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O perigo da familiaridade excessiva - Por Humberto Pinho



Por Humberto Pinho da Silva

 

Estando certa tarde de domingo, a conversar com amigo, este, a determinado momento, saiu-se com esta: “ Sempre que me torno amigo de alguém, perco, para ele, metade do valor. Passa a duvidar de tudo, que: penso, digo e afirmo.”

Opinião, que apenas concordo, em parte, fez-me lembrar o que disse a grande fadista Amália Rodrigues, em declaração ao semanário “ SETE” (01-11-83): “ Agora leio pouco, porque, ao conhecer os autores das obras, tinha muitas desilusões…”

O escritor, o poeta, o cronista, perde encanto, até respeito, logo que se torna amigo do leitor.

A familiaridade retira valor a quem escreve.

Para os que convivem, diariamente, com ele, e partilham os mesmos utensílios, o intelectual, não passa de ser excêntrico; um preguiçoso. (Como dizia criada de Herculano, por o ver sempre a ler e a escrever.) Um desadaptado incorrigível.

Se há, por vezes, nos familiares: orgulho e vaidade, por se verem aparentados com o autor do livro, que se encontra no escaparate do livreiro, existe, igualmente, a reprovação: por passar horas a fio, de pena na mão, a ler e a rebuscar apontamentos, entre montes de papéis, em lugar de conviver com a família e amigos, à mesa da cafetaria.

Amália Rodrigues afirmava várias vezes: que ao ler as letras das canções ficava admirada com o talento do autor, e fantasiava-o, esbelto e cortês.

Levada pela curiosidade, procurava conhecê-lo pessoalmente, mas na maioria das vezes, sofria grandes desilusões, até desgostos profundos.

No memorial de Clarissa – personagem querida de Erico Veríssimo, – em “ Música ao Longe”, esta diz: que sofreu séria desilusão, ao verificar que o famoso poeta Paulo Madrigal, que imaginara elegante e gentil, não passava de pobre diabo, caixeiro-viajante, de indesejáveis tiques nervosos.

Ao invés da lei da perspectiva, o intelectual, torna-se grande, quando está longe. O escritor parece-nos mais talentoso, quando nos é inacessível, e vive em longe paragem.

O mesmo acontece às instituições e Universidades.

Como o crente, que percorre léguas, em demanda de santuário mariano, para pedir a graça, que necessita (esquecendo que Maria tanto está lá, como na sua paróquia,) também, alguns licenciados, procuram obter mestrado e doutoramento em longínquas Universidades, olvidando, que, por vezes, os professores onde estudou, são mais competentes, e saberiam apreciar melhor a tese, do que aqueles.

Mas a distancia, a língua estranha, a fama, leva-os a pensar: graduando-se na sua Universidade, entre os que foram companheiros e professores, não tem o mesmo valor…

Infelizmente, a sociedade, também pensa assim:

Conheci jovem, que se formou numa Universidade portuguesa. Quando começou a procurar emprego, logo verificou, que os preferidos eram os candidatos graduados na América e Inglaterra.

Os selecionadores – em regra, não conhecem a Universidade, onde o candidato obteve o mestrado, – mas impressionam-se, ao verificar, que o certificado apresentado, está passado em inglês…

Bacoquice?! Certamente que sim; mas o que havemos de fazer?! O mundo é assim… e quem quer singrar, tem que obedecer às “ leis” que vigoram.

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