Sexta-feira, 18 de outubro de 2024 - 13h51
Definitivamente,
Bozo não é um mito!!!
Na mais
inofensiva das possibilidades, Bozo é apenas sinônimo de anticlímax.
Bozo já foi
um personagem circense; porém, coitado do personagem, nada tem a ver com esse
mito caído que a extrema direta inventou (fazendo uso extensivo do chapéu de
alumínio).
Pois bem,
comecemos nosso argumento pelo resumo, e que também é a nossa conclusão:
· Fábula[1] é
mentira (invenção) ou imaginação prolongada, mesmo que termine com uma mensagem
moral.
· Mito é a busca de uma explicação racional para a sobrevivência coletiva.
Portanto,
Bozo não é um mito. É a negação da ideia de mito.
Ao que
seguimos com uma tentativa de explicação do porquê Bozo não ser mito nenhum,
apenas uma mentira da “familícia brasileira”: que é próspera com o fanatismo e
o oportunismo (sempre corrupto).
Vejamos
um argumento racional contra a falácia:
· Nesse caso, no caso do mito, a origem de tudo é a racionalidade – de qualquer mito que preze seu pseudônimo.
Por
exemplo, o mito (Mito do rio Estige, contado por Bacon)[2]
figura como busca racional pela sobrevivência, sem que se utilize de
demonstrações claramente racionais (caso da alegoria da caverna) e com apelo ao
fantástico, uma unidade que pode estar forjada na mentira (o nazismo se
apropriando do "Mito de Arminio") ou no suposto mito do Bozo no
Brasil: o mito caído do Bozo se locupleta não com o fantástico, mas sim com o
fanático-fantasmagórico[3].
Além
disso, o mito construído (coletivamente) sob uma realidade (a sobrevivência)
nos permite concluir que "apenas sob efeito de alguma fábula grotesca"
– desconexa do mundo real – alguém poderia pensar que "a extrema direita
politizou as massas".
Para
sermos mais justos conceitualmente, a extrema direita não alimentou um mito,
muito menos uma alegoria (sair da caverna em busca de conhecimentos – como é o
caso do fundador Mito de Prometeu):
PROMETEU
Ouvi, porém, as
desgraças dos mortais e como eles eram pueris antes de eu os tornar
inteligentes e senhores da razão [...] A princípio, quando viam, viam
falsidades; quando ouviam, não entendiam; e, como as formas dos sonhos,
misturavam tudo ao acaso, durante a longa existência; e não sabiam construir
casas soalheiras de tijolo, nem sabiam trabalhar a madeira; viviam em antros
subterrâneos, como as formigas ligeiras, nas profundidades sem sol das
cavernas. E não tinham indício seguro do Inverno, nem da florida Primavera, nem
do fecundo Verão; mas faziam tudo sem discernimento, até eu lhes ensinar o
enigmático nascer e ocaso dos astros. Também descobri por eles os números, a
principal das invenções engenhosas, e a combinação das letras, memória de tudo
quanto existe, obreira mãe das musas. E fui o primeiro a por sob jugo os
animais[4],
submetendo-os ao cabresto ou aos corpos dos homens, para que sucedessem aos
mortais nos trabalhos mais pesados, e atrelei aos carros cavalos dóceis,
ordenamento de luxo excessivo. E nenhum outro senão eu inventou para os
marinheiros os navios de asas de linho[5],
que vogam pelo mar. E eu, que descobri tudo isto para os mortais — infeliz —
não tenho maneira de me libertar do sofrimento presente
(Ésquilo, 2001, p. 54).
Prometeu
nos deu a chave da compreensão do mundo, o conhecimento de tudo que era
essencial à sobrevivência[6]. Todavia,
em efetivo antagonismo ao Mito de Prometeu (em total exclusão epistemológica),
a nossa extrema direita contou só uma historinha (conto de fábulas para
crianças bem miúdas) em que o Banquete dos Deuses (a Política) não significa
nada, zero à esquerda – literalmente.
Ou seja,
a extrema direita contou uma historinha e o guru dormiu com ela, como um gurí
animado.
O que
ainda permite concluir: na vida adulta, séria, não acredite em fábulas, gurus,
guris lacradores.
Pense nos
bons mitos, deixe a letargia das mentiras - à esquerda e à direita.
Por isso,
tanto a apropriação do Mito de Ermínio pelos nazistas (unidade e espaço vital)
ou o "mito" criado pela extrema direita para o Bozo, sequer são
fábulas (não tem cunho moral, só imoral). São falácias, mentiras grosserias.
Referências
BACON, Francis. A sabedoria dos antigos. São Paulo : Editora da
UNESP, 2002.
CUNHA, Antônio Geraldo
da. Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro, Lexikon, 2010.
ÉSQUILO. Prometeu
Agrilhoado. Lisboa: Edições 70, 2001.
KAFKA, Franz. Narrativas do Espólio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002b.
[1] “tipo de narração alegórica [...] confabulação
[...] fabulista” (Cunha, 2010, p. 283 – grifo nosso). Como se vê em nossa
história muito recente, é por demais óbvio que, Bozo não é fabuloso, é
um fabulista, encantador de incautos e reféns da história da carochinha que os
aprisiona em sua estultice.
[2] Assim nos relatava um dos mais
brilhantes pensadores do Renascimento, Francis Bacon (1561-1626), citando
Ifícrates quando este sintetizou os principais requisitos da independência e do
equilíbrio de poder essenciais às relações entre o Poder Central e os Estados
soberanos: “Uma só garantia entre nós, um só compromisso: provai que pusestes
tanto em nossas mãos que não podereis prejudicar-nos ainda que o quiserdes”. De
fato, quando os meios de lesar são removidos ou quando uma ruptura de tratado
poria em risco a existência e a integridade do Estado e dos recursos, o pacto
pode ser considerado ratificado, sancionado e confirmado como que pelo juramento
do Estige: há então perigo de ser-se expelido dos banquetes dos deuses. Com esse nome os antigos significavam os
direitos, prerrogativas, riqueza e felicidade do Estado” (Bacon, 2002, p. 30-31
– grifo nosso). Como se sabe, de cor e salteado, tudo o que Bozo não fez foi
zelar pelo Poder Público.
[3] Em Kafka (2002) há uma metamorfose como
sinal de fantasmagoria, como desfiguração da normalidade diante do
entorno que o autor vivia (e de sua psique), como prenúncio do proto-fascismo,
a marca clássica da Modernidade Tardia (o símbolo é Auschwitz). O
mito caído do bozo nada fez, além de quebrar as instituições formais do Estado
de Direito, como ausência de representação regular.
[4] A primeira indicação de animais
domesticados foi encontrada em Jericó, na Palestina: cães, cabras e grandes
felinos eram mantidos como animais de estimação. É até comum encontrar
leopardos domésticos em pinturas egípcias antigas, mas o mais famoso era o
gato.
[5] Devem ser as velas.
[6] Neste sentido, Prometeu aqui será
considerado como a simbologia do Homo
faber.
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