Unidos sobre seus direitos foi instituído depois de uma decisão de 1966 da Suprema Corte do país, que visa evitar que suspeitos se incriminem involuntariamente. As declarações feitas por um detido em custódia só podem ser usadas pelos promotores durante o julgamento se os policiais que detiveram o suspeito tiverem esclarecido estes direitos ao suspeito. Policiais não leram os direitos de Dzhokhar Tsarnaev no momento de sua captura. Mas, neste caso, as autoridades do Departamento de Justiça disseram que planejam se basear em uma decisão da Suprema Corte de 1984, que criou uma exceção e permite que promotores usem declarações feitas por um detido antes de informá-lo sobre seus direitos em um contexto que envolva uma ameaça imediata ao público, como uma bomba, por exemplo. Recentemente um juiz federal manteve o direito do governo de usar estas declarações no caso de Umar Farouk Adbulmutallab, um nigeriano setenciado à prisão perpétua por tentar explodir um avião que ia para Detroit no dia 25 de dezembro de 2009. Grupos que defendem os direitos dos cidadãos dizem temer o uso dessa abordagem exceptional em nome da "segurança pública". Para o diretor-executivo da organização União das Liberdades Civis Americanas, Anthony Romero, todo detido tem o direito de ter seus direitos lidos. "A exceção pela segurança pública deve ser interpretada de forma limitada. Se aplica apenas quando há uma ameaça contínua à segurança pública", afirmou Romero. "A negação (da leitura) dos direitos é antiamericana e apenas torna mais difícil obter condenações justas", disse. Vários senadores republicanos, entre eles John McCain, Lindsey Graham e Kelly Ayotte, pediram que o governo detenha Tsarnaev, que é um cidadão americano naturalizado, como um "combatente inimigo". Isto daria a ele o mesmo status dos presos em Guantánamo. Mas o senador democrata Carl Levin, presidente do Comitê do Senado de Serviços Armados, afirmou que não há "base legal" para isto, pois Tsarnaev não faz parte nenhum grupo organizado. "Manter o suspeito como um combatente inimigo sob estas circunstâncias vai contra nossas leis e pode até ameaçar nossos esforços de processá-lo por seus crimes", afirmou. A Suprema Corte dos Estados Uidos nunca definiu se cidadãos americanos ou estrangeiros detidos em solo americano podem ter presos e julgados por autoridades militares. Durante o governo de George W. Bush, o cidadão americano José Padilla foi preso como um combatente inimigo por mais de três anos. Ele foi transferido para custódia civil em 2005 depois que seus advogados pediram à Suprema Corte para considerar a questão. Nesta segunda-feira, Tsarnaev foi indiciado com base na mais grave acusação criminal possível em nível federal neste caso, que é a de uso de arma de destruição em massa resultando em morte, que poderia levar a uma sentença de morte[1]”.

 

Qual a diferença para o nazismo?

            Juridicamente, não há diferença alguma. Muitos poderão alegar as finalidades de um Estado e de outro. E isto será puramente subjetivo e ideológico, pois os alemães nazistas também procuravam se furtar à alegação de que cometiam crimes contra a Humanidade dizendo que combatiam um inimigo de Estado (um “combatente inimigo”) que se valia do controle das finanças para arruinar a soberania do Reich. O combatente inimigo era o judeu. Além de ordenar um combate ferrenho a todos os opositores políticos, especialmente os comunistas, Hitler ordenara a sacralização de um poder espiritual. Com isto, Hitler procurava manusear seu Estado de Exceção como recurso crítico ao que chamava de legalismo alemão. Portanto, manipulava as leis existentes e propunha outras muito mais autoritárias (Lei de Plenos Poderes[2]) — nisto estava o núcleo quente de sua “revolução legal”:

Num jogo elaborado com as tropas auxiliares, associava sem cessar processos de agitação revolucionária com sanções jurídicas[3], de modo que uma fachada legal muitas vezes pouco cuidada, num caso isolado, impedia de se perceber a ilegalidade do regime. Na mesma linha de ação, as velhas aparências institucionais à sombra das quais podia ser processada uma alteração profunda da situação permaneciam de pé até que o julgamento dos contemporâneos sobre a retidão ou a ilegalidade do regime se visse sujeito a uma confusão de espírito sem saída, exatamente como sua lealdade ou sua resistência: a noção paradoxal da revolução legal era “algo mais do que um simples truque de propaganda”, e não se saberia aquilatar bem a sua importância no êxito em que resultou o processo da tomada do poder (Fest, 1976, p. 460).

 

            A revolução legal, evidentemente, sairia fortalecida se recebesse a edição suplementar de medidas ou decretos autoritários. Além desse suporte legal (ilegítimo) o uso/abuso da violência seria corriqueiro, já em 1933. No Estado de Exceção, o poder se expõe por meio da força bruta, pois em certos casos o poder jurídico é mediador, moderado demais e só interessa a priori, podendo ser revisto. Uma das declarações de Göring[4]é reveladora: “As medidas que eu tomo”, assegurou Göring em uma de suas profissões de fé de violência, de tons exaltados, “não serão refreadas por qualquer escrúpulo jurídico. Eu não tenho que exercer justiça aqui. Eu não tenho senão que subjugar e destruir, nada mais” (Fest, 1976, p. 462). A isto se somava claro terrorismo de Estado, combinando-se a repressão policialesca e a fabricação de alegações criminosas do que os comunistas poderiam fazer. Tal qual Hitler, o Estado de Exceção nazista adotaria o discurso salvacionista; homens e poder eram um só corpo:

E, travestido de Nosso Senhor, olhar ardente, ele se dizia, ao final do discurso, firmemente convencido de “que soaria a hora em que os milhões de seres que hoje nos detestam cerrarão fileiras atrás de nós e saudarão conosco o novo Reich alemão, criação comum e fruto de imensa luta, o Reich da grandeza e da honra, da força, da magnificência e da justiça. Amém!” Novamente todos os recursos técnicos eram postos em ação, com o prestígio e a proteção do Estado (Fest, 1976, p. 465).

