Sexta-feira, 6 de outubro de 2017 - 20h39
Walter Gustavo Lemos
Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO
A certo tempo atrás escrevi um artigo versando sobre a questão do stalking, quando me perguntaram sobre a diferença entre os institutos do stalking, bullying e do hate speech. Todos são termos em inglês bastante difundidos - tanto que o último possui também descrição em português, o discurso de ódio -, mas que acabam gerando confusão, quer em razão da língua em que são descritos, quer em razão dos atos que os causam, que podem ser próximos uns dos outros.
Assim, necessária é a conceituação de cada um destes institutos, definindo as ações para as suas configurações, para que, então, possamos realizar a devida distinção entre estes, a partir dos elementos intrínsecos que cada um possui, bem como as consequências que estes podem causar.
O hate speech, descrito em português como discurso de ódio, é a propagação de ideias que objetiva promover o ódio, incitar a violência, a discriminação ou a intimidação de uma pessoa ou grupo de pessoas.
No artigo denominado Liberdade de expressão não é liberdade de discurso de ódio, vinculado em uma série de sites do estado em julho de 2016, descrevi o hate speech como “a expressão de ideias, gestos ou condutas, de forma escrita ou representada, que importe em incitar violência ou ação discriminatória contra um grupo de pessoas ou porque ela ofende ou intimida um grupo de cidadãos. Assim, este tipo de discurso acaba por promover atos contra uma raça, gênero, etnia, nacionalidade, religião, orientação sexual ou outro aspecto passível de discriminação.” [1]
Assim, o indivíduo acaba por se expressar, mas de forma a abusar deste direito, importando numa atuação impregnada de ódio à demais pessoas com quem convive em sociedade, sendo que este usa da sua liberdade de se expressar para discriminar outro indivíduo, com fundamentos em sexo, etnia, orientação sexual, religião, e etc.
O sujeito que assim age, denominado de hater, realiza tal ato para agredir aquele a quem se dirige, importando a sua atuação em crimes contra a honra ou crime de racismo, bem como nas indenizações cabíveis em decorrência destas ofensas.
Já o stalking, conhecida como a perseguição persistente, ocorre quando um indivíduo passa a perseguir outro de tal forma que passa a incomodá-lo, já que obtém informações sobre a sua vítima e tenta controlar sua vida, causando-lhe danos psicológicos.
No artigo denominado Stalker e o Direito à privacidade, também vinculado em uma série de sites do estado em fevereiro de 2016, descrevi o stalking como “uma forma de violência na qual certo sujeito invade repetida e reiteradamente a privacidade de outrem, que se torna vítima desta situação, sendo que, para isso, ocorre o emprego de táticas de perseguição pelos mais diversos meios, tais como ligações telefônicas, envio de mensagens pelo SMS, por correio eletrônico, publicação de fatos ou boatos em sites da Internet (cyberstalking) e redes sociais, remessa de presentes, abordagem em lugares que a vítima frequenta, entre outros atos persecutórios, resultando dano à integridade psicológica e emocional, restrição à liberdade de locomoção ou lesão à reputação da vítima.”
O stalker, que é aquele que promove a perseguição, acaba por acossar a sua vítima por meio de vigília, perseguição, investigação, fazendo tudo para importunar a outra pessoa pelas mais variadas razões. Ou seja, é um tipo de assédio moral, no qual o agressor neutralizar a vítima para que ela faça algo contra a sua vontade e no cumprimento do interesse do stalker.
Esta conduta pode, dependendo da gravidade, importar na subsunção à contravenção penal de perturbação da tranquilidade, mas caso a perseguição importe na prática de outros delitos, o stalker responderá por estes também. Além disso, o agente pode responder pelas indenizações cabíveis em decorrência destas ofensas.
Sobre este tema, há poucas decisões judiciais neste sentido, porém o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ao retratar a questão do stalking, julgou que:
“Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. “Stalking”. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do "stalking”. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido”. [3]
Nesta decisão, vê-se que o stalker procede atos de perseguição deliberada em face de ex-companheiro após o término do relacionamento, importando esta conduta como passível de indenização pelos danos morais causados. Pode também a vítima, dependendo da situação do caso, buscar que o stalker seja coibido da continuar com as condutas realizadas.
