Terça-feira, 8 de outubro de 2024 - 14h20
O Ministério Público Federal
(MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União
(DPU) entraram com uma ação na Justiça Federal pedindo a condenação da União,
do Estado de Rondônia e da Prefeitura de Porto Velho para criação urgente de um
Protocolo Emergencial Multifásico Gradual relacionado à qualidade do ar. O
objetivo é que esse protocolo sirva para lidar com a situação emergencial de poluição
do ar atmosférico com base em critérios técnicos e orientações da Organização
Mundial de Saúde (OMS), bem como de outros órgãos de saúde.
O protocolo a ser criado pela União, Estado de Rondônia e Prefeitura de Porto
Velho deve considerar a qualidade do ar para avaliar e recomendar ou
determinar:
• uso de máscaras (NR95 e PFF2, as únicas recomendadas) em
locais públicos e privados;
• teletrabalho;
• suspensão de atividades não essenciais;
• fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI),
como máscaras, óculos de proteção etc, a servidores públicos e determinação
para que empresas e entidades privadas forneçam o EPI a seus trabalhadores;
• suspensão de qualquer atividade não essencial, mesmo que
com uso de EPI, dependendo do grau de poluição;
• suspensão de autorização para realização de atividades
aglomerativas (shows, corridas de rua, festivais etc);
• informativos oficiais de orientações gerais à população
para minimizar os impactos na vida e saúde das pessoas;
• regras gerais a outros municípios, considerando o nível de
qualidade do ar atmosférico em cada um;
• atualização constante do protocolo, com orientações
adequadas à população e designação automática de servidores para teletrabalho a
partir de determinado índice de poluição, não autorização de eventos
aglomerativos, determinação de uso de máscaras em locais públicos e privados,
suspensão de aulas etc.
Os órgãos fiscalizadores pedem, na ação, que os réus sejam também condenados ao
pagamento de indenização por dano moral coletivo à saúde, no total de R$ 100
milhões, a ser destinado ao fundo de saúde coletiva, para implantação de
medidas de prevenção e enfrentamento dos efeitos da poluição atmosférica em
Rondônia. Além disto, querem que os réus sejam obrigados a pagar indenização
por dano moral individual às pessoas que comprovarem que tiveram ou agravaram
problemas de saúde relacionadas com a poluição do ar no período da atual crise
climática, em valor correspondente ao dano.
Assinaram a ação civil pública os procuradores da República Raphael Bevilaqua,
Gabriel de Amorim e Thiago Fernandes de Figueiredo Carvalho, os procuradores do
Trabalho Camilla Holanda Mendes da Rocha e Carlos Alberto Lopes de Oliveira e o
defensor público federal Thiago Roberto Mioto.
Crise climática e de gestão – Porto Velho está há
praticamente dois meses como a cidade com o ar mais poluído do Brasil e, por
vezes, até a mais poluída do mundo, segundo dados da plataforma de
monitoramento suíça Iq Air.
O MPF, o MPT e a DPU já tentaram amigavelmente que União, Estado de Rondônia e
Prefeitura de Porto Velho elaborassem um protocolo sobre a qualidade do ar. Os
órgãos fiscalizadores expediram uma recomendação, mas os entes do Executivo
apresentaram apenas esclarecimentos e ações que não indicavam a criação de
protocolo sobre a qualidade do ar.
O governo estadual informou que pediu auxílio do governo federal em 3 de
setembro. Nessa época, a situação já estava em níveis altamente críticos e,
mesmo assim, o pedido não tinha relação com protocolo técnico científico para
lidar com a problemática. A Prefeitura de Porto Velho sequer conseguiu
responder objetivamente ao que foi recomendado. Em 25 de setembro, a União
respondeu que está trabalhando em protocolos, mas alegou que a melhoria efetiva
da qualidade do ar em Rondônia e Porto Velho está diretamente condicionada à
redução dos incêndios florestais e queimadas.
“É estarrecedor o descaso das autoridades públicas para com a saúde pública da
população. Apenas para ilustrar a gravidade, vale colacionar resposta do
Hospital 9 de Julho a questionamentos do MPF, em Porto Velho, indicando
disparada no número de atendimentos realizados em decorrência de problemas
respiratórios. Entre o começo de agosto e até 11 de setembro, houve aumento
superior a 100%, tomando como referência os meses de agosto e setembro de 2022
e 2023. Tímida tem sido a resposta do poder público, limitando-se a alguns
informes técnicos com quase nenhuma divulgação. O Município de Porto Velho não
emitiu nenhuma orientação até o momento, tendo emitido apenas um alerta em
razão do aumento da temperatura após o recebimento da recomendação”, relataram
os órgãos fiscalizadores na ação civil pública.
Segundo eles, a omissão dos entes do Executivo provocou desinformação entre a
população em meio a alta periculosidade do monóxido de carbono no ar
atmosférico, que se liga à hemoglobina – proteína que é a responsável pelo
transporte de oxigênio no sangue – e prejudica a oxigenação dos tecidos do
corpo, mesmo quando a pessoa respira uma quantidade suficiente de ar. Os
sintomas de uma intoxicação leve incluem dores de cabeça, enjoos, sonolência e
confusão, que muitas vezes as vítimas concluem que são sintomas de outras
doenças, como enxaqueca, intoxicação alimentar ou por bebidas alcoólicas.
O boletim da Vigilância em Saúde de Populações Expostas à Poluição Atmosférica
(Vigiar) orientava a população a evitar exposição à fumaça e não praticar
atividades físicas ao ar livre. Essas mesmas orientações foram repetidas em
todos os boletins informativos divulgados pelo governo estadual. Na prática,
não houve suspensão de nenhuma atividade aglomerativa ao ar livre, realizadas
por particulares, como feiras de exposição agropecuária (como Pimenta Bueno e
Jaru, por exemplo), shows, corridas de rua (em Ji-Paraná, Jaru e Buritis, por
exemplo).
O próprio Estado de Rondônia promoveu e organizou atividades como competições
extenuantes ao ar livre (atletismo, por exemplo) e empregou mais de R$ 1 milhão
para realização dos Jogos Intermunicipais 2024 na cidade de Cacoal, na semana
de 20 a 22 de setembro. Entretanto, o próprio governo estadual divulgou no
Boletim Informativo Vigiar 8 que a situação do ar em todo o estado no período
de realização dos Jogos Intermunicipais variava entre moderada, ruim e muito ruim.
“Além de não determinar à iniciativa privada a restrição de atividades que
possam colocar em risco a vida e saúde da população, o próprio Estado,
diretamente, fomentou a participação das pessoas em atividades físicas ao ar
livre, com competições, inclusive, de caráter extenuante, sem falar no
dispêndio de recursos públicos para tal finalidade, quando o consenso
científico, que o próprio Estado publica, recomenda o contrário. […] Pessoas
estão padecendo sem acesso à informação e orientações adequadas e a ações
minimizantes do Poder Público em tempo hábil”, apontam os órgãos fiscalizadores
na ação.
Para os autores da ação, a situação climática é insustentável e as ações do
Poder Público não são pautadas em ciência e tecnicidade. Inúmeras pessoas são
afetadas diariamente e não há ação informativa, preventiva ou de minimizar
impactos na vida e saúde das pessoas.
Ação civil pública nº 1015447-25.2024.4.01.4100
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