Sexta-feira, 29 de março de 2024 - 12h28
Veremos,
a partir do caso Marielle Franco, que a regra trouxe injustiça e que, sua
subversão (a exceção criada com a federalização das investigações) trouxe
resultados concretos de afirmação da justiça; contudo, veremos ainda que, a
continuidade das apurações do caso depende da superposição de uma lógica da
“exceção da exceção”: no caso concreto, trata-se do deslocamento (criação) de
uma prerrogativa de foro de vereador (o suposto mandante) para julgamento no
Supremo Tribunal Federal. Certamente, trata-se de um dos capítulos brasileiros
do assim denominado “estado de coisas inconstitucional”, em que, em alguns
momentos, a Constituição é violada a fim de que ela, a Constituição, seja,
efetivamente, obedecida e cumprida em seus preceitos gerais.
O
objetivo é indicar, num sentido preliminar e bastante concreto, como a própria
relação entre a exceção (a exclusão de normalidade) e as excepcionalidades
(distorção ou alargamento da regra geral) não é simples como se intui
normalmente. Veremos, aliás, que a lógica simples não se aplica totalmente. É o
caso da exceção da exceção (uma espécie de looping da exceção, quando uma
exceção produz outra ainda mais fora da regra geral) que tanto se aplica no
âmbito de regimes autoritários, totalitários, quanto no bojo do Estado
Democrático de Direito, especialmente em busca de respostas efetivas à
aplicação de regras gerais à justiça comum. No exemplo extraído do Caso
Marielle Franco no Rio de Janeiro veremos que só a exceção (federalização das
investigações) trouxe resultado efetivo, pois até então, a regra geral era
manuseada para escamotear essa mesma pretensão de justiça eficaz.
O
que podemos extrair desse início dos apontamentos nos levaria a pensar (como
essência e pano de fundo) em algumas possíveis relações entre a exceção (via
de regra excludente e injusta) e as excepcionalidades. Porém, a questão
maior aqui, desta relação, nos traz um paradoxo inaugural: como não seguir a
lógica da exceção?
·
O “que fazer” a fim de que a exceção não seja
utilizada como premissa de efetivação, por meio de excepcionalidades (razões
afirmativas), da regra geral do Estado Democrático de Direito e da Justiça
Social?
·
O “que fazer” para que as excepcionalidades não sejam
distorcidas (socialmente, moralmente, culturalmente, economicamente) pela
exceção predominante (Lei do mais forte, do capital)?
Neste sentido, a relação entre a exceção[1]
propriamente dita – aquela ditada pelo Estado (a Lei do mais forte, do capital,
predomina soberanamente sobre a dignidade humana) ou contra ele (golpes) – e as
excepcionalidades (análise jurídica de condições especialíssimas, sem que se
subverta completamente o Estado de Direito) alcança sutilezas que fogem à regra
da lógica mais simples: é o caso do foro especial ao julgamento de ações,
situações, igualmente muito especiais (exceção), como é o caso das
investigações acerca do assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de
Janeiro[2]. Desse
modo, é possível verificar-se que também há muitas relações entre exceções e
excepcionalidades e que esse fluxo, por sua vez, não segue a linha de
raciocínio mais estabelecida (a regra desde então) e, sim, obedece a condições
muito especiais. Ou seja, até mesmo a relação entre exceção e excepcionalidades
(ação afirmativa, por exemplo) não tem uma “regra clara”: na verdade, a regra
aqui estabelecida será a da exceção apresentada (o assassinato da vereadora foi
o estopim).
