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Vinício Carrilho

Estado Republicano - serviço público do povo, pelo povo e para o povo


Estado Republicano - serviço público do povo, pelo povo e para o povo - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Cientista Social e servidor público federal (UFSCar/SP)

 

 

         Veremos que a definição de República não é sinônimo de prática e de Teoria Política reacionárias, posto que a República se define pelo conjunto das garantias e dos direitos fundamentais, pela separação dos poderes e pelo estrito cumprimento do dever legal. O exemplo escolhido é o das joias da ex-primeira dama, confiscadas pela Receita Federal na origem do “último” possível crime de peculato. Numa definição ainda mais simples, podemos dizer que, por República, trata-se de assegurar a Coisa Pública (salus publica) contra toda sorte de malfeitos: exemplares, neste ínterim, são os crimes de corrupção ativa (de agente corruptor) ou passiva: quando o solicitante de “vantagens” é servidor público.

Ao contrário disso, a corrupção da República está em se tratar a Coisa Pública como se fossem meras joias da coroa, mesmo que o rei já esteja posto, destituído ou em estágio de exílio: a história nos mostrou esse curso, das cortes francesas à Corte de Haia – no caso brasileiro, o genocídio é a senha de entrada.

Uma das vertentes mais claras da República esteve (está) em pauta desde que a cúpula da ex-presidência tentou entrar no país com mimos de valores ilegais. Superiores a 16 milhões em joias, os mimos nunca deveriam ter sido recebidos, menos ainda na condição de dote pessoal – iriam ao acervo público[1], se já não estivessem no miolo de outro imbróglio ainda maior: a venda de uma refinaria para aquele que adora presentear.

         Tudo isso é muito chocante e seria pior, não fossem as negativas dos servidores públicos diante das pressões para que as joias pudessem adornar o corpo da ex-primeira dama. Servidores públicos federais, estáveis em suas funções e carreiras, puderam resistir às pressões políticas e militares, enfrentaram os emissários – as chefias inclusive – e renderam as joias que acabaram aprisionadas pela lei[2].

         No entanto, este é apenas um dos múltiplos exemplos de segurança institucional que os servidores públicos, de forma geral, promovem todos os dias em seus trabalhos. Desde 2020, no pior da Pandemia e dos governos negacionistas – do Executivo central aos Estados e municípios da Federação –, trabalhadores e trabalhadoras da saúde enfrentaram o poder e muitas vezes o próprio povo. Resistiram e ainda resistem, afinal, “reação vacinal”, no Brasil, diz mais quanto à recusa de quem jamais irá completar a cobertura vacinal, do que tem relação direta com os efeitos advindos da vacina. Por isso, desde aquela época, fala-se que vivemos uma Revolta da Vacina às avessas.

         Dos policiais que se recusaram ao avanço fascista – em disputa com seus pares alinhados inúmeras vezes ao genocídio –, aos professores e professoras da rede pública que desafiaram o cerco moralista degenerado, preconceituoso, há em comum o Senso Comum da civilidade (e a estabilidade funcional).

         Todos os ataques (atentados, inclusive) que a Universidade Pública sofreu e ainda sofre, só não tiveram efeitos piores porque as resistências por meio da Ciência, do conhecimento, do pensamento crítico, contiveram os males maiores dessa mesma prática fascista e ilusionista. Os detratores da Universidade Pública estão na política e no mercado, e no senso comum que foi na padaria repetindo a correia de transmissão das redes sociais forjadas por desinformação e mentiras.

         Quem produz Ciência no Brasil e nos impede de retroceder à Idade Média, ao barbarismo social e cultural, é a Universidade Pública. Há um arremedo entre algumas privadas ou confecionais, neste quesito, mas esse status só confirma a regra. E por que, a despeito dos crimes cometidos contra as instituições e pessoas, já em 2017, 2018, não lograram vitórias reincidentes em favor do atavismo, da ignorância, do embrutecimento? Porque atuou e atua a estabilidade do serviço público.

