Segunda-feira, 17 de novembro de 2014 - 14h08
Por Júlio Olivar (*)
A literatura nasceu praticamente junto com a capital de Rondônia. Em 2014, Porto Velho comemora seu primeiro século de fundação e os 98 anos do primeiro livro publicado nestas paragens: “Coisa Alguma”, do poeta Vespasiano Ramos.
Com tão pouco tempo de ocupação sistemática e apenas 33 anos de emancipação política, Rondônia é o segundo estado mais jovem do Brasil. Porta de entrada da Amazônia brasileira, antes – na sua época de terra de ninguém e de território federal (1943/81) – até os governadores eram forasteiros que aportavam por aqui nomeados pelo presidente da República e com o objetivo de “mandar”. Poucos destes se preocuparam em estabelecer uma identidade ou firmar compromissos com os nativos e os que aqui se instalaram por imperativo das contingências, como foram os seringueiros, os soldados da borracha, os garimpeiros, os operários da legendária Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; gente de mais de 50 pátrias.
Rondônia era terra de chegantes e de passantes, de degredados e de outros em busca de seringa, de ouro, de diamantes, de cassiterita, de terra, de poder, enfim, do “Novo Eldorado”, como anunciava o Governo Militar Brasileiro, nos anos 1960, para atrair levas de migrantes e desbravar a qualquer preço essa porção de terra.
Porto Velho nasceu como distrito de Humaitá (AM) e logo se tornou cidade, em 1914. Depois, capital do Território do Guaporé, em 1943, formado com terras do Amazonas e Mato Grosso, e, por fim, capital do estado de Rondônia, em 1981.
A cidade já nasceu como uma verdadeira torre de babel, com a particularidade de que o seu primeiro jornal impresso, o The Porto Velho Times, ter sido publicado em idioma inglês. A edição inaugural ocorreu em 4 de julho de 1909, data da independência dos Estados Unidos, país-sede da empresa construtora da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
O hino norte-americano foi entoado quando da viagem inaugural do trem de ferro, em 1912. Esse aspecto “americanizado” dos primórdios de Porto Velho, então chamada apenas de “Rio Madeira” pelos jornais dos EUA, está narrado no livro “Trilhos da Selva”, de 2011, dos autores estadunidenses Rose e Gary Neeleman. A obra traz uma série de fac-símiles dos jornais da época, comprovando, nas páginas dos periódicos, que prevalecia o retrato da cultura dominante, com quase nenhuma referência aos usos e costumes dos indígenas, dos caboclos e dos outros povos que faziam parte daquela odisseia mundial, retratados pela TV Globo na minissérie “Mad Maria”, em 2005.
Em 1917 nasceu o “Alto Madeira”, o primeiro jornal em língua portuguesa e segundo mais antigo da Amazônia Ocidental ainda em funcionamento. Este semanário – hoje, diário – foi fundado por Joaquim Tanajura, médico da lendária Comissão Rondon, que expandiu as linhas telegráficas de Cuiabá a Santo Antônio do Rio Madeira, cidade extinta em 1943 e incorporada a Porto Velho.
Tanajura era político e intelectual. Seus artigos e crônicas inauguraram o primeiro ciclo da herança escrita rondoniense. Pelos textos de Tanajura, é possível compreender um pouco mais da cultura, das agruras e desejos, do jeito de ser, enfim, do povo daqui, que, longe das capitais, tinha suas bandeiras de luta e requeria mais atenção governamental em área com saúde e educação.
No período, os jornais de uma forma geral, abriam espaço para falar das quermesses, da vida paroquial, das diatribes e das picardias partidárias, mas também de grandes temas, como a economia e a Amazônia. E entremeio a tudo isso cabia a poesia.
UM CERTO VESPASIANO – Nesta fase, o poeta Vespasiano Ramos, publicado ainda nos anos 1900, ocupava as páginas de jornais do Maranhão e do Pará, até aportar em Porto Velho, em 14, vindo de Manaus (AM).
Considerado o precursor da literatura em Rondônia, é autor de um livro apenas, “Coisa Alguma”, editado no Rio de Janeiro e distribuído em Porto Velho no ano de sua morte, em 1916.
Viajante e boêmio inveterado, o poeta era conhecido na intimidade como Quincas (seu prenome era Joaquim). Nasceu há exatos 130 anos na cidade de Caxias, Maranhão, onde virou o nome da praça em que nasceu; andou por Belém, tornando-se membro da Academia de Letras do Pará, fundada em 1913; e morreu aos 32 anos, em Porto Velho, sendo aqui denominação de rua e sepultado no Cemitério dos Inocentes no túmulo revitalizado no centenário de seu natalício, em 1984, pelo Governo do Estado.
Apesar da descendência humilde, autodidata que trabalhava como caixeiro, Vespasiano foi muito cultuado em seu tempo, quando os poetas eram vistos como seres iluminados. Mesmo não seguindo às regras rigorosas dos versos medidos, “cantou como cantam os passarinhos, improvisando harmonias, sem partituras”, como bem definiu o poeta Elamano Queiroz, ocupante hoje da cadeira que pertenceu a Vespasiano na Academia do Pará.
Seus poemas falavam de paixões avassaladoras e não correspondidas, traziam muito da melancolia da sua alma inquieta e enamorada em tempo constante: (...)“O sonho da minha vida, pobre de mim, sonhador! Toda esperança é perdida, o sonho de minha vida, pobre amor” (...). Mas ele teve seus momentos rebeldes por conta, de certo, das sequelas de uma vida errante: “Não voltes, Cristo! Porque na Terra deu-se apenas isto: multiplicou-se o número de Judas e vai crescendo a prole de Pilatos”.
