Quarta-feira, 22 de maio de 2013 - 15h09
José Hiram Gallo
Diretor-Tesoureiro do Conselho Federal de Medicina
Para o governo brasileiro, se faz saúde de uma forma muito simples: basta colocar um médico no posto de atendimento mais próximo. Essa é a lógica adotada pelo programa defendido ferozmente por importantes segmentos da gestão que, no entanto, se esquece de que este profissional – por melhor pago que seja – apenas conseguirá elevar o nível de bem estar da população se contar com subsídios que o permita cumprir sua missão.
Na lista de subsídios incluímos: a existência de instalações apropriadas para acolher o paciente; o acesso a equipamento e insumos para fazer exames e procedimentos de todos os tipos; a montagem de uma equipe multiprofissional (com enfermeiros, auxiliares de enfermagem, dentistas, entre outros) para ajudar nos tratamentos dos problemas diagnosticados; e o acesso a uma rede de referência e contra referência para onde encaminhar os casos que precisam de um tipo de assistência especializada.
Sem isso, a presença do médico – brasileiro ou estrangeiro – se dilui numa poça de boas intenções, por melhores que sejam. A necessidade de ampliar o acesso da população ao atendimento médico, de forma particular nos interiores da Amazônia e do Nordeste e nas periferias dos grandes centros, é uma realidade. Contudo, a solução deste problema exige mais do que anúncios intempestivos, imediatistas e midiáticos.
A decisão de “importar” médicos estrangeiros ou brasileiros portadores de diplomas obtidos no exterior está crivada de falhas que sugerem a irresponsabilidade dos gestores na tentativa de dar um “jeito na casa”. Ao anunciar esta proposta, o Poder Executivo desrespeita o arcabouço legal vigente e expõe a parcela maior e mais carente da população brasileira à assistência em saúde sem segurança e qualificação.
Ministros vêm a público dizer que esses “médicos” não farão provas para avaliar o nível de conhecimento prévio e terão sua atividade restrita a determinadas áreas e a atendimentos básicos (do tipo consulta em posto de saúde). Parece-nos uma temeridade estimular esse tipo de ação que torna os moradores dessas áreas escolhidas cidadãos de segunda linha, aos quais se oferece menos da metade do que àqueles que vivem no Leblon, no Rio de Janeiro, ou nos Jardins, em São Paulo.
Um dos argumentos utilizados é o de que onde a carência é total esses “importados” seriam pelo menos um alívio. É a uma resposta à altura do dito popular “em terra de cego quem tem um olho é rei”. Pena que a linha de pensamento seja tão rasa e que as consequências possam ser tão dolorosas no corpo e na alma da parcela mais desfavorecida, justamente a mais desprotegida e vulnerável.
Ora, como deixar a vida de um cidadão nas mãos de uma pessoa da qual não se tem a mínima ideia sobre os níveis de competência ou de conhecimento acumulados? O que fazer se um paciente numa consulta apresentar uma crise aguda, que exija um procedimento mais complexo por parte do profissional? O médico do posto e o prefeito vão coloca-lo numa ambulância em direção ao município mais próximo?
Não queremos pintar o caos, mas essas são as cores que nos são oferecidas. O que se antevê é um cenário sombrio, onde uma solução anunciada aos quatro ventos não atingirá o seu objetivo. Pelo contrário, deve aumentar com certeza a sensação de insegurança. Mas o que fazer para resolver esse dilema histórico?
A resposta não está fora, mas dentro: esse argumento tem sido defendido pelas entidades médicas, sobretudo pelos conselhos de medicina em inúmeras oportunidades. Para os médicos, antes de tudo, o Governo deveria investir mais no Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo o exemplo de nações de modelos assistenciais parecidos com o nosso.
Na Inglaterra, a participação do Estado no gasto nacional em saúde chega a 84%. Na Suécia, França, Alemanha e Espanha, oscila de 74% a 81%. Nos vizinhos argentinos, este percentual é de 66%. No Brasil, bate no teto de 44%¨. Os números falam por si e é claro que além de investir mais, o país precisar gastar melhor o que é destinado para a saúde.
Ou seja, carecemos de especialistas e técnicos que entendam de gestão e assumam que uma reforma real não escapa da implementação de mudanças na estrutura do SUS: não adianta pintar a casa, tem-se que trocar o encanamento. Quando se fazem ajustes paliativos, os incômodos não tardam a aparecer e, quase sempre, em formas ainda mais graves.
Finalmente, o país urge por uma carreira de Estado para o médico do SUS, o que pode levar esse profissional – que hoje prefere os grandes centros e o Sul/Sudeste - para os rincões, mas com estímulos que o fará se fixar de vez nas localidades. Neste sentido, a criação de uma política de recursos humanos e de valorização do trabalho médico não pode ser negligenciada. Portanto, com esta proposta espera-se o fortalecimento da assistência pública de saúde à semelhança do que houve com o aparelho judiciário quando as carreiras dos promotores e juízes também receberam esse formato.
Os defensores da importação dos médicos estrangeiros sempre comparam a razão brasileira de médicos por habitante (atualmente na casa de 2/1000) com os números de outros países. Dizem que precisamos atingir os indicadores da Suécia (3,73), França (3,28), Alemanha (3,64), Espanha (3,71), Reino Unido (2,64) e Argentina (3,16). Só que deveriam contar para todo mundo que nenhuma das nações apostou suas fichas apenas na contratação de mais médicos. Pelo que foi descrito, a lição é bem maior.
Diferentemente do que tem sido afirmado, o alerta dos Conselhos de Medicina não é corporativista ou xenófobo. Apenas exige-se o que é justo e seguro para todos os brasileiros. Assim, cabe ao Governo assumir sua responsabilidade. Precisamos é de médicos bem formados, bem preparados, bem avaliados e com condições e estímulo para o trabalho. Tratar a população de maneira desigual é sinal de desconsideração e de desrespeito para com a cidadania.
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