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ROLEZINHO E ANOMIA


ROLEZINHO E ANOMIA - Gente de Opinião

          IVAN VOIGT *
 

Este novo fenômeno social que repercute, especialmente nas metrópoles do sudeste brasileiro, certamente será objeto de estudo aprofundado nos próximos anos. Tais “rolezinhos” expõem - como já acusaram os melhores pesquisadores - profunda trinca no verniz da realidade brasileira, que ostenta de um lado miséria e negação de cidadania e de outro, nababescas culturas de luxo.

Há decisões judiciais, proferidas em condição de urgência, que estão autorizando a proibição de entrada nos "templos do consumo" de jovens "perifas", ameaçados inclusive por pesadas multas individuais (R$10.000).

Ditas liminares, aliás, foram resultado de ações possessórias, distribuídas a magistrados competentes para julgar Direito Civil e dar guarida à propriedade privada, embora tenham usado fundamento da necessidade de manutenção da ordem pública (afinal, ao direito de posse, nunca houve ameaça).

Nelas, se pode ler: "o direito constitucional de reunião não pode servir de subterfúgio para a prática de atos de vandalismo e algazarra em espaços públicos e privados..." (4004450-43.2013.8.26.0007), ou "A imprensa tem noticiado reiteradamente os abusos cometidos por alguns manifestantes. Ressalte-se que não se pretende impedir o direito de manifestação e de reunião de cidadãos de bens e inocentes em seus propósitos, mas este deve ser exercido dentro de limites que facilmente se extraem da interpretação sistemática do arcabouço constitucional."(1000339-33.2014.8.26.0007).

Esta elasticidade jurídica que mistura direito privado com direito público demonstra o total despreparo do estado brasileiro ante as manifestações coletivas - especialmente em tempos de superpopulação - além de evidenciar a absoluta incompreensão sobre a natureza dos “rolezinhos”.

É obvio que uma aglomeração de pessoas (em Guarulhos foram 6 mil) num ambiente confinado oferece riscos à segurança dos indivíduos e pode, facilmente, degringolar para tumulto e violência. É lógico que a realização de reuniões demanda preparo dos órgãos públicos e que não se propõem os shopping centers a receberem tais eventos.

A mais sensata das decisões liminares (4009786-64.2013.8.26.0577)indicou que a competência era da Polícia, determinando "policiamento preventivo e ostensivo no local descrito na inicial, para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, respeitado o direito constitucional de ir, vir, permanecer e de manifestação pacífica".

Todavia, mais esta vez, o poder público deixou claro que a Polícia Militar não age para organizar e proteger a todos os cidadãos, como sabem as crianças e adolescentes que receberam golpes de cassetetes, socos, chutes, balas de borracha e até bombas de gás.

Embora os pedidos encaminhados ao judiciário tenham se baseado em não comprovados temores de saques e outros crimes, a finalidade de tais encontros não se demonstrou criminosa.

Em entrevista recente, o próprio Presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers, Luiz Fernando Pinto Veiga, declarou que "cabeça de adolescente tá sempre fermentando alguma bobagem pra fazer na vida, porém sem o intuito de maldade", "num acredito que alguém tenha ido lá com o espírito preconcebido de fazer alguma coisa contra o shopping ou contra as pessoas que estão no shopping". E concluiu: "O shopping center é uma ilha de segurança no Brasil que se vive hoje".

Exatamente por isso os "perifas" decidiram sociabilizar nos shoppings, caminhar e paquerar por corredores refrigerados, perfumados, repletos de luzes, cores e todas as belezas de um ambiente decorado para o culto às compras, tão melhor do que a precariedade de seus bairros lhes oferece. Afinal, pobre também é gente.

Não estavam os jovens se reunindo para fazer arrastões ou vandalismo. A manifestação dos "perifas" é na verdade a imposição de sua existência! Uma presença com todos os seus trejeitos de "funkeiros", suas vozes estridentes, suas gírias, enfim, todo o resultado catastrófico da péssima educação e da segregação em bairros onde a lei do mais forte impera e onde a postura "elegante" da elite os levaria à subjugação ou à morte.

A organização da sociedade, o controle da "anarquia", da "desordem" e da "perturbação" das massas é preocupação da sociologia desde seus primórdios.

Para Auguste Comte (1848), a sociedade moderna - despida do poder da religião e mistificada pelas promessas da Revolução Burguesa - estava ameaçada pela "desintegração social". Por isso defendia a reconciliação da "ordem" com o "progresso" (o progresso constituiria uma consequência gradual da ordem - "Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim"). Comte pregava a fraternidade universal e a convivência comum.

Émile Durkheim (1897) diminuiu a importância da desigualdade econômica na causação da desordem social, afirmando que o problema central era a “anomia” (ausência de um conjunto de normas morais).

Este conceito foi desenvolvido por Robert K. Merton que publicou na Harvard University (1938) o aclamado ensaio "Estrutura social e anomia" onde sugere que "certas fases da estrutura social geram circunstâncias nas quais a infração dos códigos sociais constitui uma resposta normal".

Merton demonstra que tende a haver "desintegração social" quando os meios institucionais (que regulam os procedimentos para a conquista do sucesso) não permitem a realização dos projetos pessoais (para o alcance dos objetivos culturalmente moldados, referências para as aspirações pessoais). Este desequilíbrio (entre objetivos e métodos) se dá em esferas periféricas da sociedade.

Assim, digo eu, enquanto a sociedade brasileira não investir sua criatividade na formulação de uma política coletiva de inclusão, de distribuição de cidadania - ao invés de distribuição de esmolas - a elite ficará cada vez mais exposta ao desconforto de conviver com os indesejáveis, pois nem os muros dos condomínios ou as grades dos shoppings manterão afastados os excluídos, vindos dos estratos sociais periféricos.

Ivan Voigt, advogado criminal, com especialização em Direito Empresarial-Tributário, OAB-SP 188.732.

PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: Hermenêutica da retenção de mercadorias no procedimento especial aduaneiro. In: 8a Mostra Acadêmica da Unimep, 2010.

FORMAÇÃO:

UNIMEP Especialização - Direito Empresarial e Questões Tributárias, Piracicaba, 2011.

FGV Negócios Internacionais e Comex, São Paulo, 2003.

FGV - Direito Penal Econômico, São Paulo, 2002.

UNIP - Bacharelado - Campinas, 2000.

 http://lattes.cnpq.br/5862485057841351

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