Terça-feira, 14 de novembro de 2017 - 18h34
LUIZ LEITE DE OLIVEIRA (*)
Máquinas do DER encontram-se às margens do rio Madeira, no espaço que tem proteção nacional e do Estado de Rondônia. Aparentemente essa área está sub judice, sob intervenção da Justiça, mesmo assim, se sujeita a obras de duvidoso interesse popular. Na realidade, a remoção do terreno ocorrida no dia 10 de novembro serviu de base para um porto.
Máquina escavadeira do DER destrói a via férrea e o girador de litorina, no pátio ferroviário |
A rampa para o acesso ao porto do Cai N’Água constitui-se outra intervenção, autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e embargada pela Marinha do Brasil.
A “revitalização” transformaria o espaço tombado em espaço comercial, tendo à frente o prefeito Hildon Chaves, que nada mais faz do que dar continuidade ao legado do ex-prefeito Roberto Sobrinho.
É notório o interesse municipal em transformar o pátio ferroviário em área comercial, desvirtuando a decisão maior tomada no Seminário de 1980. Às favas as Leis de Tombamento! Quem quer saber delas?
E não é de hoje o silêncio dos órgãos governamentais. A única explicação que se pode se aventar é que são órgãos “políticos”, e assim sendo, o que esperar deles quando precisam ser cutucados para agir?
Na parte interna, realizam-se grandes showmícios, cultos evangélicos, permitem o saque de peças do Patrimônio Histórico Ferroviário, e não hesitam em levar algumas para o Espaço Alternativo, na Avenida Jorge Teixeira, onde o diretor do DER, Ezequiel Neiva, monta uma locomotiva para servir de bibelô.
Criminosamente, apagaram com jato de areia as características de identificação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Serviço inconsciente de quem o ordenou. Os operários, coitados, lidam com a máquina como se lidassem com uma sucata qualquer.
Vista aérea do girador de litorina /Dana Merril, 1911 e Manoel Rodrigues Ferreira, 1959 |
A cada festa, a Prefeitura arregaças as mangas ao tratar do sítio histórico tombado. É como se não houvesse outro lugar em Porto Velho, onde as pessoas pudessem se aglomerar para assistir a cantorias, bênçãos e algo mais.
Trilhos extraídos do subsolo por tratores do DER |
O que ocorre com o Patrimônio Ferroviário é diabólico.
Abortaram as leis de tombamento. A Portaria 156/07, expedida pelo ex-ministro Paulo Bernardo, saiu sob encomenda pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), quando era superintendente em Rondônia o fujão Antônio Roberto dos Santos Ferreira. Com ela, praticamente inviabilizou-se o tombamento e a proteção da EFMM.
Mapa e planta do pátio ferroviário. Os trilhos foram aterrados a partir de 1972 durante o regime militar. Mesmo depois do Tombamento da EFMM, em razão do excepcional valor, são monumentos integrantes do patrimônio cultural brasileiro |
Um esforço de memória pode levar adeptos do militarismo a se lembrar de que foi a caneta do presidente João Baptista Figueiredo que sacramentou as decisões do seminário de 1980. O general assinou a lei, hoje burlada tanto por marginais quanto pelas próprias autoridades.
Infelizmente é real. Essa desastrosa medida oriunda daquele suspeito senhor Bernardo põe em risco o patrimônio histórico, deixando-o completamente desprotegido nas mãos de malfeitores, inescrupulosos. Isso é criminoso, abusivo, inconstitucional.
A Procuradora Flávia Barbosa Mazzini, da 21ª Promotoria de Justiça (Habitação, Urbanismo e Patrimônio Histórico, Cultural e Artístico) ignorou denúncia feita pela AMMA, a respeito da inconstitucionalidade da famigerada portaria, transferindo até 2020 à Prefeitura o acervo ferroviário.
A medida nos entristece, porque é iminente a destruição total do pátio da ferrovia mais famosa do mundo. Não há maquiagem que faça parecê-lo original.
Brincam com a memória das pessoas.
