Quinta-feira, 13 de janeiro de 2011 - 08h01
João Baptista Herkenhoff
Nepotismo, segundo define o Dicionário Houaiss, é o favoritismo para com parentes, especialmente pelo poder público.
A proibição da prática do nepotismo decorre do sistema democrático. Uma boa interpretação da Constituição Federal de 1988, com recurso à exegese sistemática e teleológica, já deixaria ao desamparo, em qualquer hipótese, a contratação de parentes, no serviço público.
Mas, nesta matéria, os vícios são arraigados. As pormenorizações, os fechamentos de atalhos passam a ser indispensáveis para coibir os abusos.
O concurso como forma de ingresso no serviço público está expressamente consagrado no texto constitucional. Há uma única possibilidade de entrada sem concurso. A exceção socorre o ex-combatente que tenha participado efetivamente de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda que esse artigo tenha pouca eficácia hoje, uma vez que a Segunda Guerra terminou em 1945, vale pelo sentido cívico que carrega.
A proibição de estar o servidor público sob a direção imediata de cônjuge ou parente é outra medida moralizadora.
Providência de combate eficaz ao nepotismo está na redução do número de cargos comissionados nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Esta providência vem sendo defendida pela Transparência Brasil, uma belíssima instituição que tem lutado pela Ética nas mais diversas situações.
A pesquisa nas fontes históricas revela a origem popular da luta contra o nepotismo.
A Constituinte que votou a Carta Magna de 1988 recepcionou emendas populares, isto é, emendas apresentadas por organizações da sociedade civil e subscritas por cidadãos.
As emendas populares de número 15 e 31 advogaram a obrigatoriedade do concurso, como forma de ingresso no serviço público. Patrocinaram referidas emendas a Mitra Arquidiocesana do Rio de Janeiro, a Cáritas, a Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, a Associação de Moradores do Alagamar, o Clube de Mães Guiomar Ramos e um Centro Sócio-Cultural do Rio Grande do Norte.
Nos mais diversos Estados da Federação, Comitês Pró-Participação Popular na Constituinte retomaram a bandeira federal e a fizeram bandeira estadual. Como resultado da pressão popular, em alguns Estados da Federação (São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo) estabeleceram-se preceitos moralizadores até mais precisos do que os previstos pela Constituição da República.
Entretanto, o nepotismo é uma prática tão enraizada, o limite entre o público e o privado é tão tênue na consciência poluída de alguns detentores de poder, a audácia dos que surrupiam a bolsa pública é tão desavergonhada que à margem da Constituição e das leis encontram-se estratagemas para socorrer o familismo.
É extremamente relevante que se lute contra o nepotismo. Porta digna para entrar no serviço público é o concurso. A janela é, de longa tradição até na literatura, a entrada dos salteadores.
Em todos os cargos, em todos os Poderes, em todas as órbitas de governo, os critérios de ingresso e de promoção, nas diversas carreiras, devem ser baseados no mérito.
Concursos transparentes constituem um estímulo para os jovens. Ao contrário disso, entradas oblíquas, etiquetas de família, concursos à moda da casa, cargos hereditariamente obtidos pelo critério de suposto sangue azul são formas de corrupção que atentam contra a cidadania.
Fonte: João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, 74 anos, é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Vilha (ES). Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de um juiz (Editora Forense, Rio, 2009).E-mail: jbherkenhoff@uol.com.brHomepage: www.jbherkenhoff.com.br
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