Vespasiano está quase esquecido em seu túmulo tomado pelo mato. Com uma ascendente economia, em Rondônia tudo está em formação, porque é um estado jovem. Inclusive a consciência da necessidade de preservar a sua própria memória.
CALDEIRÃO CULTURAL – Os meios de comunicação hoje são democráticos e o mundo uma aldeia global. Vamos lá, promover Rondônia que, no passado, foi uma pátria dentro de outra maior, o Brasil, e era incomunicável até a instalação dos telégrafos, por Marechal Rondon, em 1915. Um universo desconhecido e distante, povoado por índios sobre os quais nada se sabia, como narrado no livro – essencial! – “Rondonia”, título que significa “terra de Rondon”, quando a palavra foi cunhada pelo autor Edgard Roquette-Pinto, em 1917. Outra obra para se entender mais da vida indígena do período é “Tristes Trópicos”, de Lévi-Strauss, publicada em 1955.
Agora, em 2014, temos um ano emblemático para a História de Rondônia. Marca os 100 anos de fundação de Porto Velho, os 100 anos da Expedição Roosevelt-Rondon e os 130º ano de nascimento de Vespasiano.
A mencionada expedição foi registrada nos anais da História do Brasil e dos Estados Unidos, tendo culminado em livros importantes como “Nas selvas do Brasil”, de 1916, do próprio ex-presidente Theodore Roosevelt, um dos protagonistas da aventura, e “O Rio da Dúvida”, escrito por Candice Millarde, em 2009. Vale a pena conhecer essa epopeia que tem a ver com o entendimento geográfico, antropológico, cartográfico, que implica dois ícones do humanismo universal.
Porto Velho, a 46º maior cidade brasileira e única capital do país que faz fronteira com outro país (Bolivía) e dois estados (Acre e Amazonas), é sede da Academia Rondoniense de Letras, dispõe do Instituto do Patrimônio Histórico e Geográfico, Centro Estadual de Documentação e uma ativa Universidade Federal de Rondônia. Há, ainda, academias nos municípios de Vilhena, Guajará-Mirim e Cacoal, que publicam autores locais, geralmente versando história regional e poesia.
Mas não há, propriamente, um movimento entorno da literatura produzida em Rondônia. A maioria dos livros ainda é publicada à custa de idealistas, com tiragem limitada e comercializados apenas dentro do estado de 1,7 milhão de habitantes.
O curioso, positivamente, é que até o atual governador do Estado, Confúcio Moura (PMDB), é escritor, tendo publicado obras de poesia, romance e crônica. Tem muita escrita interessante de sua lavra enaltecendo o “modus vivendi rondoniense” e valores arraigados na visão do migrante aventureiro que, em tão pouco tempo, fez nascer um dos estados mais ricos – acreditem! – do país. Além de escritor, Confúcio é um aficionado pela educação; um discípulo de Anísio Teixeira em solo rondoniense.
Por mais clichê que possa parecer, Rondônia tem muitos talentos e a grande possibilidade de se tornar não apenas um polo crescente em sua socioeconomia, mas sedimentar a sua “rondonidade” – que continua plural e cosmopolita por conta dos constantes ciclos migratórios, sendo atualmente o das usinas. Mas, aos poucos, faz sentido o “ser daqui”, com a consolidação de cidades-universitárias e a formação de gerações nascidas nesta terra abençoada.
Não se consegue cantar e decantar um lugar sem que nele vejamos a magia do existir com algum futuro; Rondônia deixa de ser o cenário de forasteiros para ser terra de brasileiros que vêm em busca – e encontram-na – da Canaã. Agora, estes veem a grandeza deste pedaço de chão: grandioso do tamanho do estado de São Paulo; com o maior afluente do Rio Amazonas; com usinas hidrelétricas que atendem à demanda nacional; com agricultura pujante; com a melhor educação do Norte-Nordeste; com etnias milenares que não aceitam mais serem guardiãs assistidas pelo Governo e passam a ser sujeitas da história tendo um líder indígena da estirpe de Almir Suruí, um dos três brasileiros mais criativos nos ranking de 100 personalidades mundiais, conforme a revista americana Fast Company, de 2011.
Eis Rondônia, da poesia singela de Vespasiano aos pensamentos mais complexos de cientistas, como o recém-falecido Luiz Hildebrando que deixou 80 trabalhos científicos publicados sobre doenças tropicais. Também um homem das letras, seu último livro,“Crônicas subversivas de um cientista”, foi prefaciado por Oscar Niemayer e lançado em Rondônia dois anos atrás.
Rondônia é o Brasil desconhecido da maioria dos brasileiros, por vezes confundido com Roraima e com os demais estados do Norte. Não! Rondônia é única, não por ser melhor, mais pela certeza de ser a torre de babel que deu certo e ter se tornando neste caldeirão cultural à mercê de um olhar mais atento e poético de todos.
(*) Júlio Olivar é escritor, jornalista e gestor público; mineiro de nascimento, cidadão-honorário de Porto Velho, morador em Rondônia desde 1998.
A concessão de abono natalino a servidores públicos
Pessoalmente, não vejo nenhum problema no pagamento de abono natalino a servidores públicos, desde que seja autorizado por uma lei, apesar de muita
25 de novembro - a pequena correção ao 25 de abril
A narrativa do 25 de Abril tem sido, intencionalmente, uma história não só mal contada, mas sobretudo falsificada e por isso também não tem havido
Tive acesso, sábado, dia 16 de novembro, a uma cópia do relatório da Polícia Federal, enviado pela Diretoria de Inteligência Policial da Coordenaçã
Pensar grande, pensar no Brasil
É uma sensação muito difícil de expressar o que vem acontecendo no Brasil de hoje. Imagino que essa seja, também, a opinião de parcela expressiva da