Não sei o que é mais terrível nessas chacinas nos presídios de Manaus e de Roraima: as chacinas em si, a incompetência das autoridades ou a insensibilidade e ignorância dos brasileiros de classe média.
Quem já esteve numa prisão sabe muito bem que a coisa mais importante para quem está lá é o espaço. Dividir um cubículo de 9 metros quadrados com uma, duas ou dez pessoas faz toda a diferença. Principalmente quando você fica enjaulado praticamente o dia todo sem ter nada para fazer a não ser sentir o fedor de vários homens ao seu lado. Ninguém consegue manter a calma e a civilidade numa situação como essa. Ratos não aguentam, por que homens aguentariam?
Isso para não falar das condições sanitárias desumanas.
Qual é a forma mais rápida, mais prática e mais eficiente para diminuir a lotação da cela senão os próprios presos matarem o maior número de presos possível?
"Briga de facções" foi a explicação oficial mais cômoda e mais mentirosa para um banho de sangue que teve por objetivo diminuir a lotação das celas.
Mas por que tanta violência? Porque, tratadas como animais selvagens, as pessoas reagem como animais selvagens.
Se presos forem tratados de forma civilizada, vão responder de forma civilizada, se forem tratados como gado, vão reagir como açougueiros.
Por ironia do destino, a empresa que administra o presídio de Manaus se chama Ummanizare. Ela ganha 4.500 reais mensais por cada preso, o que é uma grana preta: é a mensalidade de um aluno num colégio frequentado pela elite paulistana.
É revoltante, incongruente, delirante constatar a diferença abismal entre os serviços que recebem alunos da elite e presos de Manaus em troca do mesmo pagamento.
Se esse dinheiro permite que os colégios tenham, em São Paulo, os melhores professores, salas limpas, banheiros asseados etc etc porque esse mesmo dinheiro, em Manaus, fornece carcereiros corruptos e despreparados e pocilgas semelhantes às favelas de onde os presidiários vieram?
Outro fato que chama atenção é que a Ummanizare contribuiu com 300 mil reais para a campanha do governador do Amazonas, o mesmo que declarou que entre os mortos da chacina "não tinha nenhum santo".
O governo federal acompanhou o governador nas declarações e nos atos. O ministro da Justiça, como sempre se espera quando ele entra em ação, cometeu mais uma lambança ao mentir descaradamente para o país.
Mas não só isso: revelou mais uma vez a sua total ignorância a respeito dos assuntos relativos à sua área jogando simplesmente toda a culpa no inepto governador do Amazonas e mentindo a respeito do pedido de ajuda da governadora de Roraima.
Não teve nem a iniciativa de ir até os presídios, o que qualquer estagiário de ministro faria.
Pergunta-se, então, a propósito: a quantas lambanças um ministro de Temer tem direito antes de ser defenestrado?
Talvez tenha sido essa a última da sua quota, pois, no dia seguinte, Temer foi tratar da crise dos presídios não com ele, mas com a presidente do STF.
Temer, então, deu mais uma lição de como não comandar um país. Passou três dias em obsequioso e covarde silêncio enquanto choviam cadáveres degolados nas páginas dos jornais e nos telejornais do mundo todo.
Se consultasse Michelzinho este lhe diria para pegar um avião e desembarcar em Manaus com toda urgência, verificar o que aconteceu in loco, ditar ordens, demonstrar solidariedade, desmentir as declarações insanas do governador.
Ninguém mais do que ele, que assumiu a secretaria da Segurança Pública de São Paulo por causa da chacina do Carandiru, sabia que o tema é altamente explosivo e afeta a sensibilidade mundial.
Depois da estranha mudez que o acometeu por três dias, ele foi incapaz sequer de lamentar o banho de sangue, de demonstrar um mínimo de humanidade ou de compaixão.
Talvez quisesse, no fundo, dizer o mesmo que aquele imbecil do seu governo que pediu uma chacina por semana, expressando publicamente o mesmo desejo de idiotas que festejaram a carnificina nas redes sociais.
Temer se afogou no banho de sangue.