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Máfia de tudo quanto é jeito e em tudo quanto é lugar


Por Marli Gonçalves

Igual a quem tem filho e quer dar nome que valha em qualquer parte do mundo, tipo universal, máfia também é uma palavrinha (e de significado) praticamente igual nos idiomas mais conhecidos. Só muda o tipo de violência. Em alguns lugares tem acento; outros, maioria, não, só assentos porque os mafiosos também estão no poder, encastelados. Quanto ao significado e o que reúne há variações de máfia - variações que ultimamente têm posto as manguinhas de fora em várias áreas do nosso país

Antes eram apenas uma súcia, uma sociedade ou grupo de pessoas de má índole. Uma reunião de malfeitores, bandos que se uniam com interesses específicos, praticavam suas bandolagens e pronto. Podiam se desentender, brigar entre si, até se matarem, mas não tinham a organização suprema, a face criminosa, um líder máximo e inatingível, protegido por seguidores que barbarizavam por onde passavam. Hoje, a palavra - e as atividades, de alguma forma - que se estabeleceu inicialmente na Itália, na Sicília, se espalhou, e se espalhou de tal forma que a palavra pode muito bem ser mais usada - não só para definir aqueles profissionais do crime, que controlavam vários setores da economia, da política, do meio social.

Pensar em máfia pura hoje é até romântico, porque a gente lembra muito do cinema, daquela glamourização toda, que incluía a sua temida variação japonesa, a Yakuza, daqueles orientais com os corpos todo tatuados, coloridos, com símbolos marcantes e definidores, igual a crachá de empresa, frios, maus.

As máfias estão em todos os lugares e a gente as vem incorporando muito regularmente em nosso dia a dia, como se fossem coisas comuns, apenas uma espécie de xingamento muito utilizado inclusive pela imprensa em suas manchetes, mas muito pouco reconhecidas exatamente como organizações criminosas, ou "quase" criminosas. Você ouve falar da máfia do futebol, máfia das drogas, máfia dos medicamentos, máfia do lixo, máfia das propinas, máfia do jogo, máfia dos caça-níqueis, máfia da guerra e das armas. Já apareceu até máfia das ambulâncias, máfia do sangue. Só que seguimos enxugando gelo, e elas, as máfias, esses punhadinhos de gente má, se multiplicam com suas raízes danosas, insidiosas, quebrando concretamente qualquer iniciativa de melhoria. E usando outros nomes, entre eles o de ideologias, partidos, e até de ideais desenvolvimentistas.

Só que elas são perigosas, muito perigosas, principalmente quando não identificadas propriamente. Vi listadas as máfias: americana, chinesa, japonesa, coreana, russa, sérvia, israelense, mexicana, albanesa. Até a jamaicana apareceu. Temo que daqui a pouco teremos reconhecidas ou teremos de reconhecer publicamente as máfias brasileiras.

Especiais. No Brasil, já vêm com o famoso "jeitinho" embutido. Mantêm o personalismo, e o paternalismo - cuidam bem dos seus comandados, desde que eles puxem bem o saco e não discutam ordens. A corrupção pode ser paga em prestações e já aceitam até cartões de crédito, ou pagam seus seguidores em outras formas, como financiamentos, publicidades e patrocínios gentis, alguns até com o meu, o seu, o nosso dinheiro. Os "capo de tutti capi" tropicais nem sempre usam ternos ou gel no cabelo, embora muitos continuem achando o charuto o símbolo, e as baforadas espaçadas o charme. Contam com amplo acobertamento de suas atividades e nem pensem em pegá-los por não pagarem impostos. Lembre que temos vários poderosos chefões desafiando diariamente a Justiça, a lei, e buscando nos fazer de bobos ao tentar controlar a informação, a imprensa, a liberdade de ideias. Ideias boas são só as deles. Só eles sabem o que é para o nosso bem. Eles elegem amigos e inimigos, e soltam sem dó os seus cachorros em cima dos adversários. São especialistas em detratações. Se incrustam na pele do poder de tal forma que não há bife de carne crua que os atraia e arranque.

Claro que se você chegou até aqui já sabe exatamente porque esse tema apareceu. O que é pior é que ao tentar esmiuçá-lo quase me deprimi. Quando a gente, como jornalista, pensa que está descobrindo uma dessas máfias, vê que o buraco é bem mais embaixo, e que elas já formam ciclos concêntricos. Estão no governo, nas intituições, nas empresas, nos sindicatos, na Justiça e nos organismos policiais - e às vezes todos juntos de mãos dadas pelo domínio. Impregnam o país com o medo, nos recados que mandam, muitos até manchados de sangue. Pressão absoluta.

Dá para ter pesadelos. E veja só, não sei que número ou bicho indicar para jogar caso isso ocorra em seu sonho, mas tem especialistas que assim os "decifram": sonhar que você é um membro de uma máfia sugeriria que você está permitindo que outras pessoas ajam para manipulá-lo. Ou que você está usando seu poder contra os outros. Já sonhar que você entrou em contato com a máfia indicaria que você está enfrentando algum conflito interior e tumultos.Mais: se nesse sono certamente agitado tiver a imagem de ser uma multidão, representaria o caos e a desorganização, e você estaria experimentando sério conflito de ideias e interesses. O tal sonho alertaria que está mais do que na hora de ser assertivo e assumir o controle de sua própria vida. Claro, se isso for permitido.

Mas se você, como eu, acordado, começar a ver máfia em tudo, repare que no fundo estamos incentivando isso, ao nos recolhermos em alguns guetos, ao tentar impor verdades ou governos únicos, aceitar apenas comportamentos condizentes entre si. Isso é fascismo. Já ouvi muito falar até na máfia gay (na verdade usam uma expressão bem mais chula para definir essa coisa), onde quem não é não entra.

Não seja por falta de tatuagens.

São Paulo, boquiaberta, boquirrota, inundada e desarvorada, 2013


Marli Gonçalves é jornalista - - Não, não é paranóica. Mas seu radar está captando "perigo, perigo, perigo"!

E-mails: marli@brickmann.com.brmarligo@uol.com.br

Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com.  Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo

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