Quarta-feira, 10 de julho de 2024 - 13h03
Vinício
Carrilho Martinez (Dr.) – Associado IV/UFSCar
Lucas
Gama – estudante de filosofia/UFSCar
Samuel
– Cerqueira Melo – Mestrando em Ciência, Tecnologia e
Sociedade/UFSCar
A crise da educação no Brasil não é uma
crise: é projeto
Darcy Ribeiro[1]
Por ocasião da aprovação da
normativa legal sobre o “novo” projeto de ensino médio, na Câmara dos
Deputados, construímos uma reflexão partindo-se da frase (sentença realista) de
Darcy Ribeiro: “A crise na educação não é uma crise, é projeto”. Ou seja, é um
projeto político que torna a educação pública sempre submissa às crises
sistêmicas e, praticamente, não consiga se deslocar desse quadro –
principalmente se pensarmos numa educação de qualidade, crítica, laica,
emancipatória.
Neste sentido inicial, diremos
que há inúmeras formas de se entender a frase do senador Darcy Ribeiro; no
entanto, uma abordagem inquestionável nos diz que, no Brasil, o que se faz ou
deixa de fazer em educação é, sem sombra de dúvidas, um conjunto de ações (ou inações)
que compõe um projeto político. E qual é esse projeto político, dizendo-se
cuidar do futuro dos jovens, mas que é incapaz de se livrar do peso do passado
que nos limita e embrutece?
Também há uma visão
capitalista, reprodutiva, capacitista e desinteressada da sociabilidade – e
muitas outras leituras entre um campo e outro, como temos na famosa tese
constitucional da “tríplice hélice”[1].
Em compasso a isto, tem-se uma
tentativa de resposta, com base numa tese correta pela metade: essa tese diz
que a sociedade está dentro da escola e, logo, a escola não pode mudar muita
coisa.
Trata-se de uma interpretação
que se propõe materialista, mas que é reducionista, mecanicista.
Sociologicamente, reproduz o funcionalismo de Durkheim (1979) - e sem que
saibam disso.
Uma simples avaliação binária,
maniqueísta, mostraria que há uma possibilidade de engenharia reversa nessa
lógica mecanizada. E, assim, a escola poderia ir à sociedade, com a formação
crítica dos jovens e não mais “passivos”.
Também é possível entender essa
tese a partir de relações orgânicas (como ocorre com o próprio metabolismo
"capital X Estado X sociedade") – e essas relações se mostrariam
reveladoras.
Ou seja, organicamente, a
escola (educação pública) tanto reflete o atraso empoeirado, o rancor do
passado, o Fascismo e a luta de classes, quanto é um entreposto empoderado de
resistência.
A relação entre sociedade
(Estado) e educação é uma via de muitas mãos, não se trata apenas de uma
"mão dupla": há avanços em direção ao Processo Civilizatório e há
retrocessos; porém, mesmo nos avanços podem correr distúrbios, bem como nos
retrocessos as ações de resistência podem criar enfrentamentos e rupturas.
Então, a educação pública (a
escola pública) pode e deve ser pensada como resistência e mudança, e não
apenas, sob o reducionismo, como "resistência à mudança".
2015, em São Paulo, é um dado
histórico, concreto e preciso dessa análise orgânica.
Aliás, se a tese mecanizada
fosse correta (afinal, uma rodinha puxa a outra), neste exato momento nós
estaríamos ensinando coisas estranhas da sociedade brasileira:
- O que fazer para ser um populista tirânico?
- Como surrupiar o Estado e “lavar dinheiro”?
- O Fascismo é top.
- O racismo é massa.
- O futuro depende do macho tóxico.
- Fique milionário com drogas.
Ou, simplesmente, estaríamos mantendo
disciplinas no ensino médio alertando para fatos surpreendentes da realidade,
ciosas da capacidade crítica que merecemos ver em quem se propõe ao
conhecimento – como é o caso de uma que se chama “O que rola por aí?”. Em
especial, essa disciplina fez ou faz parte ativa dos chamados “itinerários
formativos” do “novo ensino médio”[2].
Por fim – e não menos
importante –, outra conclusão, bem diferente da educação de rodinhas, nos diz
que: se a escola pública é militarizada, impregnada de religião, reprodutora dos
crimes sociais, é porque isso se deve a um projeto político; se a escola
pública – combatendo os crimes sociais – é de qualidade (integral), laica,
libertária, é porque se deve a um projeto político.
Se há educação financeira –
notadamente para jovens que não tem o que comer, a não ser a merenda –, ao
invés de educação sexual, isso é um projeto político.
Tanto quanto é um projeto
político não abdicar do kit de robótica, mas implementar o ensino da sociologia
e da filosofia, com destaque para os clássicos e a formação social brasileira.
Por que não ensinar espanhol?
No
outro extremo, temos a Inteligência Artificial (IA) do ChatGPT produzindo um
texto sobre o “novo” ensino médio que, numa leitura rápida, em tudo se
assemelha ao próprio descritivo do dispositivo legal – ou se assemelharia a uma
peça publicitária.
....
