Terça-feira, 1 de outubro de 2024 - 16h16
O Ministério Público
Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram ação civil
pública na Justiça Federal para que União, Estado de Rondônia e Prefeitura de
Porto Velho adotem medidas a favor da população do Baixo Madeira,
principalmente quanto ao transporte fluvial à sede do município.
Conforme destaca o MPF, Porto Velho é a capital do país mais extensa em área.
As comunidades do Baixo Madeira vivem em áreas cercadas por unidades de
conservação e isoladas de centros urbanos mais estruturados, sofrendo com a
ausência e deficiência de serviços básicos de educação, saúde e transporte,
entre outros. O isolamento e a omissão do poder público geram privações de
todos os tipos aos moradores dessas comunidades, que acabam considerando as
unidades de conservação no seu entorno como entraves ao desenvolvimento. O MPF
pondera que as áreas preservadas restringem de forma anormal e específica o
direito das comunidades locais de se desenvolverem, pois não podem acessar a
única rodovia próxima (BR-319) nem construir estradas – a única forma de
deslocamento possível é a aquaviária.
Na ação, os procuradores da República Gabriel de Amorim e Raphael Bevilaqua e o
defensor público federal Thiago Roberto Mioto afirmam que são frequentes os
pedidos de abertura de estradas ilegais, atravessando unidades de conservação,
na intenção de diminuir o tempo de deslocamento até o centro de Porto Velho.
Neste ano, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
noticiou ao MPF a tentativa de abertura de uma estrada de 20 quilômetros
interligando a localidade de Nazaré à BR-319, passando pelo interior da Estação
Ecológica (Esec) de Cuniã. Houve uma audiência pública promovida pelo MPF em
Nazaré e foi assinado um termo de ajustamento de conduta pela Associação dos
Moradores, Produtores e Amigos de Nazaré (Ampan), que se comprometeu a não
abrir a estrada.
A abertura da mesma estrada ilegal também foi tema de uma reunião do MPF com moradores da Gleba Rio Preto,
realizada em 13 de junho. Para MPF e DPU, a proteção das unidades de
conservação da região somente será efetiva com o atendimento das necessidades
sociais das comunidades.
Unidades de conservação – MPF
e DPU relatam na ação que, quando as unidades de conservação foram criadas, já
existiam populações locais que não foram devidamente ouvidas e que hoje sofrem
com o maior isolamento em relação aos centros urbanos estruturados e com a
precariedade dos serviços públicos.
As comunidades de Nazaré, Demarcação, São Carlos, Calama e Gleba Rio Preto
estão cercadas por quatro unidades de conservação:
• Reserva Extrativista (Resex) do Lago Cuniã – só permite atividade
extrativista; no entanto, as comunidades do Baixo Madeira são de pescadores e
agricultores.
• Estação Ecológica (Esec) Cuniã – só permite pesquisa científica, com entrada
proibida sem autorização. Sua área é ameaçada pela agropecuária, pelo garimpo
ilegal e pela extração ilegal de madeira.
• Floresta Nacional (Flona) do Jacundá - sob concessão florestal à empresa
Madeflona, que possui o direito de realizar o manejo florestal sustentável.
• Estação Ecológica (Esec) Soldado da Borracha - só permite pesquisa
científica, com entrada proibida sem autorização. Sua criação agravou o
isolamento da Gleba Rio Preto, que, mesmo não sendo uma comunidade ribeirinha,
hoje só pode contar com o deslocamento legal pelos rios. Segundo aponta o MPF,
atualmente, a população e até mesmo órgãos públicos usam uma estrada ilegal no
interior dessa Esec para chegar à Gleba Rio Preto: a chamada “Estrada do
Chaulles”. Sua área é ameaçada pela expansão da fronteira agropecuária, pelo
garimpo ilegal e pela extração ilegal de madeira.
Ação
civil pública - Na ação, MPF e DPU pedem que a União seja condenada a
pagar mensalmente uma compensação provisória no valor de um salário-mínimo a
cada família residente nas comunidades do Baixo Madeira, inclusive da Gleba Rio
Preto, até a extinção do processo judicial e dos problemas estruturais de
deslocamento. Para isso, Incra ou Prefeitura deverão informar, conforme seus
cadastros públicos, quem são os moradores das comunidades – somente uma única
pessoa da família receberá o valor, preferencialmente mulheres. A Prefeitura
deverá atualizar o cadastro de famílias a cada dois anos. Os pagamentos devem
se iniciar no prazo de 90 dias após eventual decisão judicial, sob pena de
multa.
Outro pedido na ação é para que a União seja obrigada a fornecer ao Governo de
Rondônia um helicóptero para atendimento emergencial das comunidades do Baixo
Madeira e região, inclusive da Gleba Rio Preto. A aeronave deverá ficar à
disposição em local estratégico e não poderá ser usada para outra finalidade.
Seu uso deverá ocorrer em situações de urgência, quando o socorro médico no
local não for suficiente e o deslocamento por rio ou terra puder comprometer a
vida do paciente, pelo longo tempo até chegar a um hospital mais estruturado.
