Terça-feira, 2 de maio de 2023 - 16h58
O texto pode ser lido como um pano de fundo para
entendermos um pouco a guerra digital travada pelas Big Techs contra o PL das
Fake News. O pano de fundo nos remete às estruturas atuais do capitalismo
financeiro e a captura das subjetividades pelas redes antissociais.
O capitalismo pode, deve, ser mencionado por
inúmeras razões e configurações, conceituações, a começar pela extrema
capacidade de se impor pelas inúmeras formas de exploração e expropriação – e
também, é óbvio, pela infinita capacidade, articulação instrumental, cultural,
que eleva à potência máxima a conhecida “captura das subjetividades” – e que os
mais antigos, bem como Marx, ainda carimbavam como “alienação” (no sentido
menos metafísico, “alienar” significa, implica, em “retirar de si”).
Também é importante destacar que entendemos por
Fascismo Resiliente, continuado, algo como Brecht, em que o Fascismo está
sempre no cio: pode modificar suas formas, roupagens, força e violência, ou
sedução, mas ainda assim será Fascismo. Um resumo de Umberto Eco
(protofascismo) pode nos situar conceitualmente:
1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. Todas as mensagens originais contêm um germe de
sabedoria e verdade primitiva. Como consequência, não pode existir avanço do saber. 2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. O Iluminismo, a
Idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido,
o Ur-Fascismo pode ser definido como irracionalismo.
3. O irracionalismo depende também do culto da
ação pela ação. A ação é bela em si e, portanto, deve ser realizada sem
nenhuma reflexão. 4. Nenhuma forma de sincretismo
pode aceitar críticas. Para o Ur-Fascismo, a crítica e o desacordo são traições. 5. O desacordo é, além disso, um sinal de
diversidade cultural. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição. 6. Uma
das características típicas dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas. 7.
Na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô. Os seguidores têm
que se sentir sitiados e o modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer
apelo à xenofobia. 8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza
ostensiva e pela força do inimigo. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos
de que podem derrotar o inimigo – com isso, porém, revelam-se incapazes de
avaliar a força do inimigo. 9. Não há luta pela vida, mas antes vida para a luta. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a
vida é uma guerra permanente. 10. Há um elitismo
popular, populista, que faz as massas sonharem com o poder. 11. Nessa
perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Esse culto do heroísmo
está estreitamente ligado ao culto da morte, não é por acaso que o mote dos
falangistas era: “Viva la muerte”. (ECO, 1998, p. 43) [1].
Sob as condições negacionistas e de barbarismo
nacional, ainda reduzimos essa experiência protofascista, no Brasil, sob a
alcunha de Necrofascismo (MARTINEZ, 2020), como se fosse uma perversa
conjugação (aberração) entre situações clássicas do Fascismo histórico, nuance
acentuados do Fascismo Nacional (racismo, sexismo, misoginia), de um Terrorismo
de Estado (os equipamentos de oxigênio desviados de Manaus são o melhor
exemplo, além da condição de extinção dos Yanomami) das Guerras Híbridas (KORYBKO,
2018), da Necropolítica (MBEMBE, 2018).
O Terrorismo de Estado (para alguns, genocídio)[2] se apoderou e pôs em ação
muitas investidas institucionais contra o povo e a sociedade – num certo
sentido de Estado de Exceção (AGAMBEM, 2002) ou cesarismo de Estado (GRAMSCI,
2000) –, em rota afirmativa do Bonapartismo soft
(LOSURDO, 2004), porém, vemos com resistência a ideia de um 18 Brumário.
Desde o 8 de janeiro, o golpismo não abre mão de destruir a Política, a
democracia, a Constituição, os direitos fundamentais, isso é certo; contudo,
falta inclusive força e clareza para que avancem em situação de Bonapartismo
(MARX, 1978).
