Sexta-feira, 6 de janeiro de 2017 - 07h50
247 - "Se o Estado age como o PCC, decidindo quem vive e quem morre, como espera julgá-lo?", questiona Vladimir Safatle em sua coluna nesta sexta. "Entender como o governo brasileiro funciona é entender como ele administra o desaparecimento e o direito de matar. Esta é sua verdadeira forma de governo. Com uma mão ele massacra parte de sua população, com outra ele lembra, à outra parcela, que o medo espreita e que é necessário 'ser ainda mais duro'", escreve.
O texto foi publicado na Folha de S:Paulo.
"'Ali não tinha nenhum santo.' Foi com tal sentença que o governador do Amazonas veio a público comentar o massacre que ocorreu em prisão de Manaus. De fato, santo lá não havia, como, ao que tudo indica, não há em nenhum outro lugar do mundo sublunar.
É possível que a frase do senhor governador quisesse dizer outra coisa. Talvez algo como: "Quem estava lá era sub-humano, não há porque estarmos concernidos com suas mortes". Essa é uma estratégia que os governos brasileiros se eximem em implementar desde há muito, impulsionados por uma parcela da própria população.
Trata-se de espoliar massas inteiras de sujeitos de qualquer forma de humanidade. Se eles morrem, não haverá nem nomes nem histórias. Haverá apenas números: 60 presos mortos. Você nunca saberá quem são, se eles estavam lá por assassinar a ex-mulher, o filho e seus parentes ou por ter vendido meia dúzia de cigarros de maconha.
Matar esses "60 presos" é visto, no fundo, como um direito soberano do Estado, como foi um direito soberano matar "111 presos" no Carandiru sem que isso tenha gerado maiores consequências, sem que houvesse rastos.
Não, não foi uma luta de gangues o que produziu o massacre em Manaus, mas uma política deliberada e pensada de administração da morte, feita nas pranchetas da omissão, do descaso, da perpetuação de condições medievais e da cumplicidade.
O Estado brasileiro age como o PCC, decidindo soberanamente quem irá viver e quem será deixado para morrer. Como ele espera julgá-lo?"
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