Segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023 - 14h14
Diz-se que
o país começa a funcionar depois do Carnaval. Como vimos, começou no dia 1° de
Janeiro e recomeçou no dia 8 de Janeiro.
Depois da
farsa prolongada (ao menos) de 2016 até 2022, veio a público a tragédia dos
povos indígenas.
Depois da
combinação trágica da Pandemia e do pandemônio político (genocídio) - e sem que
houvesse muita motivação pra festas: inflação de crédito, fome, desemprego -,
chegou uma lufada de civilidade.
Após dois anos de isolamento social, perdas significativas nos níveis básicos de interação social (dessocialização programada), chegamos ao Carnaval. E que Carnaval...
O Carnaval
é uma festa mundial, com inúmeras variações, porém, neste país encontrou o
samba, o frevo, a dança animada, o ânimo em trocar as máscaras sociais, como
nenhum outro, como incalculável fermento cultural.
Numa
dessas histórias, exclusivas deste país, contou-se que nosso enredo predileto
tem essa trinca, intrincada, entre o próprio Carnaval, muitos malandros e
poucos heróis. Agora, como sabemos, já sob as vestes de canalhas e mitos
pós-modernos.
Roberto Da
Matta, bastante herdeiro de Gilberto Freyre (um enorme explicador deste país,
com suas sombras entre a Casa Grande & a Senzala), contou-nos, a seu modo,
ao nosso modo, como é que (como ninguém, no mundo) fabricamos a Carnavalização
da Política. De forma simples, quer dizer que a "seriedade institucional"
é diluída pela ironia social.
Como temos
muitos malandros e poucos heróis, do bem e do mal, esse fluxograma
moral/cultural não tem limites, muito menos fim.
Tivemos
Joãozinho Trinta, um gênio que reinventou a ironia solvente da imoralidade
pública. Mostrou-nos que, muito além de malandros e heróis, nós somos uma
semovente instabilidade (instaurada) entre "Ratos e Urubus". Se a sua
curiosidade é grande, como é a criatividade do povo, coloque aí no Google.
O
Carnaval, no entanto, sempre nos recorda que vivemos (sobreviventes) entre
farsas e tragédias. Num passado próximo ou mais remoto, chuvas torrenciais e
encostas sufocaram a vida do povo nas periferias. Em 2023, é claro, não seria
diferente.
Nossa
tragédia é sempre anunciada, exatamente, porque é secularmente planejada. Em
certos lapsos de tempo, nós enxugamos lágrimas. Em outros, vislumbramos (ou
planejamos) mais tragédias.
Em 2023,
as águas de março caíram num só dia (700 milímetros), e ainda está longe esse
fechar o verão. A tragédia planejada está nos avisos desde sexta-feira: muita
água viria. O que não veio foi a providência. Só a água e a fluidez da
humanidade e da vida de pobres e miseráveis.
Assim,
repetiu-se no Litoral Norte de São Paulo, fortemente concentrado em São
Sebastião, e as lágrimas encontraram-se com a água abundante dos céus. Tão
abundante quanto o desinteresse público.
Quem não
sabe que as encostas são as periferias do interesse público? As favelas
horizontais seguem a mesma lógica disruptiva aplicada às favelas verticais. E o
resultado não é diferente.
Nós
sabemos que essa tragédia (36 mortos, 40 desaparecidos, outras centenas de
feridos, desalojados, desabrigados) irá acontecer de novo, no ano que vem, no
outro, no mais tardar nos próximos cinco anos. E será igual ou pior.
Mas, se já
sabemos disso, por que não se faz nada?
Exatamente
porque o Poder Público não seca lágrimas de pobres e negros.
Nosso
capitalismo é absolutamente racista, sempre foi. Nós combinamos com extrema
facilidade, no melhor exemplar mundial, capitalismo e escravismo. A felicitada
miscigenação vem da infelicidade das mulheres negras e indígenas: escravismo e
estupro.
Realmente nossa lógica é perversa, cínica, abusiva, dissolvente, como as águas que escorrem pelas encostas pobres e pretas.
Nossa
ironia, nossa Carnavalização da Política, ou dura poucos dias, no desfile das
moralidades, ou dura séculos, mas, dissolvida em cinismo público.
É triste,
como é triste a imagem de um bebê quase afogado passando pelos braços do povo,
e longe de sua mãe. Será que estão vivos?
É triste o
hoje, como será triste o amanhã.
É triste
saber que as marchinas, as máscaras sociais, parecem um dilúvio de
insensibilidade.
É triste
fazer festa com luto.
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