Segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019 - 10h25
Na manhã do dia, 15/02,
os adolescentes atendidos pelo Projeto “Se a
vida ensina, eu sou aprendiz” participaram da palestra “Masculinidade Tóxica”,
ministrada pelo psicólogo Cristiano Corrêa de Paula, do Núcleo de Perícia Psicossocial dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Porto Velho.
Ao abordar este e outros temas multidisciplinares, o projeto, realizado pela Escola
da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron), promove um espaço de reflexão e
aprendizado de novas posturas para a convivência sadia em sociedade.
A masculinidade tóxica se refere ao conjunto de mitos que a sociedade transmite aos garotos e aos homens
sobre o que significa ser um “homem de verdade”. Esses mitos (meninos não choram, não pode demonstrar
fraqueza, homem tem que beber) provocam danos no homem, ao criar ameaças
implícitas à sua identidade caso não aja de acordo com tais expectativas, e naqueles que o cercam, que acabam sendo
submetidos a uma convivência abusiva.
Uma das principais características da masculinidade
tóxica, apontada por Cristiano, é a violência. “Vocês já ouviram: se tu apanhar na
escola, vai apanhar em casa também porque filho meu não leva desaforo para casa.
A ideia da masculinidade como processo de identidade se fez através da agressão
e da violência. E isso é um problema, porque a gente entende que só passa a ser
homem quando a gente manifesta agressão”, afirmou.
Cristiano, que atua no atendimento a homens acusados
de agressão doméstica, destacou o adoecimento psíquico da população masculina como
reflexo de uma cultura que não ensina aos homens como lidar com seus
sentimentos. “Nós
homens estamos adoecendo em processos de depressão e suicídio porque não
suportamos a dor da separação, porque não aprendemos a ouvir um não de uma
mulher”. A rejeição, ao não ser compreendida e aceita, se transforma em
agressões, o que faz do Brasil um dos países com maiores índices de violência
doméstica e feminicídio.
Outro dano causado pelo
comportamento agressivo do homem no ambiente familiar é a influência sobre os
filhos, que, no futuro, podem reproduzir esse tipo de comportamento. “Segundo levantamentos do 1º
Juizado da Infância e Juventude, 100% dos adolescentes que respondem medida
socioeducativa viram o pai bater na mãe. E qual o modelo que esse filho teve de
amor? Porrada. Ele aprendeu isso com os pais. ‘Se meus pais estão juntos e meu
pai bate na minha mãe: é assim que ama’. Então significa que o modelo de amor
que se aprende é violento e isso vai ser impresso na sociedade”, concluiu.
A segunda identidade do
masculino abordada foi o consumo de álcool ou drogas, o que, em muitos casos, potencializa
o comportamento violento. O último aspecto de identidade explanado foi a
dificuldade de manifestação do afeto. “A gente não aprendeu a manifestar afeto.
A gente tem dificuldade de manifestar afeto para a mãe. A mãe chega na visita
(na unidade de internação) e quer um abraço, mas ela sabe que você não dá
abraço. Isso causa um sofrimento nas mães. Falar que ama o pai? Isso é muito
distante, quase inexistente”, pontuou.
“Mas afinal de contas,
o que é ser homem nessa história toda? Porque ser homem a partir da violência, do
consumo de álcool ou outras drogas é um negócio de fora que não nasce da gente.
Se eu tiro a violência, o álcool e as drogas, o que sobra?”, questionou, reafirmando
a necessidade de uma postura masculina voltada ao cuidado com os que o cercam,
mas principalmente consigo mesmo. “A influência de fora exerce muita força em
nós e a gente precisa ficar atento para entender: eu nasci para fazer o que
tenho que fazer, enquanto masculino, ou eu estou repetindo e fazendo coisas que
disseram para eu fazer? Afinal de contas, quem sou eu nessa história?”,
indagou.
Cristiano falou ainda
sobre como as influências alteram a percepção de si mesmo. “Vocês acabaram
adotando uma identidade que não era de vocês porque absolutamente ninguém nasce
para ser bandido ou ser violento. No caminho alguém disse e vocês acreditaram. Se
começarem a dizer que vocês nasceram para ser médicos, advogados, se isso
acontecer todos os dias, em algum momento vocês vão acreditar. Mas o principal,
quem tem que dizer isso não é quem está fora, quem tem que dizer isso para
vocês são vocês mesmos. Vocês escolhem se vão acreditar no que os outros estão
dizendo ou se vão acreditar em vocês mesmos. É um processo de construção
mental”.
Finalizando a palestra,
o psicólogo fez um apelo aos jovens. “Deixa eu olhar para os olhos de vocês e
dizer o seguinte: não deixem esse menino que nasceu para ser alguém, morrer.
Não deixem que essa masculinidade tóxica influencie vocês. Não deixem que esse
menino que um dia sonhou em ser alguém, morra”.
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