Domingo, 8 de março de 2015 - 07h41
Eu acuso
Igor Pantuzza Wildmann*, *Advogado Doutor em Direito. Professor universitário.*
Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice.
(Émile Zola)
Meu dever é falar, não quero ser cúmplice. (…)
(Émile Zola)
Foi uma tragédia fartamente anunciada. Em milhares de casos, desrespeito. Em outros tantos, escárnio. Em Belo Horizonte, um estudante processa a escola e o professor que lhe deu notas baixas, alegando que teve danos morais ao ter que virar noites estudando para a prova subsequente. (Notem bem: o alegado dano moral do estudante foi ter que… estudar!). A coisa não fica apenas por aí. Pelo Brasil afora, ameaças constantes. Ainda neste ano, uma professora brutalmente espancada por um aluno. O ápice desta escalada macabra não poderia ser outro.
O professor Kássio Vinícius Castro Gome pagou com sua vida, com seu futuro, com o futuro de sua esposa e filhas, com as lágrimas eternas de sua mãe, pela irresponsabilidade que há muito vem tomando conta dos ambientes escolares. Há uma lógica perversa por trás dessa asquerosa escalada. A promoção do desrespeito aos valores, ao bom senso, às regras de bem viver e à autoridade foi elevada a método de ensino e imperativo de convivência supostamente democrática. No início, foi o maio de 68, em Paris: gritava-se nas ruas que era proibido proibir. Depois, a geração do não bate, que traumatiza. A coisa continuou: Não reprove, que atrapalha. Não dê provas difíceis, pois temos que respeitar o perfil dos nossos alunos.
Aliás, prova não prova nada. Deixe o aluno construir seu conhecimento. Não vamos avaliar o aluno. Pensando bem, é o aluno que vai avaliar o professor. Afinal de contas, ele está pagando…. E como a estupidez humana não tem limite, a avacalhação geral epidêmica, travestida de novo paradigma (Irc!), prosseguiu a todo vapor, em vários setores: o bandido é vítima da sociedade, temos que mudar tudo isso que está aí; mais importante que ter conhecimento é ser crítico.
Claro que a intelectualidade rasa de pedagogos de panfleto e burocratas carreiristas ganhou um imenso impulso com a mercantilização desabrida do ensino: agora, o discurso anti-disciplina é anabolizado pela lógica doentia e desonesta da paparicação ao aluno-cliente… Estamos criando gerações em que uma parcela considerável de nossos cidadãos é composta de adultos mimados, despreparados para os problemas, decepções e desafios da vida, incapazes de lidar com conflitos e, pior, dotados de uma delirante certeza de que o mundo lhes deve algo.. Um desses jovens, revoltado com suas notas baixas, cravou uma faca com dezoito centímetros de lâmina, bem no coração de um professor.
Tirou-lhe tudo o que tinha e tudo o que poderia vir a ter, sentir, amar.
A infantilização eterna cria a seguinte e horrenda lógica, hoje na cabeça de muitas crianças em corpo de adulto: Se eu tiro nota baixa, a culpa é do professor. Se não tenho dinheiro, a culpa é do patrão. Se me drogo, a culpa é dos meus pais. Se furto, roubo, mato, a culpa é do sistema. Eu, sou apenas uma vítima. Uma eterna vítima. O opressor é você, que trabalha, paga suas contas em dia e vive sua vida. Minhas coisas não saíram como eu queria. Estou com muita raiva. Quando eu era criança, eu batia os pés no chão. Mas agora, fisicamente, eu cresci. Portanto, você pode ser o próximo.
Qualquer um de nós pode ser o próximo, por qualquer motivo. Em qualquer lugar, dentro ou fora das escolas. A facada ignóbil no professor Kássio dói no peito de todos nós. Que a sua morte não seja em vão. É hora de repensarmos a educação brasileira e abrirmos mão dos modismos e invencionices. A melhor nova cultura de paz que podemos adotar nas escolas e universidades é fazermos as pazes com os bons e velhos conceitos de seriedade, responsabilidade, disciplina e estudo de verdade.
Mas, com a licença devida ao célebre texto de Emile Zola, EU ACUSO tantos outros que estão por trás do cabo da faca:
*EU ACUSO* a pedagogia ideologizada, que pretende relativizar tudo e todos, equiparando certo ao errado e vice-versa;
*EU ACUSO* os pseudo-intelectuais de panfleto, que romantizam a revolta dos oprimidos e justificam a violência por parte daqueles que se sentem vítimas;
*EU ACUSO* os burocratas da educação e suas cartilhas do politicamente correto, que impedem a escola de constar faltas graves no histórico escolar, mesmo de alunos criminosos, deixando-os livres para tumultuar e cometer crimes em outras escolas;
*EU ACUSO* a hipocrisia de exigir professores com mestrado e doutorado, muitos dos quais, no dia a dia, serão pressionados a dar provas bem tranqüilas, provas de mentirinha, para adequar a avaliação ao perfil dos alunos;
*EU ACUSO* os últimos tantos Ministros da Educação, que em nome de estatísticas hipócritas e interesses privados, permitiram a proliferação de cursos superiores completamente sem condições, freqüentados por alunos igualmente sem condições de ali estar;
*EU ACUSO* a mercantilização cretina do ensino, a venda de diplomas e títulos sem o mínimo de interesse e de responsabilidade com o conteúdo e formação dos alunos, bem como de suas futuras missões na sociedade;
*EU ACUSO* a lógica doentia e hipócrita do aluno-cliente, cada vez menos exigido e cada vez mais paparicado e enganado, o qual finge que não sabe que, para a escola que lhe paparica, seu boleto hoje vale muito mais do que seu sucesso e sua felicidade amanhã;
*EU ACUSO* a hipocrisia das escolas que jamais reprovam seus alunos, as quais formam analfabetos funcionais só para maquiar estatísticas do IDH e dizer ao mundo que o número de alunos com segundo grau completo cresceu tantos por cento;
*EU ACUSO* os que aplaudem tais escolas e ainda trabalham pela massificação do ensino superior, sem entender que o aluno que ali chega deve ter o mínimo de preparo civilizacional, intelectual e moral, pois estamos chegando ao tempo no qual o aluno terá direito de se tornar médico ou advogado sem sequer saber escrever, tudo para o desespero de seus futuros clientes-cobaia;
*EU ACUSO* os que agora falam em promover um novo paradigma, uma nova cultura de paz, pois o que se deve promover é a boa e VELHA cultura da vergonha na cara, do respeito às normas, à autoridade e do respeito ao ambiente universitário como um ambiente de busca do conhecimento;
*EU ACUSO* os cabeçasboas que acham e ensinam que disciplina é careta, que respeito às normas é coisa de velho decrépito,
*EU ACUSO* os métodos de avaliação de professores, que se tornaram templos de vendilhões, nos quais votos são comprados e vendidos em troca de piadinhas, sorrisos e notas fáceis;
*EU ACUSO* os alunos que protestam contra a impunidade dos políticos, mas gabam-se de colar nas provas, assim como ACUSO os professores que, vendo tais alunos colarem, não têm coragem de aplicar a devida punição.
*EU VEEMENTEMENTE ACUSO* os diretores e coordenadores que impedem os professores de punir os alunos que colam, ou pretendem que os professores sejam promoters de seus cursos;
*EU ACUSO* os diretores e coordenadores que toleram condutas desrespeitosas de alunos contra professores e funcionários, pois sua omissão quanto aos pequenos incidentes é diretamente responsável pela ocorrência dos incidentes maiores;
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