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Vinício Carrilho

1º de Abril de 1964 - 60 Anos do Golpe


1º de Abril de 1964 - 60 Anos do Golpe - Gente de Opinião

 Eu nasci em 1964, mas quero perguntar outra coisa: A Páscoa combina ou não com 1964?

          O único leitor e a única leitora disposta poderão dizer o que pensam.    

         

          Em todo caso, muito se falou a partir da redemocratização, sobretudo, após a Constituinte de 1985, sobre a ditadura civil-militar de 1964. Muito ainda se fala sobre o golpe de 1964, sobre as incontáveis violações de direitos, as mortes, as torturas, todas as abominações que possamos intuir, presumir.

          Alguns, em 2024 – por incrível que pareça uns 20% da população –, são saudosistas do período. Lembro-me de que, quando era menino, ouvia nas ruas (e de um primo afastado na família, que tentara a vida militar), que o regime militar fora honesto.

          Bem, quanto a essa honestidade, como se dizia há algum tempo, bastaria uma auditoria sobre o endividamento do país para checarmos a alegação. Claro que isto nunca foi feito. E é óbvio que o “bolo crescia só de um lado” – se fosse parafrasear Delfin Neto, o reinante ministro da Economia.

          Os indivíduos mais abortivos da democracia, ainda hoje, trazem à memória o hino positivista aposto na Bandeira Nacional – aqueles dizeres inspirados em Auguste Comte, com seus “ordem e progresso”. A ordem, como sabemos, produziu a clivagem social, cultural, econômica, um aprofundamento no perverso pensamento escravista (racismo + trabalho escravo) e a incontável, incomensurável, marginalização, favelização, guetualização no país todo e entre as regiões.

 Nunca se difundiu tanto, como nesse período, na nossa história, a tese do “crime de vadiagem”: por suposto, era tratado como vadio o povo pobre, negro e oprimido. Também prosperou demais a tese do “é dando que se recebe” e aquela clássica “ocasião que faz o ladrão”. Portanto, o progresso sempre fora (e é) periférico, ao alcance do capitalismo rentista. Disso surgiu outro slogan – que crucificaria Cristo novamente: “bandido bom, é bandido morto”.

          Vimos uma total decadência moral, social, dos direitos de cidadania, dos direitos políticos e sociais, do conjunto complexo dos direitos humanos: culturas indígenas inteiras foram exterminadas em nome desse “progresso”. Dessa sopa de maldades surgiu o tal “cidadão de bem”, que prefiro denominar como “cidadão de bens”, em que pese alguns pobres, muito pobres em tudo, defenderem essa visão canhestra de Brasil.

          Foi essa somatória entre “cidadãos de bens” (abençoados pelo butim do capital de rapina) e o resiliente pensamento escravista que nos trouxe 2018: a eleição do capitão, expulso do exército, que subordinou seus generais na pior loucura nacional. A pandemia foi exemplo clássico com sua incapacidade logística, sequer, para distribuir aparelhos respiratórios onde fossem mais necessários. Sem contar as fraudes e a negação da vacina, da ciência e, é claro, do direito à vida do povo brasileiro.

          Em 2024, olhando para trás, felizmente, uma grande parcela do povo brasileiro não se encantou com o 8 de janeiro (do antepasto de 2023). Todos sabem que o 8 de janeiro foi o ápice da tentativa de outro Golpe de Estado. É claro que a baderna, a destruição do patrimônio público está nesse pacote. Porém, o objetivo terrorista, como as provas em abundância já discriminam, era a tomada dos três poderes: o emprego da GLO (Garantia de lei e ordem), subscrevendo-se com a decretação de um Estado de Sítio, viria a coroar outra noite escura da democracia brasileira. Não veio, foi contida a trama golpista que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará em breve.

          Contudo, como se fosse um roteiro de novela de 5ª categoria (protagonizada pela famosa “5ª série”), os tentáculos estão por aí. Por falar em STF, por mais estapafúrdio que seja, ainda está em julgamento (3x0) a tese jurídica de que “as forças armadas detêm o imperial poder moderador”.

          Posso demonstrar o quanto é esdrúxula essa composição golpista, que se supõe “interpretar o artigo 142 da Constituição Federal de 1988” (CF88), mas para hoje basta ver como já votaram alguns ministros[1]. Para hoje, a considerar a ausência absoluta de amparo legal para esta “tese” (da lavra de Yves Gandra Martins), quero concluir que o Golpe de 1964 foi o prenúncio de uma série de golpes posteriores: cada Ato Institucional, passando pela Constituição de 1969, foi agravando a “institucionalidade do golpe original”. Foi um looping: uma exceção, exclusão (à regra democrática), gerava outra exceção mais perigosa, mais letal.

          Compreendo que o 1º de Abril de 1964 combina perfeitamente com o 8 de Janeiro de 2023. Não bastasse o culto ao militarismo, à arte da guerra, ao impulso de violência, "pulsão de morte" ("vita mea, mors tua"), há a secreção do golpismo.

O golpismo e seus golpistas são fáceis de definir e de localizar: além dessa pulsão pela dor do Outro, predomina em sua lógica a premissa da exceção. A exceção que deve substituir, subjugar, a regra da democracia, da cidadania, dos direitos humanos fundamentais. 

Por isso, em sua lógica excepcional, o golpismo (qualquer que seja o tom, as cores, a vibração) impõe uma série (ordem) de exclusões. O único progresso que se conhece é o da exceção geradora de outras exceções, exclusões.

A exclusão é o mote principal do golpismo, é a sua "regra de exceção"; ao passo que a democracia, em oposição, propõe a inclusão. A começar pelos Direitos Humanos de 1948, em que a própria democracia figura como direito humano (art. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

          Também quero concluir com a observação, pesarosa, de que o pensamento golpista não nos abandonará tão cedo: o 8 de janeiro é um dia retumbante na memória dos democratas – e um sonho inacabado para os golpistas e adoradores do pensamento escravista do século XXI.

Por fim, pelo conjunto da obra, penso no golpe de 1964 como aquele protagonizado no dia 1º de Abril – em função de todas as mentiras contadas e recontadas pelos inimigos da democracia, da cidadania, dos direitos humanos fundamentais.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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