Domingo, 21 de janeiro de 2018 - 17h06
Por Humberto Pinho da Silva
Fecho os olhos, e vejo. – Como vejo, Deus meu! – Vejo, o passado, que passou; vejo, sonhos bons, que não pude ou não soube realizar. Vejo: injustiças, ingratidões, aleivosias, dos que julgava serem amigos… mas não eram.
Vejo melhor quando cerro os olhos, e caio em sonolência, que é um dormir acordado.
A velhice, também, tem encantos, e momentos de alegrias e de amarguras: umas vezes, o passado surge pintado a cores garridas, cheio de risos e sol; outras vezes, tudo fica negro, negro como a noite negra; e a alma constrangida, entristece e chora.
No turbilhão da vida, encontrei enganos e desenganos; e, também, grandes ingratidões: que enlutaram a alma, enchendo-a de amarguras e tristezas desinquietantes.
Em Bragança – que saudosas recordações tenho dessa cidade! – encontrei almas simples, boas e amigas, que nunca as pude esquecer. Pensei serem amizades para sempre… mas a vida separou-nos.
Em derradeira tentativa, ainda procurei reatar o ténue fio que restava; não consegui: vaidades, desprezos, orgulhos, indiferenças – sei lá! – quebraram o barbante que julgava unir o passado ao presente. Por certo não sabiam, nem sabem, que a amizade, é o maior bem, se for sincera e desinteressada.
Nunca foi tão fácil, como agora, comunicar, mesmo quando extensas distâncias separam: o telefone, a Internet, aproxima. Todavia nunca houve tanta solidão! … Tanta falta de humanidade! … Tanta ingratidão! …
Egoísmo? Talvez. Pensam: “ Se não necessito do auxilio monetário; da influência que teve na coletividade; para quê telefonar-lhe? Para quê enviar-lhe e-mail amigo, se ele, agora, é velho, doente, insignificante?! …
Nas horas de solidão – e são tantas! … – penso, no que: ouço, vejo e leio. Penso, também, nos que já partiram; e nos que ainda não partiram…mas é como tivessem partido…
Penso, nas alegrias que passei (recordando o tempo de outrora) e na angustia, que senti, ao ver-me injustiçado no BC3, que estava em construção, e tudo por falta de carácter, por mentira, de quem tinha medo da verdade…
Penso, também, na vida pacata e rotineira, que levava nessa amorosa cidade transmontana: Nas tardes aconchegantes, no Café “ Lisboa”; mais tarde, no velho e elegante “ Chave d’Douro”.
E, igualmente, nas quentes noites de Verão, passadas no jardim, à beira do tranquilo Fervença, onde os jovens namoravam e deambulavam, placidamente, embalados por românticas canções, quase sempre, de Roberto Carlos.
Penso, com o coração apertado de saudade, na casa acolhedora – meu refugio predileto, – onde Senhora e Mãe, recebia-me sempre com afetuoso e singelo sorriso, nos lábios, e palavras maternais, que acalentavam o coração entristecido.
Tudo desapareceu. Primeiro: as pessoas, que conheci e cavaqueei, nas longas e frias noites de Inverno, ao redor das brasas rubras, da fuliginosa pedra do lar, quando a neve caia, em rolão, e o frigidíssimo vento da Sanábria, parecia fazer talhos na epiderme enregelada…
Depois: a cidade…
Pouco restou do passado: alguns edifícios; algumas ruas alindadas; e a velhíssima e vetusta cidadela, com o castelo imponente e a senhorial Domus Municipalis.
Numa tépida noite de Verão – recordo, como se fosse hoje! - assisti, encantado, no castelo, à exibição do grupo de dança: “ Verde Gaio”, que deveras impressionou-me.
Certa ocasião – como me lembro! … - chegou a Bragança, famoso ilusionista, que possuía dons especiais: dirigia, de olhos vendados, uma viatura; e mostrou ser extraordinário hipnotizador, no Cine-Teatro, perante a admiração do público.
Nessa recuada época – e já lá vai meio século! … – as novidades eram poucas. As conversas versavam, em regra: mexericos: falava-se de namoros, das meninas do Magistério, e dos militares. Os mais velhos, e mais sisudos, comentavam programas da RTP, e falavam de negócios.
Em 1969, assisti, com o Sr. Manuel do “Café Lisboa”, à chegada do ApoloII, a solo lunar; e recordo ter visto (a preto e branco,) a imagem esfumada, de Neil Amstrong, a cravar, na superfície rugosa da Lua, a vistosa bandeira Americana.
Em horas de descanso, enquanto o sono não me domina: penso, medito, recordo, o tempo que foi, e já não é…
Imensa tristeza abate-se, então, na alma, ao lembrar-me, que tudo, que presenciei: cenas, episódios, conversas, que animaram a velha cidade, desapareceram, como se nunca tivessem acontecido…
Jamais voltarão as amenas e saudosas tardes de domingo no “ Floresta”; os aprazíveis passeios à pousada; as cavaqueiras “eruditas”, como encarregado da Biblioteca Itinerante, em modesta tasquinha, bebericando vinho com gasosa.
Tudo pertence ao passado. Passado que se esfumou, diluindo-se em saudade, e morrerá, para sempre, quando eu partir – ai de mim! – para a eternidade.
E um tumulto de pensamentos e imagens, de saudosas nostalgias, em ondas de tristeza e ternura, invade-me a alma, constrangida… como forasteira, na própria Pátria.
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