Quinta-feira, 29 de janeiro de 2015 - 19h48
Luiz Albuquerque
O dia amanhecia e ele mal pregara o olho. Olhou para a esposa, que dormia profundamente, e notou alguns fios de cabelos brancos já surgiam e que rugas começavam a ser vista em seu belo rosto. Foi ao banheiro e se olhou no espelho. Era incrível, se via como quando tinha uns quarenta anos, embora já estivesse com sessenta e dois.
Por muito tempo ele não havia se dado conta de que, no mesmo ritmo que havia envelhecido depois dos trinta e cinco anos, nos últimos anos estava rejuvenescendo. E não só a aparência estava melhorando; sua resistência física voltara a ser como antigamente. A força, a disposição, todo o organismo reagia positivamente. A energia, perdida com o passar da idade, estava se recuperando. Era o sonho de qualquer pessoa. Seus amigos já comentavam sobre a melhoria de sua aparência, alguns até apostavam que ele fazia tratamento ou cirurgias para rejuvenescer. Mas ele não fazia nada daquilo – ainda que sua condição financeira permitisse tais luxos. Mas não! Sua aparência e forma física simplesmente melhoravam com o passar dos meses e anos sem nenhum motivo especial.
Ainda se olhava ao espelho quando a esposa, escorada à porta, comentou numa pergunta: “E então? Fazendo sua sessão Narcisista?”. Ele, sorrindo, respondeu: “Que nada! - respondeu, sorrindo – estou reparando em algumas rugas...”. E ela “... Que estão é sumindo!”
Assim acontecia. Já não dava para esconder. Sentia-se incomodado, ainda que às vezes gostasse do fato.
Seu médico convocou alguns colegas, que formaram uma junta e fizeram variados testes e complexos exames, mas nada foi achado de anormal. Ele, simplesmente, era uma pessoa de sessenta anos com excelente saúde e de aparência bem mais jovem. O seu filho primogênito, que, aos 37 anos, mais parecia seu irmão, era cumprimentado antes do pai, por visitantes desavisados, como se fosse o patriarca da família e presidente da empresa, o que causava situações embaraçosas.
Ele nunca havia sido um marido totalmente fiel, mas, em qualquer de seus relacionamentos extra-conjugais, sempre mantinha extrema discrição. Assim, a esposa nunca havia sabido e, possivelmente, nem desconfiado de nada. Nestes últimos tempos, porém, seus relacionamentos fora do casamento haviam crescido sensivelmente, pois sua disposição havia se re-estabelecido, enquanto sua esposa mantinha o desejo bem menos aceso – fato normal para quem tem mais de seis décadas de vida.
Passados mais alguns anos e ele comparou sua aparência com uma foto de quando tinha 30 anos. Incrível! Estava do mesmo jeito. Por aquela época seu filho, beirando já os 50 anos, mais parecia ser seu pai. Seu neto mais velho, que até há pouco tempo divertia-se por ter um avô tão novo, já lhe pedira que não o chamasse de neto. Algum tempo depois seu filho veio a falecer de parada cardíaca. Foi um violento choque. Durante muitos meses se culpou, achando que era ele quem deveria ter morrido. Sofreu muito, até que um psiquiatra o convenceu que não lhe cabia culpa. O fato de seu rejuvenescimento era um verdadeiro milagre, que a ciência não sabia explicar, mas em nada havia contribuído para a morte do filho.
Tudo voltara ao normal, se é que se pode chamar de normal um homem, com 75 anos, aparentar 25, mais parecendo um irmão do próprio neto. Foi então que sua esposa faleceu. O choque foi grande. Só então ele se deu conta de que, nos últimos anos, mesmo rejuvenescendo, tinha na esposa um ponto de apoio, uma referência, o que fazia com que as amizades se mantivessem, independente do que acontecia. Com a morte da esposa viu que os amigos de anos estavam muito diferentes dele, tanto fisicamente como mentalmente. E assim, aos poucos foi perdendo o vínculo com esses amigos. Se, por um lado não havia como manter aqueles relacionamentos, por outro lado não conseguia estabelecer amizades novas e firmes com pessoas de menos idade, pois suas experiências e conhecimentos estavam além deles. A coisa ficou confusa.
Por volta dos 80 anos, parecendo ter vinte, confirmou algo que há tempos desconfiava: O retrocesso em sua aparência e forma física começou ao completar 50 anos de idade. Assim sendo, e seguindo aquela tendência, poderia prever o dia em que iria morrer. Isso criou nele uma fixação, um tema único. Entrou em crise, desesperou-se. Buscou auxílio profissional. Durante anos passou pelas mãos de muitos profissionais das mais variadas áreas médicas. Os médicos, confusos, quiseram extrair parte de seus órgãos para exames. Ele não concordou. Seus netos já eram os administradores das empresas; bisnetos não o conheciam já que o que lhe acontecia não era contado às crianças. Em pouco tempo parecia um adolescente de 14 anos. perturbado, foi isolado do mundo e mantido acompanhado de profissionais que cuidavam dele 24 horas por dia. E assim os anos se passaram.
Até o dia que seu único filho ainda vivo, ao lado de seu berço, desejava-lhe Feliz Aniversário. Ele parou viver, de respirar. Tinha 47 centímetros, pesava três quilos e oitocentos gramas. Morreu exatamente no dia em que completaria 100 anos. Aliás, na mesma hora, minuto e segundo.
Luiz Albuquerque (Manaus/AM), EM Porto Velho desde 1979. É consultor comercial, escritor e editou o projeto “Leitura no Ônibus”
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