Se a regra é a isonomia
(princípio da igualdade[3]) a excepcionalidade
será a equidade, a correção da regra geral que é incapaz de resolver os
problemas, as situações, idealizadas pela regra geral: a própria idealização da
Defensoria Pública indicaria a insuficiência “regular” do sistema de afirmação
judicial. Muito excepcionalmente tem-se alcance na Justiça Social e isto
equivale a dizer que, se a regra da isonomia permanece – inclusive como forma
de se afastar a justiça do êxito – a excepcionalidade não se afirmou. O discrímen,
a ação afirmativa, a discriminação positiva, a atribuição de cotas ou de
reservas para assegurar a inclusão de excluídos (a exclusão é a principal regra
da exceção), portanto, são as excepcionalidades – uma vez que a Lei do
mais forte sinaliza com a isonomia, como regra geral, mas, na prática, aplica a
exclusão e a marginalização da maioria das pessoas: o sujeito de direitos,
desse modo, não tem direitos na prática, com eficácia. De modo prático, pode-se
ver que a parametrização entre a exceção (no exemplo do foro privilegiado) e as
excepcionalidades não é simples, linear. Aliás, se o foro privilegiado já é uma
exceção, quando comparado aos cidadãos e cidadãs comuns, a invocação de foro
privilegiado, como julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), de um suposto
mandante de homicídio quando era apenas vereador (fora do alcance
constitucional do STF[4]) nos indica outra variação
da “exceção da exceção”: o foro de julgamento especial já é uma exceção e o
julgamento de um parlamentar (na época, vereador) pelo STF é a sintomática
exceção da exceção. O argumento sobre a necessidade da “exceção da exceção do
foro privilegiado” segue o objetivo de se concretizar a equidade – e que,
sobretudo, neste caso seria a afirmação da justiça (isto é, a própria
excepcionalidade).
Recorremos à exceção da
exceção (abstração da abstração) para efetivar a regra simples e ideal: da
justiça.
Porém, como
pode ser feito desse modo, se, a priori, a exceção da exceção expressa o
lado mais obscuro dos regimes de exceção, autoritários, totalitários, em que
uma exceção gera outra ainda pior (looping da exceção)[5]?
Não se
trata de um exercício de mera especulação (lógica), mas sim da procedência, da
estrutura, da "normalidade", regularidade, dos instrumentos, da realidade,
da lógica de exclusão prática da justiça.
Esse
precedente (no sentido de excepcionalidade) fará justiça, mas o que nos garante
que a mesma regra da "exceção da exceção" (hoje benéfica:
excepcionalidade afirmativa) não será usada contra o intuito justo apontado?
Neste caso,
a regra da exceção da exceção voltaria ao seu curso histórico regular: de
afirmação da injustiça.
Esse é mais um capítulo do já instituído "estado de coisas Inconstitucional" (agir sobre a normalidade, até mesmo removendo interpretações constitucionais, a fim de que a Constituição seja cumprida e a justiça mínima seja ofertada), e que sobreveio atinente à necessária resposta às deformidades ou incapacidades do Estado Democrático de Direito em efetivar o mínimo que se espera – neste caso e em todos os demais não solucionados.
[1] No exemplo concreto, a fim de mais
fácil compreensão, veja-se o Golpe de Estado que visa preparar terreno para a
decretação de um Estado de Sítio e desse modo se obter a cassação de direitos
civis, políticos, de cidadania. Também ilustra essa condição de exceção a
vigência especial de direitos privados, que anulam (ao subverter) a regra
geral, que anulam o próprio sentido do Direito Público: a fixação desses
privilégios (leis privadas) como regra insolúvel aplicada a apenas alguns
indivíduos é clara quando pensamos nos “penduricalhos” assegurados no
contracheque da Magistratura e do Ministério Público.
[2] https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2024/03/29/regra-do-foro-no-stf-ficara-mais-rigida-apos-caso-marielle-dizem-ministros.htm.
Acesso em 29/03/2024.
[3] O caput do artigo 5º da
Constituição Federal de 1988 traz dois princípios basilares: todos são iguais
(igualdade) perante a lei: legalidade.
[4] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=468225&ori=1.
Acesso em 29/03/2024.
[5] Além do mais, resgatando-se menção a
Marcuse, nunca é demais relembrar que todo a priori técnico é um a priori
político. Isto é, primeiro que não se trata apenas de tecnicalidade
jurídica, e, segundo que, ainda que fosse uma mera tecnicalidade jurídica, seus
efeitos seriam políticos.
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