Traremos ao menos uma condição, situação, em que
a captura da subjetividade é orquestrada, melhor dizendo, programa (por
programadores de algoritmos) – leia-se sociedade informática em rede, conceito
que obteríamos unindo algo do capitalismo rentista a partir de Zuboff (2018) e
a própria Sociedade Informática de Adam Schaff (1992). Outros casos que merecem
análises, pontuações, em paralelo são o atual estágio do suposto Estado Burguês
e sua exposição atualíssima na forma de Estado Rentista (MARTINEZ; ROIO, 2022).
Sob esta intempérie das redes sociais planejadas, abocanhadas pelo faschio, ainda podemos investigar pelo
prisma da Multidão conduzida pelo Império – como total destruição da própria
ideia de rede (LÉVY, 1996), contando-se a resistência desde os neozapatista
(HARDT; NEGRI, 2005) até sua capitulação frente às 6, 7 empresas gigantes das
comunicações, entretenimento, produtoras de plataformas digitais. Ao que também
se somaria a incidência, proeminência da Inteligência Artificial no mundo da
vida, nos negócios, nas instituições controlativas e repressivas (NSA) e a
incapacitação jurídica de se fazer frente ao processo, sem que se tomem
decisões efetivas.
A captura de subjetividades, no atual sistema
capitalista, de acordo com Zuboff (2020), pode ser entendida como um “Cavalo de
Troia Tecnológico”, que usa a experiência humana como matéria-prima para a
extração de dados comportamentais, que tiranicamente “se alimenta das pessoas,
mas não é das pessoas”, uma personalização que corrompe, ignora e passa por
cima do que as pessoas têm no seu íntimo. O objetivo desse novo capitalismo não
é dominar a natureza, mas sim, a condição humana:
O foco mudou de máquinas que superam os limites do nosso corpo para
máquinas que modificam o comportamento de indivíduos, grupos e populações em
prol de objetivos mercadológicos [...] Em vez da violência dirigida ao nosso
corpo, a terceira modernidade instrumentária age mais como um processo de domar
(ZUBOFF, 2020, p. 578).
Outra conclusão já nos adianta que, as redes
sociais têm algoritmos com programação fascista (PORTO, 2023). O que já se sabe
faz bem uns 15 anos.
Porém, podemos acrescentar ao efeito de
aprisionamento dos algoritmos e o seu reverso, o cancelamento ou banóptico
(BAUMAN, 2013), um tipo de prende e solta, numa articulação em que a linguagem
deveria receber muito mais atenção.
Enquanto o capital acena com lucros imediatos e
satisfação instantânea (clic e fique rico, compre já sua alegria, seja
feliz!!...), a extrema direita (Fascismo resiliente) anuncia a fórmula sagrada
para o caos social (mais violência, faça por você mesmo, cancele hoje um CPF),
e a esquerda usa verbos como: estude, lute, faça, leia (mesmo que seja chato).
Ou ordens unidas desse tipo: vá pra rua fazer política, saia do sofá.
A esquerda também defende democracia,
participação e responsabilidade, divisão de lucros (aqueles que o celular disse
que eram seus). Outros somam a República, a Constituição e o Estado de Direito.
O sujeito que não estuda faz tempo (talvez como
reflexo da fraca educação pública) já vai confundir República com partido
republicano e um nome vem à sua cabeça: Trump. Falando em Constituição irá
sempre associar com a preferência nacional, o futebol. Daí resta-nos as
"quatro linhas da Constituição". Logo, o Bozo virá à mente.
Estado de Direito sempre foi exceção para os
pobres. Então, alguém sempre lembrará de um juiz qualquer (montado em
mordomias) que soltou um mega traficante. Há um caso recente no STF.
Para reverter essa lógica, ainda precisamos de
um projeto político de educação baseado na ciência, na Ética, na cidadania que
cabe nas "sociedades em rede e de risco".
Sem contar que o faschio usa bots e nós,
por exemplo, agora utilizamos apenas o dedão da mão direita (e o corretor-sabotador),
e que a extrema direita não disputa "narrativas" entre si, pois
criam, vendem e consomem uma só mentira.
