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MANHÃ DE DOMINGO


 

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Luiz Albuquerque

O sol forte indicava que a manhã já estava bem avançada. Ele virou-se para o lado contrário da luminosidade do sol que a cortina branca da janela não conseguia vedar. Tentou voltar a dormir, porém, sem sucesso. Depois de algum tempo resolveu se levantar. Foi ao banheiro, escovou os dentes, lavou o rosto e saiu do quarto. Tomou só um cafezinho. Não cumprimentou a esposa, que, àquela hora, já cuidava do almoço. Ouviu barulho num dos quartos das crianças: “devem estar brincando, ou assistindo TV” – pensou.

Voltou ao quarto, tomou um banho, vestiu bermudas e camiseta e saiu. Raciocinava sobre sua vida, seu casamento bastante desgastado. O relacionamento com a esposa, e mesmo com os filhos, ia de mal a pior. Não se via com culpa; afinal, vivia só para trabalhar e assim poder suprir qualquer necessidade da família. Mas, ultimamente, as coisas estavam difíceis. Não agüentava mais. Até evitava vir direto do trabalho para casa; preferia ficar nos bares, com os amigos, do que chegar cedo e ouvir a mulher, sempre insatisfeita, reclamar por qualquer motivo. Sem vontade nem assunto, quando conversavam sempre acabava em briga.

Saiu de casa e se dirigiu ao bar da esquina. Lá, tomaria umas cervejas, depois voltaria para casa, almoçaria e iria dormir. “Melhor assim, – pensou – que aí eu durmo e só acordo amanhã para trabalhar”

Parou na calçada. Na rua, mesmo nas calmas como as daquele condomínio onde morava, sempre tinha o cuidado de verificar se vinha algum carro, moto ou mesmo bicicleta. Olhou para um lado e nada, ninguém na rua. Ao virar-se para o outro lado mal conseguiu fixar o olhar na rua. O sol, muito forte, cegou-o como se fosse um flash que não se apagava. Fechou imediatamente os olhos. Colocou a mão direita espalmada sobre os olhos e tornou a olhar. Ainda assim, mal via a rua. Firmou mais a vista e viu que não havia nenhum veículo. Começou a atravessar. No meio da travessia sentiu que algo o envolvia ou passava por ele – não soube definir. Podia ser um vento, talvez um raio do sol ou mesmo algo que desconhecia, mas que, mesmo apenas tendo sentido, sabia que “aquilo” encostara nele. Era como uma sensação. Só!

Terminou a travessia da rua sentindo como se o sol agora estivesse em todos os lados do seu corpo, como se formasse um enorme círculo ao seu redor. Na calçada, virou-se para a esquerda e começou a caminhar em direção ao bar. Logo olhou e viu, no outro lado da rua, a sua casa. Andou mais um pouco, olhou novamente e então constatou, surpreso, que ele continuava no mesmo lugar em relação à sua casa. Só aí se deu conta que algo estranho acontecia. Olhando para a frente, verificou que tudo estava nebuloso, enquanto que ao olhar para trás nada conseguia ver por causa da luz forte do sol. Era como se as únicas coisas que existissem fossem: ele, sua casa, a névoa e o sol. Teve medo, ou quase isso, não tinha certeza. Mas seu corpo se arrepiou. Resolveu voltar para casa e começou a caminhar. Mas não saia do lugar, mesmo sentindo que dava os passos.

Naquele momento viu que a porta frontal de sua casa se abria e, por ela, ele passava levando duas malas em direção ao carro. Como era possível? Se ele estava ali, no outro lado da rua, como podia se ver saindo da própria casa? Mas não teve dúvidas, era ele mesmo!

Então ele viu o seu “eu” – ou aquele outro “eu” – sair de casa. Pelo semblante e pelo andar, sabia que estava com raiva, com muita raiva. Viu que gritava, gesticulava, como se estivesse numa discussão. Viu que entrava no carro enquanto, da casa, pela porta da sala, saíam seus dois filhos, chorando e o chamando, apelando para que não fosse embora. Viu que, mesmo diante dos apelos das crianças, não lhes dava atenção. Viu que ligava o carro, o motor roncava forte e se viu saindo em arrancada da garagem, em curva aberta para a direita, sem atentar para uma carreta que vinha, à média velocidade, em sentido contrário. O choque foi inevitável. O automóvel perdeu toda a metade frontal e encolheu uma sanfona se fechando. Pedaços voaram para todos os lados.

Ele, sem conseguir sair do lugar. Viu os filhos correrem, aos gritos, em direção ao carro. Viu a esposa sair de casa, desesperada. Ele tentou correr, se esforçou, mas continuou no mesmo lugar vendo as coisas acontecerem. Desesperou-se. Sentiu a vista ficar turva e tudo em sua volta girou. Caiu, desacordado.

Acordou em sua cama. Levantou-se atordoado, tonto, assustado. Foi, rapidamente, até a cozinha e viu sua esposa preparando o almoço de domingo. Aproximou-se, abraçou-a e deu-lhe um leve beijo. Nos olhos, lágrimas teimaram em vir. Então sussurrou no ouvido dela. “Desculpe!”, ainda que achasse que ela não entenderia.

As crianças faziam barulho num dos quartos. Deviam estar brincando. Ou vendo TV.

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