 

            Com este mesmo ímpeto, em reunião com industriais e banqueiros, à cata de recursos para a campanha, Hitler atacou duramente a Constituição e a democracia: “Hitler salientou de novo em seu discurso a oposição entre a ideologia autoritária do industrial[5]e a constituição democrática que ele atacava duramente como sendo a organização política da fraqueza e da decadência; elogiou o Estado ideológico organizado com rigidez como a única alternativa favorável em face da ameaça comunista, e louvou a retidão das grandes personalidades” (Fest, 1976, p. 465). Portanto, nisto já se via o embrião da solução final, como radicalização da acumulação primitiva e da luta de classes.            Sua “revolução legal” se celebraria com a provocação aos comunistas e para que em seguida pudesse promover o golpe de Estado em nome da ordem.

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            No caso estadunidense, além de legalizar a tortura em Guantânamo – sob o eufemismo de se utilizar de “técnicas de investigação” – como vimos na descrição do interrogatório do terrorista checheno, trata-se de negar claramente as conquistas dos direitos civis. Antes de permitir o interrogatório ao arrepio do Estado de Direito, Obama já havia assinado o Decreto de Autorização da Defesa Nacional, criando assim mais um capítulo do Estado Policial nos EUA. A citação é longa, mas em si é explicativa:

Com um debate mínimo na mídia, num momento em que os norte-americanos comemoravam o Ano Novo com os seus mais próximos, o “Decreto de Autorização de Defesa Nacional” HR 1540 (DADN) foi assinado pelo presidente Barack Obama e passou a letra da lei [...] Ele justifica a assinatura do Decreto como um meio de combate ao terrorismo, como parte de uma agenda de combate ao terrorismo. Mas, em termos práticos, qualquer norte-americano que se oponha às políticas do Governo dos EUA pode, de acordo com as disposições do Decreto, ser rotulado de “presumível terrorista” e ficar sob detenção militar [...] O Decreto HR 1540 revoga a Constituição dos EUA [...] A busca da hegemonia militar mundial exige também a “militarização da Pátria”, ou seja, o fim da República norte-americana [...] O Decreto autoriza a detenção militar arbitrária e indefinida de cidadãos norte-americanos [...] Se o quisermos colocar num contexto histórico comparativo, as disposições relevantes do Decreto HR 1540 são, em muitos aspectos, comparáveis aos que constam do “Decreto do Presidente do Reich para a Proteção de Pessoas e do Estado”, vulgarmente conhecido como o “Decreto do Incêndio do Reichstag” (Reichstagsbrandverordnung), promulgado na Alemanha sob a República de Weimar, a 27 de Fevereiro de 1933, pelo presidente (Marechal de Campo) Paul von Hindenburg [...] foi usado para revogar liberdades civis, incluindo o direito de Habeas Corpus [...] “Assim, as restrições à liberdade pessoal, ao direito à livre expressão de opinião, incluindo a liberdade de imprensa, ao direito de associação e reunião, as violações de privacidade das comunicações postais, telegráficas e telefónicas, os mandados de revista domiciliária, as ordens de confisco, bem como as restrições aos direitos de propriedade, são permitidos para além dos limites legais prescritos.” (Art. 1) [...] O decreto do Incêndio do Reichstag foi seguido, em Março de 1933, pela “Lei de Concessão de Plenos Poderes” (Ermächtigungsgesetz) que permitiu (ou concedeu) ao governo nazi do Chanceler Adolf Hitler invocar poderes de facto ditatoriais [...] A assinatura do Decreto HR 1540 e a sua passagem a letra de lei equivale a militarizar a aplicação da lei, a revogação do Decreto Posse Comitatus e a inauguração, em 2012, do Estado Policial nos EUA[6].

 

A LEI DO POSSE COMITATUS (o poder de polí­cia do município ou do condado) limitou o uso das Forças Armadas para impor a lei civil. Esta “nova” legislação estadunidense revoga o princípio do controle civil das forças armadas que se vinha mantendo desde 1848 no EUA.

Em nome da segurança, o Estado abdica das conquistas da civilização. Qual crime é mais grave?

           

Bibliografia

FEST, Joachim. Hitler. 4ª ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1976.

 Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor pela UNESP/SP

Doutor pela Universidade de São Paulo

 


[2]Nada pode ser mais sintomático do que o Estado de Exceção que se fortalece com uma Lei de Plenos  Poderes. Aliás, chega a ser redundante.

[3]O mesmo recurso tentara Luís Bonaparte, como vemos na crítica de Marx, no 18 Brumário.

[4]Comandante-em-Chefe da Luftwaffe, Presidente do Reichstag (Parlamento Alemão), Primeiro Ministro do Estado da Prússia e, como sucessor direto de Hitler, o segundo homem na hierarquia do III Reich, Hermann Wilhelm Göring nasceu em Roseheim, Bavária, em 12 de janeiro de 1893, filho de um Juiz que havia atuado nos governos das colônias alemãs na África (http://www.luftwaffe39-45.historia.nom.br/goring.htm).

[5]E isto não é a luta de classes?

[6]Montreal, Canadá, 1 de Janeiro de 2012. Publicado em Global Research, 1 de Janeiro de 2012. Tradução: André Rodrigues P. Silva. Postado: http://www.odiario.info/?p=2341.

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