Produção da IA do ChatGPT
O Novo Ensino Médio no Brasil é uma reforma
educacional implementada com o objetivo de modernizar e flexibilizar a
estrutura do ensino para melhor atender às necessidades e interesses dos
estudantes. Instituído pela Lei nº 13.415/2017, essa mudança visa promover um
ensino mais integrado e dinâmico, preparando os jovens para os desafios do
século XXI.
Principais Características do Novo Ensino Médio
Flexibilização do Currículo
Uma das principais mudanças é a flexibilização
do currículo. O novo modelo permite que os estudantes escolham áreas de
conhecimento ou formação técnica e profissional de acordo com suas preferências
e aspirações futuras. Isso é possível graças à criação dos itinerários
formativos, que são conjuntos de disciplinas agrupadas por áreas de interesse,
como linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação
técnica e profissional.
Ampliação da Carga Horária
A carga horária total do Ensino Médio também
foi ampliada. Anteriormente, a carga mínima era de 2.400 horas ao longo dos
três anos. Com o Novo Ensino Médio, essa carga passa para 3.000 horas, sendo
1.800 horas destinadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as 1.200 horas
restantes distribuídas entre os itinerários formativos escolhidos pelos
estudantes.
Integração com o Mercado de Trabalho
O Novo Ensino Médio também busca aproximar os
jovens do mercado de trabalho, oferecendo a possibilidade de formação técnica e
profissional durante o período escolar. Isso é feito por meio de parcerias com
instituições de ensino técnico e empresas, permitindo que os alunos adquiram
competências práticas e específicas que facilitem sua inserção no mundo
profissional.
Desenvolvimento de Competências e Habilidades
A reforma prioriza o desenvolvimento de
competências e habilidades essenciais para a vida em sociedade e para o
exercício da cidadania. A BNCC estabelece as competências gerais que todos os
estudantes devem desenvolver, tais como o pensamento crítico, a comunicação, a
resolução de problemas, a criatividade, o trabalho em equipe e a
responsabilidade socioambiental.
Implementação e Desafios
A implementação do Novo Ensino Médio é gradual
e enfrenta diversos desafios, incluindo a adaptação das escolas, a capacitação
dos professores e a adequação dos materiais didáticos. Além disso, é necessário
garantir que todas as regiões do país tenham condições de oferecer as diferentes
opções de itinerários formativos, o que exige investimentos em infraestrutura e
recursos humanos.
Conclusão da IA do ChatGPT
O Novo Ensino Médio no Brasil representa um
passo importante na busca por uma educação mais relevante e conectada com as
demandas contemporâneas. Ao oferecer maior flexibilidade curricular, ampliar a
carga horária e integrar o ensino ao mercado de trabalho, a reforma tem o
potencial de proporcionar uma formação mais completa e alinhada com os
interesses dos jovens. No entanto, para que seus objetivos sejam plenamente
alcançados, é fundamental enfrentar os desafios de implementação e assegurar
que todos os estudantes, independentemente de sua localização ou condição
socioeconômica, tenham acesso a uma educação de qualidade.
Nossa conclusão
A
conclusão geral, inicial, indica o fato de que o “novo” ensino médio – assim
como os anteriores – é um projeto político, de sociedade, que se baseia na
crise sistêmica, envolto por essa(s) crise(s) sem se pautar pelo interesse de
sua mínima resolução. A negação da cidadania, da formação crítica,
participativa, propositiva, não se desfez – ao contrário, em certo sentido,
agravou-se, se pensarmos que o Kit de robótica é um placebo de modernidade,
sobretudo, quando refletirmos na profundidade que uma disciplina, um conjunto
de disciplinas (vocacionadas ao século XXI), traria sob a forma, por exemplo,
de uma Educação digital/ambiental. Afinal, essas sim são as questões sérias que
“rolam por aí”.
Neste contexto, compreende-se
que mesmo a educação atendendo aos requisitos da sua época, ela não pode
reduzir-se ao discurso mecanista do desenvolvimento econômico. Isso significa
que a educação critica precisa ser enfrentada como um dos pilares fundadores
desse ecossistema – ampliando-se a dimensão social, cultural e política dos
participantes, engendrando-se possibilidades de modificar a si mesmo e o mundo
que se constitui a sua volta.
Referência
DURKHEIM,
Émile. A educação como processo socializador: função homogeneizadora e
função diferenciadora. IN : Foracchi, Marialice M. (org). Educação e
Sociedade. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1979.
[1] Constituição Federal (Art. 218) “O
Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a
capacitação científica e tecnológica e a inovação.
§ 1º - A pesquisa científica básica receberá
tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso
das ciências.
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá
tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da
ciência, tecnologia e inovação.
§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente
para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema
produtivo nacional e regional.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos
nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se
ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas
áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio
às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem
meios e condições especiais de trabalho.
§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em
pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de
seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao
empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos
resultantes da produtividade de seu trabalho.
§ 5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular
parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e
à pesquisa científica e tecnológica.
§ 6º O Estado, na execução das atividades previstas no
caput, estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados,
nas diversas esferas de governo.
§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior
das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à
execução das atividades previstas no caput”. (grifo nosso).
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