Quinta-feira, 25 de abril de 2024 - 14h19
A produção de ciência no Brasil acontece, via de regra, nas
universidades públicas. É de lá onde saem os quadros da produção científica,
isto é, aqueles que vão desvendar vírus em momentos de pandemia, aqueles que
vão descobrir como efetivar a exploração de recursos naturais (de forma
“sustentável” ou não), aqueles que vão elaborar teorias sobre a realidade e as
relações sociais, aqueles que vão poder atuar na elaboração de políticas
públicas porque têm o conhecimento técnico-científico para tanto. Das
universidades saem esses e tantos outros. Portanto, parece óbvio que o
investimento na universidade pública, na graduação e na pós graduação, deveria
ser priorizada pela União. Contudo, não foi o que assistimos no país nos
últimos dez anos mais ou menos.
Principalmente a partir de 2016, com o Golpe de Estado, a
educação e a ciência sofreram significativos cortes orçamentários, cenário que
se agravou a partir de 2018. Ora, os pós graduandos dependem de bolsas para o
financiamento de suas pesquisas (que na verdade não são suas, porque a produção
de conhecimento é do interesse da nação). Os graduandos dependem de bolsas para
ingressar na pós graduação. A educação e a ciência dependem de financiamento
público para existirem. Como consequência, a sucessiva redução nesse
financiamento promoveu o efeito chamado de “fuga dos cérebros”, saída de
pesquisadores qualificados do país para a colocação profissional ou
continuidade de pesquisa no exterior. Recentemente, o Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação estimou que estão fora do Brasil 35 mil pesquisadores.
Entretanto, muitos cérebros ficaram o país, sem bolsa, sem
investimento e sem emprego. Tal situação se agravou ao ponto de hoje termos uma
estimativa de 63 mil doutores desempregados no Brasil. Além desse montante de
gente muito qualificada sem trabalho, ainda temos a situação das universidades
públicas. Dezenas de universidades federais se encontram em greve, demandando a
recomposição do orçamento e reajuste salarial. Está claro que o cenário para a
educação superior no país é crítico.
Em paralelo a esse cenário, o atual governo anunciou o Programa
de Atração e Fixação de Pesquisadores para Inovação e Desenvolvimento
Científico -
Conhecimento Brasil, que busca repatriar pesquisadores que saíram para fazer
pós graduação fora do Brasil e não voltaram. Como um dos dez programas
prioritários do Plano Anual de Investimentos 2023 do Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o Conhecimento Brasil concederá
bolsas mensais de R$13 mil para doutores e R$10 mil para mestres que retornem
ao país[1].
E os 63 mil desempregados? Também queremos saber. Foram esses
que permaneceram no país sob os mandos e desmandos de Temer e Bolsonaro. Será
que não pode haver uma política pública de absorção desses doutores? O que o
governo oferece para os que foram embora é uma bolsa de um valor acima ao
salário de um professor recém ingresso na carreira docente em universidades
federais! Acima de uma bolsa de pós-doutorado! E mais: auxílio-instalação,
auxílio deslocamento, recurso para contratação de Seguro ou Plano de Saúde
para o bolsista e seu núcleo familiar, auxílio previdência para que o
bolsista recolha ao INSS o equivalente à sua contribuição como autônomo[2], recursos
em capital e custeio para compra de equipamentos e manutenção do
projeto no valor de até R$ 400 mil ou visitas a centros de excelência no
exterior no valor de até R$ 120 mil.
Para
os doutores empregados nas universidades federais como docentes, restou a greve
e a acusação de sermos inimigos da Pátria. Lutamos contra a privatização do MEC
(Ministério da Educação), a colônia do grupo Leman/Musk. Fazemos greve por
recursos humanos essenciais, por direitos fundamentais, e nós é que somos
ofendidos e atacados por outros docentes - como inimigos da Pátria. Para as
“mentes brilhantes, a solução é repatriar cérebros que fugirem da luta.
Enquanto nós permanecemos e lutamos. Por isso, esse é um projeto de país muito
vira lata. O Brasil é pardo, sem dúvida. Mas, acima de tudo, por cima de todos,
o Brasil é parvo. Antes fôssemos um simpático caramelo.
Imaginemos
um diálogo assim, entre um de nós e um vizinho curioso, meio desconfiado do
mundo real:
“Falei
pro vizinho que, se estivesse começando hoje, nunca seguiria a carreira
acadêmica. Qualquer ex-aluno tem muito mais respeito na advocacia, do que eu na
universidade pública. Aí o caramelo do vizinho falou assim: ‘É mesmo, olha só
que coisa doida, construir 100 institutos federais, sem cuidar dos que existem’.
Depois, o caramelo disse que iria consultar o pica-pau, pra saber que lógica é
essa. O pica-pau, que o caramelo mencionou, é o cara de pau que criou 100
institutos, tendo abandonado os outros. A natureza brasileira é hilária, mas é
perversa. Por isso prefere-se o caramelo, exatamente, porque não tem síndrome
de vira-latas. Não há caramelo no mundo que aguente esse desaforo”.
Esse
projeto condena a ciência e a pesquisa no Brasil, feita por brasileiros e
brasileiras que vivem no Brasil, e nos coloca em segundo plano, como cientistas
de segunda categoria. Certamente, essa é a pior percepção de quem pensa a
ciência no país ou, dizendo de outro modo, não é cientista ou é e se pôs a
serviço de alguma empreitada nada republicana, pautada em bases ilógicas,
irracionais, desproporcionais. Sim, muitos princípios são violados neste
projeto, a começar pelos princípios da isonomia e da proporcionalidade – o que
não é nada razoável, então, o Princípio da Razoabilidade também é ferido no ato
da autoria dessa ideia nefasta de alguma “mente brilhante”...
[1]
Essas bolsas terão duração de 48 meses (prorrogáveis por mais doze). A pergunta
que não quer calar é: e depois? Esses cérebros repatriados se somarão aos
doutores desempregados?
[2] É
preciso lembrar que os pesquisadores no Brasil não são reconhecidos como trabalhadores
(eles “só estudam”, afinal), por isso não tem recolhimento algum ao INSS, o que
fatalmente adia ainda mais a perspectiva da aposentadoria.
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