Estes dois institutos são distintos do bullying, embora este possa ser praticado pelo uso de prática destes dois primeiros.
O bullying ocorre quando alguém maltrata deliberadamente outra pessoa, por meio de palavras ou agressões físicas constantes que colocam a vítima em estado de tensão intensa.
O bullying vai se dar pelos mais diversos atos, desde a prática de atos violentos, intencionais e repetidos contra certa pessoa, como ofensas verbais e perseguições, que podem causar danos físicos e psicológicos às vítimas. Tal termo advém do inglês bully, palavra em português que significa tirano, brigão ou valentão.
Nessa linha de raciocínio, Lélio Calhau explicando sobre este tema, descreve que o “bullying é um assédio moral, (...) são atos de desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida.” [4]
São práticas condutas com “a finalidade de intimidar, maltratar, amedrontar e humilhar suas vítimas, as quais, consequentemente, suportam grande dor e sofrimento, o que pode trazer sérios distúrbios psicológicos e traumas (...).” [5]
Estas são modalidades de violência e intimidação que transgridem a estrutura psicológica e moral do indivíduo, já que ocorre de forma continuada e frequente, valendo-se de intimidação ou da vergonha da vítima para se perpetuar. Tem como finalidade causar o tormento e a angústia, o que também importa em delito, dependendo dos tipos de atos que foram realizados para tal prática, bem como importa na responsabilização pelo ato ilícito causado, sendo aquele que causam tais atos obrigados a indenizar a vítima pelos danos que esta sofreu.
Ou seja, os conceitos desses três institutos são distintos, mas os atos que os causam podem ser comuns entre eles, vez que o bullying muitas vezes ocorre por meio do uso de hate speech e de stalking, embora as finalidades destas ações em si não sejam de discriminar, ofender ou de perseguir, mas de causar tensão, traumas e problemas psicológicos naquele que sofre o bullying.
Tais institutos são distintos, causando efeitos diversos em suas vítimas, mas podendo causar os mesmos tipos de consequência jurídica, já que tais atitudes importam em atos ilícitos e são passíveis de indenização, sendo que na esfera penal vai depender muito de como as ações são realizadas e como são dirigidas, podendo ocasionar lesões corporais, crimes contra a honra, mas podem também configurar o crime de racismo, entre outros, tudo dependendo da forma que estes atos são realizados.
É importante o combate a estes tipos de agressão, vez que podem parecer inocentes, mas causam ofensas a vítima e também a sua família, e dependendo de como promovida, pode causar danos à sociedade em geral. Por isso a necessidade de combatê-los com veemência.
[1] LEMOS, Walter Gustavo da Silva. Liberdade de expressão não é liberdade de discurso de ódio. 2016. Disponível em https://wgustavolemos.jusbrasil.com.br/artigos/507392795/liberdade-de-expressao-nao-e-liberdade-de-discurso-de-odio
[2] LEMOS, Walter Gustavo da Silva. Stalker e o Direito à privacidade. 2016. Disponível em: https://wgustavolemos.jusbrasil.com.br/artigos/507395855/stalker-e-o-direito-a-privacidade
[3] BRASIL. Tribunal e Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível 2008.001.06440. Reparação civil. Danos Morais. “Stalking”. Assédio moral e psicológico. Des. Relator Marco Antonio Ibrahim. J. 10/06/2008. Disponível em:. Acesso em 03/06/2014.
[4] CALHAU, Lélio Braga. Bullying: o que você precisa saber. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. p.06.
[5] BARBOSA. Maria Ester. A Responsabilidade Civil e o Bullying. 2015. Disponível em https://mariaester.jusbrasil.com.br/artigos/220409704/a-responsabilidade-civil-e-o-bullying.
Sobre o Autor:
Advogado. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e Mestre em D. Internacional pela UAA/PY. Especialista em Direito Processual Civil pela FARO - Faculdade de Rondônia e em D. Processual Penal pela ULBRA/RS. Professor de Hermenêutica Jurídica e D. Internacional da FARO e da FCR - Faculdade Católica de Rondônia. Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia - IDPR. Membro da ABDI - Academia Brasileira de Direito Internacional. Ex-Secretário Geral Adjunto e Ex-Ouvidor Geral da OAB/RO. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RO.
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