         Há outros elementos que devem ser registrados, quando se desafia o malfeito na porta do serviço público: 1. Dá-se exaltação ao Império da Lei e isso quer dizer que o serviço público deve ser cumpridor da lei – ou se desafia, se a própria lei for atentatória ao Espírito Público; 2. Servidor ou servidora pública trazem em seu registro uma ideia linear, comum e simples, uma vez que devem “servir ao público” e jamais se servir disso. É por isso que respondem por tipificações específicas, pois se de um lado, na proteção funcional identifica-se a “boa fé”, de outro, aos violadores dessa “boa fé” instaura-se o crime de peculato: para ficar somente em um exemplo de crime próprio. A culpa, mesmo esta, tem imbricações típicas que conduzem à imperícia.

         Isto foi assim arranjado, por longos séculos, exatamente, para que o poder consagrado pela política tivesse um freio de contenção institucional. De certo modo, isso nos evidencia o núcleo do que se denomina de Estado Republicano: a capacidade de transformar, legalmente e legitimamente, o poder político em Poder Público. Sendo este Poder Público a essência moral e funcional da República.

         Sob a condição republicana, o poder não pode funcionar para os poderosos, mas sim estar devotado a servir os abrigados pelo Poder Público, incluindo-se aí o patrimônio público – o mesmo que não pode ser devorado pelo mercado (na ideia de um Estado Mínimo) ou “doado” a preços de banana para outro país – como foi o caso das joias que iriam enfeitar a ex-primeira dama. O Poder Público apenas é capaz dessa ação republicana se e quando serve-se ao povo, e jamais estará presente se acaba por se servir “do povo”.

         Na somatória com a Democracia, tanto sob os elos da prática política pessoal quanto institucional, temos outra vez a reação contra o fascínio provocado pela banalização do Fascismo (quando tudo parece convergir ao Mal Público) e isto só foi e é possível graças à estabilidade pública: também há inamovilidade, no caso da magistratura. Vimos amplamente os duelos praticados em benefício do povo e da Democracia a partir de indivíduos e de tribunais, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

         A Democracia, se pudéssemos resumir numa sentença, tem uma regra só, e é exatamente a defesa e o cumprimento das regras do jogo. A melhor regra do jogo, além do voto livre, secreto, soberano e periódico, é a que defende o Poder Público contra os ataques e achaques descolados do interesse e do patrimônio público.

         Enfim, esta junção se articulou desde os anos 1970, em Portugal e na Espanha, com os apelidos de Estado Social de Direito ou Estado de Direito Democrático. No Brasil de 1988, inaugurou-se uma era de Estado Democrático de Direito – esse mesmo que os servidores públicos da Receita Federal defenderam, confiscando as joias da coroa da rainha já sem poder. 

         Finalmente, de modo conclusivo, podemos acrescentar alguma institucionalidade a esses quesitos. Conceitualmente, o Estado Federal ou Estado Federativo é composto de vários elementos, sobretudo pela definição e defesa da República (Estado Republicano), da Democracia (Estado Democrático), da ética ou ethos público (Estado Ético de dever público) e da participação popular na política (Estado Popular). Há elaborações políticas que também necessitam de uma melhor distinção acerca de seus elementos políticos e jurídicos (Estado Constitucional) e aos quais seguir. No Estado Republicano, é notável como as regras de temporariedade, eletividade, transparência – exposição e visibilidade política e administrativa – e responsabilidade (definidas antecipadamente por lei) remetem ao núcleo dos princípios democráticos. Hoje em dia, pode-se entender o conceito de República Federativa como uma maneira de governar (ou forma de governo) própria ou específica (res pública), podendo ser mais ou menos popular e democrática, e que melhor gerencie as coisas públicas e que esteja de acordo com os interesses públicos – agregando-se a presunção do bem comum à preservação do bem público –, como se fora uma aliança, organização ou união indissolúvel de interesses e de entidades federativas essenciais à vida pública e, portanto, definidos como públicos[3].

         Em interface com a República, é fácil perceber que a joia da coroa é o Povo.

 



[3] MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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