Segunda-feira, 1 de abril de 2024 - 12h10
Eu nasci em 1964, mas quero perguntar outra coisa: A
Páscoa combina ou não com 1964?
O
único leitor e a única leitora disposta poderão dizer o que pensam.
Em
todo caso, muito se falou a partir da redemocratização, sobretudo, após a
Constituinte de 1985, sobre a ditadura civil-militar de 1964. Muito ainda se
fala sobre o golpe de 1964, sobre as incontáveis violações de direitos, as
mortes, as torturas, todas as abominações que possamos intuir, presumir.
Alguns,
em 2024 – por incrível que pareça uns 20% da população –, são saudosistas do
período. Lembro-me de que, quando era menino, ouvia nas ruas (e de um primo
afastado na família, que tentara a vida militar), que o regime militar fora
honesto.
Bem,
quanto a essa honestidade, como se dizia há algum tempo, bastaria uma auditoria
sobre o endividamento do país para checarmos a alegação. Claro que isto nunca
foi feito. E é óbvio que o “bolo crescia só de um lado” – se fosse parafrasear
Delfin Neto, o reinante ministro da Economia.
Os indivíduos
mais abortivos da democracia, ainda hoje, trazem à memória o hino positivista aposto
na Bandeira Nacional – aqueles dizeres inspirados em Auguste Comte, com seus
“ordem e progresso”. A ordem, como sabemos, produziu a clivagem social,
cultural, econômica, um aprofundamento no perverso pensamento escravista
(racismo + trabalho escravo) e a incontável, incomensurável, marginalização,
favelização, guetualização no país todo e entre as regiões.
Nunca se difundiu tanto, como nesse período, na
nossa história, a tese do “crime de vadiagem”: por suposto, era tratado como
vadio o povo pobre, negro e oprimido. Também prosperou demais a tese do “é
dando que se recebe” e aquela clássica “ocasião que faz o ladrão”. Portanto, o
progresso sempre fora (e é) periférico, ao alcance do capitalismo rentista.
Disso surgiu outro slogan – que crucificaria Cristo novamente: “bandido bom, é
bandido morto”.
Vimos
uma total decadência moral, social, dos direitos de cidadania, dos direitos
políticos e sociais, do conjunto complexo dos direitos humanos: culturas
indígenas inteiras foram exterminadas em nome desse “progresso”. Dessa sopa de
maldades surgiu o tal “cidadão de bem”, que prefiro denominar como “cidadão de
bens”, em que pese alguns pobres, muito pobres em tudo, defenderem essa visão
canhestra de Brasil.
Foi
essa somatória entre “cidadãos de bens” (abençoados pelo butim do capital de
rapina) e o resiliente pensamento escravista que nos trouxe 2018: a eleição do
capitão, expulso do exército, que subordinou seus generais na pior loucura
nacional. A pandemia foi exemplo clássico com sua incapacidade logística,
sequer, para distribuir aparelhos respiratórios onde fossem mais necessários.
Sem contar as fraudes e a negação da vacina, da ciência e, é claro, do direito
à vida do povo brasileiro.
Em
2024, olhando para trás, felizmente, uma grande parcela do povo brasileiro não
se encantou com o 8 de janeiro (do antepasto de 2023). Todos sabem que o 8 de
janeiro foi o ápice da tentativa de outro Golpe de Estado. É claro que a
baderna, a destruição do patrimônio público está nesse pacote. Porém, o
objetivo terrorista, como as provas em abundância já discriminam, era a tomada
dos três poderes: o emprego da GLO (Garantia de lei e ordem), subscrevendo-se
com a decretação de um Estado de Sítio, viria a coroar outra noite escura da
democracia brasileira. Não veio, foi contida a trama golpista que o Supremo
Tribunal Federal (STF) julgará em breve.
Contudo,
como se fosse um roteiro de novela de 5ª categoria (protagonizada pela famosa
“5ª série”), os tentáculos estão por aí. Por falar em STF, por mais
estapafúrdio que seja, ainda está em julgamento (3x0) a tese jurídica de que
“as forças armadas detêm o imperial poder moderador”.
Posso
demonstrar o quanto é esdrúxula essa composição golpista, que se supõe
“interpretar o artigo 142 da Constituição Federal de 1988” (CF88), mas para
hoje basta ver como já votaram alguns ministros[1]. Para
hoje, a considerar a ausência absoluta de amparo legal para esta “tese” (da
lavra de Yves Gandra Martins), quero concluir que o Golpe de 1964 foi o
prenúncio de uma série de golpes posteriores: cada Ato Institucional, passando
pela Constituição de 1969, foi agravando a “institucionalidade do golpe
original”. Foi um looping: uma exceção, exclusão (à regra democrática), gerava
outra exceção mais perigosa, mais letal.
Compreendo que o 1º de
Abril de 1964 combina perfeitamente
com o 8 de Janeiro de 2023. Não bastasse o culto ao militarismo, à arte da
guerra, ao impulso de violência, "pulsão de morte" ("vita mea,
mors tua"), há a secreção do golpismo.
O golpismo e seus golpistas
são fáceis de definir e de localizar: além dessa pulsão pela dor do Outro,
predomina em sua lógica a premissa da exceção. A exceção que deve substituir,
subjugar, a regra da democracia, da cidadania, dos direitos humanos fundamentais.
Por isso, em sua lógica
excepcional, o golpismo (qualquer que seja o tom, as cores, a vibração) impõe
uma série (ordem) de exclusões. O único progresso que se conhece é o da
exceção geradora de outras exceções, exclusões.
A exclusão é o mote principal
do golpismo, é a sua "regra de exceção"; ao passo que a democracia,
em oposição, propõe a inclusão. A começar pelos Direitos Humanos de 1948, em
que a própria democracia figura como direito humano (art. 21 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos).
Também
quero concluir com a observação, pesarosa, de que o pensamento golpista não nos
abandonará tão cedo: o 8 de janeiro é um dia retumbante na memória dos
democratas – e um sonho inacabado para os golpistas e adoradores do pensamento
escravista do século XXI.
Por fim, pelo conjunto da obra, penso no golpe de
1964 como aquele protagonizado no dia 1º de Abril – em função de todas as
mentiras contadas e recontadas pelos inimigos da democracia, da cidadania, dos
direitos humanos fundamentais.
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