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Temer comanda a degradação da democracia


 A cada novo episódio, confirma-se que a permanência de Michel Temer no Palácio do Planalto tornou-se uma causa irremediável de infortúnio e dificuldades, um pesadelo para o qual é preciso encontrar uma saída.

A capacidade de impor censura prévia a dois jornais brasileiros de grande circulação, apenas para impedir a divulgação de uma notícia sobre sua mulher, é uma prova de um risco que a todos espreita.

Não havia nenhuma questão privada envolvida. Nada de intimidades do casal. Mas um caso de absoluto interesse público, baseado exclusivamente em documentos oficiais, sobre uma tentativa de chantagem contra a primeira dama, a espera de vários esclarecimentos, inclusive sobre o envolvimento de Arlon Viana, antigo tesoureiro do PMDB de S. Paulo e hoje assessor da presidência da República.  

Em nome exclusivamente de  conveniências políticas,  Temer foi capaz de ferir um princípio básico do Estado de Direito,  numa iniciativa inédita desde 1985, o ano inaugural do país sem a ditadura militar de 1964.

Como ensina Hanna Arendt, medidas autoritárias são o sintoma clássico da falta de autoridade política, essa verdade das democracias baseada no consentimento dos cidadãos.

Oito meses depois de empossado através da "encenação" no Congresso, como definiu Joaquim Barbosa, comprova-se que o governo Temer está sendo devorado, pedacinho a pedacinho, por uma moléstia política incurável -- a falta de legitimidade para o exercício da presidência da República, que tem produzido um espetáculo macabro, cada vez mais visível.

Toda vez que é chamado a assumir as responsabilidades inerentes ao cargo, não tem mão para empunhar a caneta, nem voz para dar comando.

A falta de autoridade legítima de Michel Temer tem uma causa conhecida e imediata. Principal beneficiário do incêndio produzido pela Lava Jato, está cada vez mais próximo das mesmas labaredas. 

 Num colapso produzido pela combinação perversa de autoridades recolhidas em Bangu, com uma política econômica de austeridade homicida patrocinada por Brasília, o destino das famílias do Rio de Janeiro, segundo maior estado brasileiro, foi entregue a uma nova versão da Regência Trina -- aquela que governava o império enquanto Pedro II era menor de idade. Formada  pelo Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, pelo ministro do STF Luiz Fux, supervisionado de perto por Carmen Lúcia, presidente do Supremo, e pelo governador Pezão, em breve o triunvirato ganhará a companhia de tropas do Exército, num espetáculo que vai se tornando preocupante pela frequência. As tropas do exército, como se sabe, serão mobilizadas para garantir a defesa da ordem perante uma PM já rebelada, copiando o exemplo dos vizinhos do Espírito Santo. Foi de lá que partiu a primeira onda de desordem aberta promovida pelas forças da ordem, em sequencia com as degolas e motins nos presídios de Norte e Nordeste, barbárie que produziu um choque internacional, mas não deixou um único arranhão na candidatura do Ministro da Justiça para o STF, cuja omissão só não foi completa em função dos diversos comentários impróprios que cometeu.

A promessa de entregar o destino de ministros denunciados na Lava Jato ao Judiciário até pode ser apresentada como   um lance de astúcia, pois é evidente que a velocidade de investigações sobre de autoridades com acesso ao foro privilegiado permite prever que ninguém se tornará réu antes de 2018. Mas é acima de tudo uma confissão de fraqueza, um  truque vergonhoso para esconder a realidade de um chefe de governo incapaz de assumir as próprias responsabilidades e exercer uma prerrogativa exclusiva do presidente da República, que é nomear e demitir ministros de Estado.

Em vez de cumprir o dever acima de tudo político  de demitir -- ou manter no cargo, se achar que é o caso -- um ministro colocado sob suspeita, arcando com as consequências em qualquer hipótese, o presidente terceiriza a decisão, transferida para o PGR Rodrigo Janot e o ministro Edson Fachin, que terão a palavra final sobre uma decisão que -- desculpem a lembrança -- deveria caber a quem expressa soberania popular.

Sabemos que Temer não recebeu votos diretos que são a marca de origem de  poderes que emanam do povo, como ensina o artigo 1 da Constituição. É claro que se poderia atribuir essa carência a uma regra específica de nosso sistema eleitoral, pela qual só o cabeça de chapa recebe votos na urna eletrônica.

O verdadeiro problema é outro.  A falta de legitimidade tem origem política.

Sua ascensão ao Planalto foi produzida  pela traição aberta, sem regresso,  aos eleitores que votaram na campanha polarizada de 2014, num percurso sem comparação possível com o ajuste -- também errado -- anunciado por Dilma no início de 2015.

O lamentável papel do vice no impeachment não se limitou a múltiplos exercícios de dissimulação diante de uma presidente de quem cobrava atenção e tarefas, como se estivesse interessado em ajudar, enquanto seus aliados agiam na direção contrária.

Quando o destino de Dilma ficou escancarado, Temer tentou apagar qualquer rastro de responsabilidade sobre as "pedaladas fiscais", o falso pretexto que se arrumou para denunciar a presidente. Depois do golpe, dedica-se a uma permanente tentativa de enfiar goela abaixo de um eleitorado de 100 milhões de brasileiros um projeto espúrio de governo que não é do PT, nem do PMDB, nem do PSDB, nem mesmo do DEM. Talvez seja dele mesmo, o onipresente Eduardo Cunha, hoje um aliado-réu tão inconveniente que Sérgio Moro fez questão de censurar perguntas comprometedoras que pretendia dirigir a um amigo de sempre -- o próprio Temer.

Com 100% de certeza, o programa Temer-Meirelles é um projeto da Goldman Sachs, da Holliburton -- um dos motores da guerra do Iraque --, da Shell  e da máquina policial-jurídica do Estado norte americano, hoje um dos principais instrumentos do império para quebrar concorrentes e tomar posse de suas fatias mais rendosas, como escreve Jean-Michel Quatrepoint no artigo "Em nome da lei americana...", disponível na edição de fevereiro do Le Monde Diplomatique Brasil. Tratando de empresas francesas que acabaram esquartejadas no final de longas investigações de corrupção e guerras  judiciais nos EUA, Quatrepoint descreve tragédias que, com mudanças de nome e endereço, guardam semelhanças notáveis com a Petrobras.

Até agora, o apoio compacto da camada superior da pirâmide social brasileira, interessada numa integração sem ressalvas a economia globalizada, foi capaz de assegurar a sobrevivência de um presidente que entrou em Palácio tão impopular como antecessora em seus piores momentos.

O desmoronamento da economia, a crise social revelada na explosão dos governos estaduais e a perspectiva de novos ataques ao bem-estar, a começar pela Previdência Social, criam uma nova situação, que será definida por crescentes mobilizações populares.

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