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Vinício Carrilho

Carnavais, malandros e heróis


Carnavais, malandros e heróis  - Gente de Opinião

Diz-se que o país começa a funcionar depois do Carnaval. Como vimos, começou no dia 1° de Janeiro e recomeçou no dia 8 de Janeiro.

Depois da farsa prolongada (ao menos) de 2016 até 2022, veio a público a tragédia dos povos indígenas.

Depois da combinação trágica da Pandemia e do pandemônio político (genocídio) - e sem que houvesse muita motivação pra festas: inflação de crédito, fome, desemprego -, chegou uma lufada de civilidade.

Após dois anos de isolamento social, perdas significativas nos níveis básicos de interação social (dessocialização programada), chegamos ao Carnaval. E que Carnaval... 

O Carnaval é uma festa mundial, com inúmeras variações, porém, neste país encontrou o samba, o frevo, a dança animada, o ânimo em trocar as máscaras sociais, como nenhum outro, como incalculável fermento cultural.

Numa dessas histórias, exclusivas deste país, contou-se que nosso enredo predileto tem essa trinca, intrincada, entre o próprio Carnaval, muitos malandros e poucos heróis. Agora, como sabemos, já sob as vestes de canalhas e mitos pós-modernos.

Roberto Da Matta, bastante herdeiro de Gilberto Freyre (um enorme explicador deste país, com suas sombras entre a Casa Grande & a Senzala), contou-nos, a seu modo, ao nosso modo, como é que (como ninguém, no mundo) fabricamos a Carnavalização da Política. De forma simples, quer dizer que a "seriedade institucional" é diluída pela ironia social.

Como temos muitos malandros e poucos heróis, do bem e do mal, esse fluxograma moral/cultural não tem limites, muito menos fim.

Tivemos Joãozinho Trinta, um gênio que reinventou a ironia solvente da imoralidade pública. Mostrou-nos que, muito além de malandros e heróis, nós somos uma semovente instabilidade (instaurada) entre "Ratos e Urubus". Se a sua curiosidade é grande, como é a criatividade do povo, coloque aí no Google.

O Carnaval, no entanto, sempre nos recorda que vivemos (sobreviventes) entre farsas e tragédias. Num passado próximo ou mais remoto, chuvas torrenciais e encostas sufocaram a vida do povo nas periferias. Em 2023, é claro, não seria diferente.

Nossa tragédia é sempre anunciada, exatamente, porque é secularmente planejada. Em certos lapsos de tempo, nós enxugamos lágrimas. Em outros, vislumbramos (ou planejamos) mais tragédias.

Em 2023, as águas de março caíram num só dia (700 milímetros), e ainda está longe esse fechar o verão. A tragédia planejada está nos avisos desde sexta-feira: muita água viria. O que não veio foi a providência. Só a água e a fluidez da humanidade e da vida de pobres e miseráveis.

Assim, repetiu-se no Litoral Norte de São Paulo, fortemente concentrado em São Sebastião, e as lágrimas encontraram-se com a água abundante dos céus. Tão abundante quanto o desinteresse público.

Quem não sabe que as encostas são as periferias do interesse público? As favelas horizontais seguem a mesma lógica disruptiva aplicada às favelas verticais. E o resultado não é diferente.

Nós sabemos que essa tragédia (36 mortos, 40 desaparecidos, outras centenas de feridos, desalojados, desabrigados) irá acontecer de novo, no ano que vem, no outro, no mais tardar nos próximos cinco anos. E será igual ou pior.

Mas, se já sabemos disso, por que não se faz nada?

Exatamente porque o Poder Público não seca lágrimas de pobres e negros.

Nosso capitalismo é absolutamente racista, sempre foi. Nós combinamos com extrema facilidade, no melhor exemplar mundial, capitalismo e escravismo. A felicitada miscigenação vem da infelicidade das mulheres negras e indígenas: escravismo e estupro.

Realmente nossa lógica é perversa, cínica, abusiva, dissolvente, como as águas que escorrem pelas encostas pobres e pretas. 

Nossa ironia, nossa Carnavalização da Política, ou dura poucos dias, no desfile das moralidades, ou dura séculos, mas, dissolvida em cinismo público.

É triste, como é triste a imagem de um bebê quase afogado passando pelos braços do povo, e longe de sua mãe. Será que estão vivos?

É triste o hoje, como será triste o amanhã.

É triste saber que as marchinas, as máscaras sociais, parecem um dilúvio de insensibilidade.

É triste fazer festa com luto.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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