Entrevista ao músico brasileiro Tom Zé, que atuou no primeiro dia do festival Mimo, em Amarante.
A Lu Araújo, diretora do Mimo, diz que foi uma guerra para o trazer aqui. Porquê?
Eu estou fazendo um disco, dos meus 80 anos, e estou muito atrasado. Por isso a gente não queria se afastar de São Paulo de jeito nenhum.
Que disco é esse?
Estará pronto em setembro, porque o meu aniversário é em outubro. Chama-se Canções Eróticas para Ninar, e em baixo: Urgência Didática. Quando eu nasci não tinha educação sexual. "Vade retro Satanás!" Quando chega aos 13 anos desce um bicho na cabeça chamado libido, você fica doido. A nudez era um crime e a educação sexual não existia. Então, as pessoas da cozinha, do quintal e do jardim passavam o dia todo falando coisas com a gente que tinham um segundo sentido. Figuras de estilo altamente sofisticadas. Por exemplo: "Debaixo de saia tem fogão." E aí davam risada. É muito difícil para uma criança entender. Um belo dia você entendia.
O disco fala da falta do que essa educação lhe fez?
Tinha uma falta, mas eles [pessoal da cozinha, quintal e jardim] tentavam corrigir antes de chegar a libido. Quando entra na criatura é um golpe, a mulher passa a ser o centro da atenção. E você não sabe nada. Eu tinha 16 anos quando soube que meu pai e minha mãe trepavam.
O Tom Zé pensava que vinha de onde?
Não acreditava na cegonha. Achava que a força universal, quando o casal estava junto, engravidava.
Acha que houve um golpe no Brasil, como diz a própria Dilma Rousseff referindo-se à sua saída forçada do poder?
Minha filha, realmente é um golpe, todo o mundo sabe. A gente vive uma ditadura mascarada. [É] Um governo fazendo tudo o que uma democracia não faz e que não quer ser chamado de ditadura. Todo o dia mudam a acusação [contra Dilma], agora no Senado disseram que ela não tem nada com pedaladas fiscais [a deliberação veio do Ministério Público Federal, em relação ao caso Safra, onde foi decidido não existir crime do governo de Dilma]. Se muda a acusação têm de tirar todo o processo de impeachment.
Para alguém que fez e viveu o movimento Tropicália e a sua luta contra a ditadura, como vê aquilo a que chama de golpe e a subida de Michel Temer ao poder?
Quando ia começar a [II] Guerra, todo o mundo que era contra Hitler foi para o Brasil, para pular. Depois da guerra, os fascistas que não foram mortos foram para América do Sul, que era a mesma coisa que ir para fora do mundo. O Brasil está entupido de Hitlers, de fascistas. Lá, essa penada que você ouve é Hitler falando no Brasil, Hitler está vivo no Brasil. São os que estão no poder.
Como acha que vão correr os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro?
Tem todas as dificuldades. Tem os que querem sabotar como quiseram sabotar todas as copas e todos os jogos; tem os que estão realmente a fim de destruir aquilo para provar que o governo tem de ser mais ditatorial, tem coisa de todo o jeito, e a gente com medo.
De quê?
Uma ditadura não é mole. Já conheci uma, fui preso duas ou três vezes. Vi coisa que o cão não sabe o que é.
Já falou com Caetano Veloso e Gilberto Gil sobre o que está a acontecer no vosso país?
O que eles pensam eu não sei. Tivemos uma reunião no outro dia para o disco que eles fizeram [da digressão Dois Amigos, Um Século de Música]. O Globo queria que eu fosse o entrevistador deles. Só havia uma coisa em que a gente estava de acordo: o Brasil não é um país sem uma assistência imunológica. E um dos responsáveis por essa assistência imunológica é a obra dos cantores, esse lastro deixado por eles, por Chico Buarque e tal. Tem uma coisa que é uma espécie de anticorpo fascista.
E há uma nova geração capaz de continuar isso?
Aí é onde está, no meu disco [Vira Lata na Via Láctea, 2014], Geração Y. ["Vem depressa, porque / Meu bem, meu bem (...) / daqui a alguns anos vamos ter de governar", diz a canção] Eles fazem questão de fazer tudo com ética. Ética: é uma novidade que eu não oiço falar desde meu tempo de infância. Os fazendeiros [em Irará, Bahia, onde nasceu] - o meu avô era fazendeiro - só falava de ética. E agora essa juventude. Eu fiz um show com eles [em 2013, convidou Mallu Maga-lhães, Emicida e Pélico para se juntarem a ele no palco]. Eles defendem que o homem tem que ter palavra, que os ricos têm de ter respeito pelos pobres. É um povo completamente diferente. Como é que eles vão governar com ética? Ética aqui não fala, principalmente no Brasil. Tem um cara que rouba e que todo o dia acha quem defende ele e que está aí sem ser preso até hoje. O tal do [Eduardo] Cunha [ex-presidente da Câmara dos Deputados]. Deus que defenda a humanidade, que aquele é o maior bandido que eu já ouvi falar até hoje.