Sexta-feira, 14 de setembro de 2007 - 06h22
Dia da Cruz
Hoje é o Dia da Cruz, não se tratando da Cruz Vermelha Brasileira ou Internacional, mas sim da Cruz do Calvário.
- É um dia de profunda meditação - sem relacionamento com o nosso Senado da República.
A imprensa perdeu
Absolvido no primeiro julgamento por falta de decoro parlamentar, Renan Calheiros se torna o inimigo número um da imprensa. Seu grande crime: impedir o acesso à informação.
- Foram duas as agressões: a primeira, escancarada, foi a absolvição do presidente do Congresso, Renan Calheiros que, segundo a Polícia Federal, cometeu vários ilícitos. A segunda agressão, mais grave, aterradora, pode ser chamada de "apagão" institucional. O Senado da República foi convertido num verdadeiro porão - fechado, lacrado, blindado ao escrutínio da sociedade, ilha autoritária em plena Praça dos Três Poderes.
A varredura eletrônica do plenário, a proibição do uso de computadores pelos senadores, a recomendação para que os celulares fossem desligados, e, o pugilato entre os leões-de-chácara e os deputados que foram autorizados pelo STF a assistir ao julgamento, desvendam a razão do secretismo da sessão: impedir a presença da mídia. Renan Calheiros e os cangaceiros de todo o país que o apóiam sabiam que a presença da imprensa seria a única força capaz de impedir a absolvição. Apostaram todas as fichas no sigilo. Não se importavam em agredir a sociedade, só não queriam testemunhas. Os malfeitores trabalharam no escuro, eles têm prática, ganharam o primeiro round. Nos próximos, será diferente - terão que ser travados às claras.
Vitória do Senado
O Senado Federal disse claramente aos brasileiros que não considera haver provas suficientes para cassar o mandato do seu presidente por falta de decoro parlamentar.
Tecnicamente, o julgamento foi perfeito. Segundo o senador Francisco Dornelles, do PP do Rio, ex-secretário da Receita Federal, não há provas nem mesmo de crime tributário contra Renan Calheiros no caso do pagamento de pensão à sua ex-namorada, Mônica Veloso. Dornelles não escondeu seu voto. Pelo contrário: mandou sua assessoria distribuir um comunicado relatando sua intervenção em defesa de Renan durante a sessão secreta. O argumento do ex-secretário da Receita Federal pesou no julgamento, dando aos indecisos um argumento técnico para a abstenção ou para o voto na presunção de inocência.
Mas apenas o jornal Estado de S.Paulo deu atenção ao detalhe, que poderia mudar as opiniões sobre a decisão do Senado. Ao escolher a decisão técnica, contra a pressão absoluta da imprensa, o Senado sai vencedor.
Derrota do Senado
A Folha de S.Paulo publicou entrevista do senador petista Aloizio Mercadante, na qual ele cita o parecer de Dornelles para justificar sua abstenção. Mercadante afirma que, ao se dar conta de que, tecnicamente, não havia como condenar Renan, apresentou requerimento para adiar a sessão, mas foi derrotado no encaminhamento. Segundo Mercadante, até mesmo o senador Eduardo Suplicy se convenceu, com a explicação do ex-secretário da Receita, de que Renan não havia atentado contra o decoro parlamentar no caso específico em que estava sendo acusado.
Mas o julgamento de Renan Calheiros também é político. A considerar a reação unânime da imprensa, o Senado foi condenado ao absolver seu presidente.
O umbigo da imprensa
Os jornais de ontem estampam o conflito que se estabeleceu entre o Poder Legislativo da República, e o informal - mas, concreto poder da mídia. O Senado ignorou a pressão unânime da imprensa. Resta à imprensa explicar aos seus leitores o que, realmente, aconteceu.
Aposta errada
Não basta, como faz a Folha de S.Paulo, dizer que alguns senadores mentiram ao anunciar que votariam pela cassação, e, optando, depois, pelo voto a favor de Renan ou pela abstenção. Com base nas declarações de intenção de voto, a Folha havia apostado na cassação por 41 a 37. O imenso umbigo do jornal o impede de admitir que os senadores possam, simplesmente, ter mudado de idéia, diante do argumento de um especialista de que não havia provas para tirar o mandato de Renan Calheiros.
