Segunda-feira, 6 de maio de 2024 - 15h05
É fato que, ao longo dos séculos, alguém sempre apontou para
o Armagedon – e a Segunda Grande Guerra, com o implemento da Bomba Atômica, seguindo-se
pela Guerra Fria, nos deixaram bem perto disso. Portanto, o “fim dos tempos”
nunca foi novidade. Isso até hoje, porque, agora, “2001 – Uma Odisseia no
Espaço” já é a nossa próxima viagem ... ou parada. O Hal não precisa de
pilotos, assim como a Inteligência Artificial (IA) não precisa da humanidade –
os usos atuais da IA não condizem, exatamente, com a profusão da dignidade
humana. Basta-nos analisar a fase superior do capitalismo sob a imposição do
sistema financeiro e do rentismo: uma mais valia automatizada pela IA.
Numa conclusão antecipada diremos que o reducionismo nos
limita, atualmente, a suprimir a virtualidade, impondo-se uma visão de mundo
limitada à crítica da forma hegemônica da “digitalização da vida social”. Não
que não ocorra isso, é claro que sim, e seus efeitos políticos, além de
gigantescos, estão resumidos no fato de que seis empresas transglobais de
tecnologia e de informação (entretenimento) acumulam o poder mundial.
No entanto, um pouco da “Antropologia Política do virtual” amplia
nossa visão de mundo e nos auxilia no entendimento mais sofisticado desse
“novo” percurso. Pierre Lévy diz que "o virtual não é bom, nem mal".
A metáfora das duas faces de uma moeda é boa para compreender o humano: desde o
Mito de Prometeu, como expressão do conhecimento e da técnica, podemos ver o
longo processo de hominização e as "criações" de rotinas e de trilhas
elaboradas com o emprego da técnica: nossos extensores técnicos e
"suportes da vida" são a "cara metade" da sobrevivência da
espécie, da cultura, das primeiras "formas analógicas de sociabilidade”
(um tipo de Ür social). Então, como duas expressões impressas desde o
início, técnica e humanização mostram o que sempre fomos enquanto espécie (em
constante "atualização"). O aprimoramento técnico sempre se serviu da
hominização, tanto quanto o aprofundamento da inteligência social se garantia
(garante) com o uso instrumental/essencial (adaptação, transformação) que a
técnica impunha e impõe.
Por isso, também é possível visualizar que os
suportes (a própria virtualização humana), de um lado, permitiram a
"socialização da sobrevivência" (a virtualidade da "semente
humana" que germinou e se afirmou como consanguínea do aprimoramento
técnico: o domínio do fogo é um exemplo) e, por outro, revelam a face da nossa
inexorável dependência da técnica (tecnologia). Também por isso podemos afirmar
que o virtual (as virtualidades da espécie humana) não é neutro. O
virtual, como face humana (os suportes técnicos da sobrevivência e afirmação
humana: hominização) é político.
O virtual é profundamente político e a prova
disso está no Neolítico, no Ürstaat, nos sumérios: a forma-Estado que só
acentuou o berço do “fazer-se política”, depois afirmado na Polis e na techné.
Nossa Antropologia Política do virtual, por seu turno, não pode ser datada ou
quantificada, da mesma forma como é impossível saber quantas vezes a humanidade
criou, recriou, a forma do martelo como extensão de si, enquanto suporte
do trabalho, da guerra e do esporte (nas Olimpíadas desde a Grécia antiga).
Entretanto, é possível precisar uma “atualização”, um estágio da supremacia de
nossa Antropologia Política do virtual com a extinção (absorção por completo)
do Neandertal – a técnica sempre esteve ali, seja como técnica social superior,
seja como técnica militar de domínio e imposição de outra cultura.
Desse modo, a crítica inicial dirige-se à tradução
atual sobre “o que é virtual” (de maneira muito aligeirada, reducionista),
limitando-se à imagem aparente de "digitalização da vida social":
redes sociais por exemplo, com seus programados defeitos antissociais
(algoritmos com retrato racista e fascista são outro exemplo). E já sabemos que
não é ou não se limita a isso. Porém, de modo instrumental, utilizando a
ferramenta (precária) da digitalização da vida social encontraremos uma
"imaginação sociológica" nos anos 1950 (Mills), nos contando e relegando
o posto subalterno do "robô alegre": era o início da obsolescência e
da precarização em que os humanos “viviam” felizes consumindo e jogando fora
seus desejos tecnológicos. A reincidência ou permanência desse gosto
discutível, no século XXI, não é coincidência, é semelhança expandida.
Por outro, pelo viés da Antropologia Política
do virtual, como suportes, meus óculos, notebook e minhas muletas permitem, no
caso concreto, que externalize minha própria hominização – sem que tenha que me
limitar aos tais “desejos tecnológicos” pelo consumismo e modismo pós-moderno.
