Domingo, 10 de fevereiro de 2013 - 06h40
Por Marli Gonçalves
Tenho boas lembranças de Carnaval, mas por uma série de motivos, só de antigamente. De quando era criança mais ou menos até o final da adolescência, e ainda dos salões de baile dos clubes de São Paulo, que eram tudo de bom, tanto as noites como as matinês. Adorava uma sainha amarela toda de ráfia, minha havaiana, que eu sacudia toda coquete, junto com aqueles colares de pétalas de papel. Depois, mais tarde, já nos bailes, da pá virada, adorava aquela coisa solta, descompromissada - nem tanto como agora, admito. Eram os amores de carnaval, triangulados, quadriculados, pierrôs, arlequins e colombinas, cabeleira do Zezé, mamãe eu quero, confete, serpentinas, lanças e perfumes, e visitas às varandas espaçosas, e onde íamos toda hora ver se a noite ainda estava lá.
Hoje tudo isso soa ingênuo. Mas não há quem tenha visto e agora não lembre com saudades dos concursos de fantasias, luxo e originalidade, Clóvis Bornay, Evandro de Castro Lima, Wilza Carla (de joaninha ficou a coisa mais fofa ) e Eloy Machado, Jésus Henriques, Mauro Rosas - todos eram rivais, se alfinetavam e se odiavam, e suas fantasias eram segredos de Estado guardados a sete chaves até a Hora H, quando surgiam esplendorosas. Até que viravam hors-concours, glória máxima. E os nomes, então? "Delírios do Imperador", "Pierrô do Profundo Mar Azul", "A casa do Chapeuzinho Vermelho e sua avó", Carlos Imperial, aquele ser "sílfide", dois metros de largura, mostrando-se de "Libélula Deslumbrada" (71), "Esplendor e Glória (tinha muito esplendor e glória nos títulos dos trajes na época) do Apocalipse em noite de chuva com raios e trovões".
Copacabana Palace, Quitandinha: eram as festas mais chiques, os bailes mais de gala, e entre os jurados estavam sempre grandes personalidades, especialmente astros de cinema. Mas astros mesmo, personalidades mesmo, luxo, chiques. Não esses e essas mequetrefes que vêm aqui tomar cerveja com aquela cara de cuia com enfado, hora marcada no relógio, cercados de seguranças, ou sucesso momentâneo de YouTube, essa nova moda que trouxe até coreano para dançar axé na Bahia. Era coisa de Liza Minelli para cima. Roman Polansky. Janis Joplin.
Mas, enfim, fantasia é o que a gente gostaria. Fantasia é até mentira que se conta de tanto que se acredita nela. Ultimamente andam nos vendendo cada uma mais linda do que outra, da autosuficiência aos tesouros do pré-sal.
Fantasia é também muito do que se imagina sexualmente- achei até uma pesquisa revelando as "Dez mais" das mulheres, e dicas de como efetivá-las como realidade, sem transgressões reais, mas combinando com o marido ou namorado. Acredite. Entre elas, as mais mais mais: ser "forçada" (de mentirinha!) a fazer sexo; transar com um estranho; agir como uma garota de programa; transar a céu aberto, numa praia; ser algemada; pagar pelo prazer; fazer sexo oral no carro. Quase todas você tem de combinar um teatrinho com o par.
Mas olha só que depois de tanta conversa já ia esquecendo de dar as minhas dicas de fantasia, muito além da imaginação, e além da de palhaço, que essa todos nós temos usado habitualmente.
Carneiro: para nos camuflar e ajudar seguir as fantasias que nos vendem dia a dia, de como estamos às mil maravilhas,um país abençoado e blindado. Tem também a variação bode Galeguinho: consiste em ficar parado com cara de laranja, no nada, ou amarrado na porta da lavanderia.
Cadeira: no mínimo dá para sentar e esperar. O modelo masculino vai fazer o maior sucesso paradinho no canto do salão, esperando incautas.
Marcos Valério: raspa a cabeça e sai distribuindo dinheiro; combina com a de mensaleiro, o bloco que sai logo atrás dele recolhendo a grana e não deixando nem migalhas no chão.
Índio, principalmente guarani-caiowá: vai chover tanta gente para ajudar e defender que será o carnaval mais econômico de sua vida. Não vai precisar nem de apito que o índio quer.
Temos também uma versão mais popular: Fantasia de Sem qualquer coisa. Já vem com partido político e pode ser variada com modelos como sem teto, sem casa, sem vergonha, sem terra.
Mas a melhor mesmo, da hora, é se fantasiar de rolha - eu disse rolha, veja bem. No mínimo vai nos ajudar a ficarmos quietos, recolhidos em nossas carcaças e carapuças do dia-a-dia, enquanto sambam sobre nossas cabeças.
São Paulo, tamborins, 2013
Marli Gonçalves é jornalista - - Pensei em várias outras fantasias possíveis. Mas, desculpe, quase todas eram impublicáveis.
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