A promotora informa erroneamente que o plano diretor municipal “inclui o espaço ferroviário”. Assim, o pedido da AMMA sobre a ilegalidade caiu na vala do arquivamento, em situação semelhante à outra interpretação do MPF a respeito da ilegalidade. Equívocos.
A ferrovia é tombada pela Constituição de Rondônia, artigo 264 e pela Constituição Federal, conforme determina o processo 1220-T-87 (monumento nacional). Em 2008, o MP-RO sabia muito bem disso.
Despacho nessa natureza seria melhor se fosse feito em terreiro de macumba, e não por quem defende a sociedade.
Tempos atrás, outra procuradora, Nádia Simas Souza fez a “promoção de arquivamento”, ao passo que dois membros da AMMA foram condenados à prisão a pedido do MPF.
A AMMA denuncia essa maracutaia no barranco do rio Madeira. Não é a primeira investida do DER dentro da ferrovia. Algumas vezes, servidores desse órgão cumpriram ordens governamentais para a retirada de peças tombadas da EFMM, em seguida maquiadas com jatos de areia.
É na maquiagem que mora o perigo, a desmoralização da lei, a indecência. Porque a peça tombada corre o risco de perder a identidade. Isso já aconteceu, senhores! Ninguém nota que não há chance para réplicas? Quisessem salvar locomotivas, outros seriam os métodos.
A AMMA repudia esses atos de vandalismo e aguarda os procedimentos instaurados no Ministério Público Federal Ministério Público Estadual, para que esses agentes respondam judicialmente todos esses atos praticados.
A AMMA diante o descaso e a omissão dos órgãos de proteção, considera que, se depender do IPHAN e do SPU, a Madeira-Mamoré continua completamente desprotegida.
Causa tristeza notar que o descuido com essa preciosidade ocorre, porque o patrimônio está em mãos erradas. Ou seja, os filhos não têm o devido cuidado com a mãe enferma e sem forças, quase morta.
Ao longo do tempo são vistos vídeos de alguns historiadores e professores de história de Porto Velho que relatam a história da EFMM, porém, em momento algum se vê algum movimento conjunto no sentido de se promover seminários, passeatas, numa pressão legítima que resulte em algo para fazer acordar esses órgãos políticos causadores de pesadelos, desde a construção das usinas hidrelétricas.
Sem querer polemizar, vejo que não basta mais o saudosismo de historiadores. Evidentemente, há exceções.
Em 2009, o ex-prefeito Roberto Sobrinho mandou jogar no chão a Usina 11 Horas (Mercado Pesqueiro) |
Se um ou outro parece não sentir o sangue correndo na veia, o problema é grave, já que não se sentem com responsabilidade de levantar uma pena.
Silenciosos e omissos, não agem como poderiam agir. São até capazes de acusar a ditadura militar pela destruição do meio ambiente e o patrimônio histórico na Amazônia, mas deixam de olhar bem perto sucessivos crimes atualmente perpetrados por políticos de Rondônia, pelo SPU, pela Prefeitura, pelo DER de Neiva, pelo Iphan, pelo Iphan da Delma e Mônica, pela presidente nacional do Iphan Cátia Bogea.
Passou da hora de o governo federal, mesmo enrolado feito caracol por causa da corrupção, intervir nesses órgãos. Eles nos envergonham.
Gestores apáticos, míopes, infratores das leis, só acordam, se lhes fosse aplicado um choque de realidade. Quem se atreve a isso? O MPF, o MP-RO? Fundamentos existem, basta que abram as gavetas e encontrem as séries de denúncias dos malfeitos praticados em uma década de vandalismo e destruição.
E nós paramos uma vez mais por aqui, para não sermos taxados de ser “contra o progresso e contra o desenvolvimento”.
* * *
Luiz Leite de Oliveira é Arquiteto e urbanista, autor do Projeto de Restauração e elementos de Integração do Complexo Ferroviário e Beira Rio. É autor do filme O delírio – Dreams and Tracks (premiado), foi superintendente do Iphan que levou ao tombamento da EFMM. Pesquisador, presidente da Associação de Amigos da Madeira-Mamoré.
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