De modo complementar, observando enquanto
confluência entre a hominização e a técnica, podemos afirmar que a negação não
era uma premissa definitiva na afirmação histórica, tanto é que estamos aqui. A
dialética entre uma acurada técnica e a longa hominização (nem se pode dizer
que tenha sido um processo único ou constante) sempre foi precisamente isso,
isto é, uma dialética entre Homem e técnica: Yin Yang. Até este exato momento em
que escrevo, a humanidade nunca se colocou um problema que não pudesse resolver,
entre Yin e Yang sempre demos um jeito. E o virtual sempre foi um recipiente
vazio à espera da ação humana. O Tao já informava o que é o virtual, antes do
surgimento da cultura ocidental: “o jarro sem o lacre contém o seu significado
específico”.
Esse conjunto de imagens nos lembra que, se o
processo de hominização foi (ainda é) uma constante virtualidade – a dupla face
entre técnica e hominização –, sob a base (i)material imposta pelo
desenvolvimento da Inteligência Artificial, atualmente podemos estar assistindo
ao que Marx não gostaria de ver: a humanidade pode ter-se colocado um problema
incapaz de resolver (e que nasceu com a cara de solução).
A Inteligência Artificial, na fase superior,
quando for uma só inteligência (e não múltiplas, como é hoje), um conjunto
integrado controlativo de tudo, não precisará da inteligência social. O
conjunto hominização/técnica não lhe será determinante, como foi para nós ao
longo da afirmação da supremacia do homo sapiens. Assim como Hal não
precisa de condutores (ele se conduz em meio à desumanização), podemos ter
inventado algo que não precise de nós. Aliás, a dimensão “Nós” (com formação no
Outro/a) não constará de nenhum “Dicionário técnico da humanidade”.
Indiferentes à distopia, ao ilusionismo
ideológico, alguns países (ou indivíduos) intentam formular um Manual de
Direitos Humanos das máquinas (os androides de Blade Runner), o que é revelador
por si, pois deveriam guardar suas energias para a contenção de um problema
(até agora insolúvel) e que salvaguardasse os direitos dos humanos, a começar
do principal: a nossa sobrevivência em meio ao caos moral/social, político e
ambiental.
A desumanização é tão profunda que já
disponibilizamos nossos direitos para máquinas que podem nos suprimir, fazendo
uso de sua “inteligência própria”. O fetichismo nunca foi tão absurdamente
impositivo e negligente com o uso da inteligência humana quanto agora, pois,
trocamos o raciocínio lógico-dedutivo pela distopia mais próxima nas
prateleiras pós-modernas. Seria equivalente a tolerar o “direito nazista” dos
nazistas professarem livremente o nazismo – e que é o “direito nazista de
eliminar quem os nazistas não gostem”.
Ainda que sempre tenhamos capacidade de superação das
contradições e ainda que tenhamos passado perto da aniquilação (ou estejamos
muito perto, no ritmo atual do capitalismo de barbárie e risco), a superação
sempre deu o tom na fórmula da "negação da negação". A superação
sempre foi germinativa (o Utopos da virtualidade) e propositiva
(práxis). Daí a "hominização técnica" como princípio ativo do
Processo Civilizatório.
Em
uma frase: a humanidade sempre foi o Polo ativo, no controle e na determinação
da técnica – para o seu bem e para o seu mal, mas hoje caminha rapidamente para
encerrar seu ciclo de afirmação e de supremacia.
Numa estranha dialética negativa é possível
dizer que, se a técnica é a haste ou uma lente da visão de mundo que se
materializa na hominização, e se a técnica é um produto humano (suporte da vida
social), com a desumanização já gravada na fase atual da Inteligência
Artificial (logo), podemos concluir que inventamos uma técnica (IA) que irá
destruir a própria técnica: essa técnica que prosperou até agora, com a
hominização.
· A IA,
finalmente, irá decretar o fim da história?
· No
futuro próximo seremos capazes de inventar algo mais humanizador do que a IA?
· Se a IA já perfila até o futebol (Botafogo do RJ), seremos inteligentes o suficiente para impedir que o Eu Robô (o “NÓS” não existe para a IA: o título de Asimov não foi à toa) decrete o Estado de Sítio da humanidade inteira?
De todo modo, é fato que a desumanização levará ao fim da techné. Ou já chegamos nesse ponto, e a IA ainda não nos contou.
A ironia final, maior, está em que, no futuro
(talvez não muito distante) o que restará de nós, humanidade, será o nosso
principal produto (suporte), a Inteligência Artificial que nos impôs (impõe) a total
desumanização.
Quando os ETs chegarem à Terra não encontrarão
a humanidade, mas sim a história da humanidade elaborada pela Inteligência Artifiial
– na “narrativa artificial da vencedora”.
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