Além disso, o uso da aeronave deve ser integrado ao Sistema Único de Saúde
(SUS). O helicóptero deve ser fornecido pela União no prazo de 90 dias da
decisão judicial requerida, sob pena de multa.
Em relação ao Estado de Rondônia, MPF e DPU requerem que a Justiça Federal
determine a construção de um heliporto em cada comunidade ou a adaptação de
áreas públicas já existentes, como campos de futebol, por exemplo, no prazo de
120 dias da decisão, sob pena de multa.
Rota
turística e expressa – Além dos pedidos urgentes, a ação
também tem pedidos de estrutura de transporte e acesso das comunidades à sede
do município. MPF e DPU requerem que a Prefeitura de Porto Velho seja condenada
a providenciar transporte fluvial de passageiros, das seguintes formas:
• Rota completa e lenta - uma rota diária (ida e volta) entre o centro urbano
de Porto Velho e a comunidade de São Carlos (na boca do rio Jamari) e entre
esta e as demais comunidades do Baixo Madeira e região, incluindo a Gleba Rio
Preto. A rota deverá ser feita por embarcação com grande capacidade de
passageiros, a fim de permitir viagens seguras e com apelo turístico.
• Rotas expressas: uma rota diária (ida e volta) entre a comunidade de São
Carlos (foz do rio Jamari) e todas as comunidades do Baixo Madeira e região,
inclusive com modal que atenda aos moradores da Gleba Rio Preto, a ser feita
com barcos expressos e velozes, com capacidade reduzida de passageiros.
MPF e DPU pedem que a União doe
as embarcações das rotas para que a Prefeitura execute os serviços. Além disso,
a União deverá subsidiar as passagens dos moradores das comunidades ribeirinhas
e da Gleba Rio Preto, que terão transporte gratuito nas embarcações por 10
anos. Turistas e demais passageiros devem pagar pelas passagens, normalmente.
Os órgãos ainda requerem que a
Prefeitura construa estações de embarque e desembarque de passageiros e
mercadorias (cais) no centro urbano de Porto Velho, na comunidade de São Carlos
e em cada comunidade do Baixo Madeira e região, inclusive na Gleba Rio Preto,
com tecnologia de engenharia que faça a plataforma resistir às cheias e se
adaptar aos períodos de seca, de modo que possa ser usada ao longo de todo o
ano. Na Vila Rio Preto, o cais deverá ser construído no Rio Preto e no Rio
Machado. A União deverá repassar à Prefeitura o recurso para esses cais.
Transporte
de cargas e mercadorias – MPF e DPU também pedem que
a União seja condenada a efetivar medidas para o transporte de cargas e
mercadorias do Baixo Madeira e Gleba Rio Preto, como:
• Doação de veículos com tração 4x4 para transporte terrestre de mercadorias,
em apoio ao escoamento da produção dos produtores locais, bem como para receber
produtos adquiridos pelos comerciantes locais. A manutenção dos veículos deverá
ser feita pela Prefeitura de Porto Velho, pelo prazo de 10 anos. Após esse
período, os produtores locais deverão arcar com a manutenção dos veículos.
• Doação de embarcação específica para cada comunidade, com a finalidade de
transportar e escoar a produção local, custeando o serviço por 10 anos,
mediante repasse à Prefeitura dos valores correspondentes ao preço ideal que
deixará de ser cobrado dos usuários.
• Definição de horários e calendário de funcionamento e rotas de entrega, que
deverá considerar o interesse dos produtores locais, que terão esse transporte
gratuito por 10 anos. Na Vila Rio Preto, as embarcações deverão atendê-los no
Rio Preto e no Rio Machado.
• Operacionalização, pela Prefeitura, do serviço de escoamento da produção das
comunidades, mediante o uso da embarcação fornecida pela União.
MPF e DPU pedem ainda que União e Estado de Rondônia paguem indenização por danos
morais - de R$ 5 milhões e R$ 3 milhões, respectivamente - a serem usados em
partes iguais para cada comunidade e conforme deliberação dos moradores locais,
com apoio e intervenção da Prefeitura.
Os órgão também requerem que a União, o Estado e a Prefeitura paguem
compensação individual a cada morador das comunidades no valor de R$ 10 mil,
desde que esteja residindo no local há, pelo menos, três anos.
Por fim, MPF e DPU requerem que, após a concessão da liminar, seja realizada
audiência de conciliação presencial, possibilitando a participação de
representantes de todas as comunidades, bem como uma audiência pública e, caso
não seja possível um acordo, inspeção judicial com participação obrigatória de
representantes dos réus.
Liminar
– No dia 27 de setembro, a Justiça Federal negou o pedido de
liminar da ação do MPF e DPU. Conforme consta na decisão, após a colheita das
informações pertinentes e dos planos de ação existentes sobre as situações
relatadas na ação e apresentação das contestações, a Justiça avaliará a
viabilidade de audiência de conciliação.
Ação civil pública n°
1013723-83.2024.4.01.4100
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