O Globo chamou os senadores de covardes. Um de seus colunistas chegou a afirmar que o Senado Federal acaba de cometer suicídio coletivo.
Considerando-se que os parlamentares precisam da opinião pública a seu favor, pode-se imaginar o contrário, ou seja, que os senadores foram corajosos ao afrontar a vontade unânime da mídia, correndo o risco de serem execrados na próxima eleição.
Hora de investigar
Renan ainda terá de responder a, pelo menos, duas outras acusações. Antes disso, certamente, o Senado terá mudado as regras, impedindo que se repita a sessão secreta que produziu cenas de luta-livre na porta do plenário, entre seguranças e deputados.
Está mais do que na hora de a imprensa retomar seu verdadeiro papel, o de informar a opinião pública. É preciso investigar a vida de Renan Calheiros. Mas, também, seria útil conhecer melhor os senadores que ele ameaçou, quarta-feira, durante os debates.
A sociedade precisa saber, afinal, o que esses parlamentares têm a esconder.
Algumas dúvidas
A absolvição de Renan Calheiros, no julgamento específico sobre a origem do dinheiro que paga a pensão da ex-namorada e à sua filha, cria um momento único para a análise da imprensa. A imprensa não pode descartar a hipótese de que o Senado tenha votado conscientemente contra a cassação, por não haver provas de que ele tenha usado dinheiro da empreiteira para cobrir as despesas. Também, não é absoluta a afirmação de que a votação tenha sido resultado, apenas, de manobras do Governo. Afinal, pelo menos, cinco senadores do Partido Democratas e três do PSDB teriam votado a favor de Renan. E não consta que esses dois partidos tenham qualquer afinidade com os interesses do governo.
Além disso, a julgar pelo clima de guerra que se estabeleceu após o julgamento, com a oposição decidida a bloquear a votação da CPMF, o Executivo pode sair perdendo com a absolvição de Renan. Não basta fazer afirmações para que a verdade apareça.
O clamor público
A Ordem dos Advogados do Brasil distribuiu nota à imprensa para protestar contra o resultado do julgamento. O presidente da OAB, Cezar Britto, disse à Folha de S.Paulo, que o resultado da votação, na contramão do clamor público, distancia, ainda, mais o Senado da sociedade.
O jornal não lhe perguntou se, em qualquer caso de clamor público, os advogados deveriam ser dispensados da defesa, já que a condenação, no seu entender, seria automática. O Senado ignorou o clamor público. Cada senador votou conforme sua vontade, entre as pressões da imprensa e do Governo.
Renan Calheiros, ainda, vai ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Ele é alvo do inquérito policial número 2.593, acusado de corrupção, uso de notas frias e enriquecimento ilícito.
Mais uma oportunidade para uma Justiça que satisfaça a imprensa e o clamor público.
Pergunta idiota
- Uma curiosidade me tirou o sono, na noite passada: o que fizeram os senadores rondonianos (Expedito, Fátima, e Valdir), na votação que absolveu o pecuarista RC?
Para refletir
Enquanto durava a sessão secreta que absolveu Renan Calheiros, a TV Senado exibia uma reportagem sobre a produção bovina - o mundo dos bois nacionais. O programa mostrou como anda moderna a pecuária no Brasil. Mostrou como a carne bovina brasileira vem conquistando o imenso mercado internacional. Nada mais adequado. Parecia uma fina ironia. Um programa com tal enfoque justamente no momento em que o presidente da Casa estava sendo julgado sob a acusação, entre outras, de usar notas frias no comércio de sua manada de ouro na sua Fazenda de Alagoas.
Renan Calheiros, um político profissional oriundo da classe média alagoana, tornou-se um homem rico. Seu patrimônio oficial é avaliado em mais de uma dezena de milhões de reais. Deveria ser capa das revistas que tratam de negócios. Um homem que se dedica, diuturnamente, à política, há mais de duas décadas, conseguiu amealhar tamanho patrimônio.
- Um exemplo da capacidade empreendedora nacional, agora, com o aval da maioria dos senadores.
Fonte: roquevha@hotmail.com
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