A extrema direita (Farentistascismo) também tem
uma só ideologia, do capital financeiro, sua disputa hegemônica é somente pra
saber quem mandará no mundo: China ou EUA.
As "esquerdas" têm narrativas ou só
algumas pautas de esquerda (selecionadas para lançar fora de casa) e hegemonia
significa o partido que porventura possa conquistar o poder.
Não é pouca coisa e não é o projeto
"atual" de ensino médio que fará essa mudança de chave.
Como desmobilizar, dissociar a atração do
capitalismo rentista nos níveis mais profundos e elementares da consciência
popular?
Especialmente dos pobres, da classe
trabalhadora, da classe média consumidora do mundo de Nárnia?
A educação só pode desembocar na liberdade, na
formação da consciência, da capacidade de agir com responsabilidade
(autonomia), quando agimos com autoridade sobre o que fizemos ou propomos.
Quando a "educação" converge para
outro caminho, é porque não é educação. É adestramento, castração da mente e da
vontade, e isso ocorre porque somente a educação pode unir liberdade e
responsabilidade, que é uma capacidade de ação com consciência, isto é, com
razão, como desdobramento do raciocínio lógico-dedutivo e controlado pela
consciência que se adquire com responsabilidade (maturidade de quem reflete o
significado de si mesmo, de suas ações, intenções, emoções, interações).
Com esse pressuposto, a educação digital, de
jovens e adultos, tenderá aos mesmos resultados: interação, formação de
consciência coletiva, capacidade de ação democrática.
Definitivamente, a educação digital não pode ser
limitada ao tecnicismo, capacitismo tecnológico, funcional, sistêmico ou
produtivo.
Como a educação em seu pressuposto (ação para a
liberdade com responsabilidade), a educação digital poderá ser um forte
instrumento, uma estratégia de aprofundamento aos pressupostos do Princípio
Democrático.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio.
Homo sacer: o poder soberano e a
vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
BAUMAN, Zygmunt; LYON, David. Vigilância Líquida. Tradução: Alicia Capel Tatjer. Sâo Paulo: Ediciones Paidós, 2013.
ECO, Umberto. Cinco escritos morais. 3. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1998.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era
do império. São Paulo: Record, 2005.
KORYBKO, Andrew. Guerras Híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo:
Expressão Popular, 2018.
LÉVY. Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio
universal. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Fascismo Nacional – Necrofascismo. Curitiba: Brazil Publishing,
2020.
MARTINEZ, Vinício Carrilho; ROIO, Marcos Del.
Lógica disruptiva do capital redndista. Blog
Boi Tempo, 2022. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2022/04/13/logica-disruptiva-do-capital-rentista/.
Acesso em: 1 maio 2023.
MARX, Karl. O
18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
MBEMBE, Achile. Necropolítica. São Paulo: N1 Edições, 2018.
PORTO, Walter. Redes sociais são feitas para favorecer radicalismo de
Bolsonaro, diz pesquisador. Folha de São
Paulo, 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/04/redes-sociais-sao-feitas-para-favorecer-radicalismo-de-bolsonaro-diz-pesquisador.shtml.
Acesso em: 1 maio 2022.
SCHAFF, Adam. A sociedade informática. São Paulo: Brasiliense, 1992.
ZUBOFF, Shoshana.
Big Other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de
informação. In: BRUNO, Fernanda et.al. Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo:
Boitempo, 2018.
ZUBOFF, Shoshana.
A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova
fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.
[1] A citação das análises de Umberto Eco (1998) não é literal,
mas o leitor encontra sua posição descrita completamente às páginas 43 e
seguintes do referido livro.
[2] O problema aqui é não reunir todas as nomenclaturas
distinguidas pela ONU, a fim de se conjurar como genocídio. Do ponto de vista
do senso comum, sim, pode-se dizer que tivemos um genocídio; porém
rigorosamente, juridicamente, não reunimos toda a tipologia.
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