Sexta-feira, 10 de janeiro de 2025 - 15h20
Vinício Carrilho Martinez – Doutor em Ciências Sociais
Vinícius Alves Scherch: Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade –
PPGCTS/UFSCar
Sob o título Metafascismo queremos
indicar duas situações convergentes: trata-se da empresa Meta e do objetivo
projetado; assim, a empresa representa o meio, a técnica, o veículo, a base
material, e, consigo, a meta de se aprofundar a expansão e a vocalização do Fascismo
digital nas redes sociais. Em prévio diagnóstico,
identificamos que o avanço tecnológico teria potencial para fomentar a prática
degenerativa da política, isto é, o apelo ao Fascismo em uma nova modulação:
O crescente afago popular ao
autoritarismo e ao Fascismo não serão descabidos, e nem incompreensíveis, uma
vez que a base tecnológica conformadora da Modernidade Tardia também formata a
estratificação política, com incidência no formato jurídico prevalecente. Somos
monocráticos, monotemáticos em plena era da informação. (Martinez; Scherch;
2020)
Portanto, com Metafisicismo,
simbolizamos o imbricamento de método e objetivo, quanto ao Fascismo
recalcitrante nos dias atuais. Esse Metafascismo, essencialmente, é apenas
muito tecnológico, isto é, constitui-se de mais uma metáfora desde sua origem
nos anos 1920, na Itália de Mussolini – assim como é uma metáfora o Necrofascismo
(Martinez, 2022).
Com a decisão da Meta de substituir
seu programa de checagem de fatos por um “sistema” de notas da comunidade,
resta sinalizada uma aproximação com a política de superposição da liberdade de
expressão. Isso significa dizer que, diante do negacionismo e do pouco acesso à
educação e ao conhecimento efetivo, as “massas” definirão o que é real,
científico, ético (ou não). Nesse sentido, analisando a normalização da exceção
– pois nesse Metafascismo haverá uma exceção da verdade – encontramos um
ponto de convergência para a leitura do estágio de exclusão que será
viabilizado com as “notas da comunidade”:
Se a comunicação é regra para
a Humanidade (desde o grito primal), as redes sociais nos dirigem para o
oposto; propositalmente os algoritmos nos
direcionam para as semelhanças,
para o mesmo
discurso, como se continuamente
reforçássemos nossos próprios
pensamentos. Desse ponto
de vista, as redes
sociais, notadamente o
Facebook, constroem interatividades a
partir da mesmice, aniquilam o contraditório, são
abruptamente, constantemente, Ab origine, antidemocráticas. (Martinez; Scherch,
2020)
O “sistema” será parecido com o do X
e implica relevantes alterações acerca dos limites entre liberdade de expressão
e responsabilidade na moderação de conteúdos, pois o novo modelo transfere a
responsabilidade de fornecer contexto às informações para os próprios usuários,
apostando em uma "sabedoria coletiva" que, embora pulverizada em
essência, pode se tornar problemática na prática. Podemos ter a decretação da
“governança dos piores” alimentada por algoritmos vorazes – o chamado “Fenômeno
Marçal” nas eleições municipais da capital paulista (com cadeirada em resposta)
pode ser apenas um prenúncio. Ainda se conectam a este efeito os
influenciadores mirins que apostam na recusa à informação; seu lema é: “estude
e fique pobre”[1]. Então são
esses “conteúdos” a definir os rumos do Processo Civilizatório.
Essa medida aparentemente ampliativa
– além de negacionista da democracia, porque atacar o conhecimento é produto
fascista – ainda encobre um comportamento alinhado à desinformação, pois o
ciberespaço se compreende pela cibercultura. Segundo Pierre Lévy, a
cibercultura apoiada na interconexão, na criação de comunidades e na
inteligência coletiva, fornece um ponto de partida para que se possa
compreender um comportamento da sociedade no meio digital (Lévy, 2010).
Atualmente, o ciberambiente não alcançou o nível de autorregulação – a
maturidade civilizatória – suficiente para que a coletividade possa realizar a
checagem de fatos sem uma atuação profissional. Ter as "notas da
comunidade" como uma solução universal desconsidera diferenças culturais,
níveis de alfabetização midiática e o impacto desproporcional que notícias
falsas podem ter em contextos sociopolíticos frágeis, piorando as relações no
ciberespaço.
A inteligência coletiva, como
expressa Pierre Lévy, “implica a
valorização técnica, econômica, jurídica e humana de uma inteligência
distribuída por toda parte, a fim de desencadear uma dinâmica positiva de
reconhecimento e mobilização das competências” (Lévy, 2010). No entanto, nas
redes prevalece uma inteligência coletiva regressiva, criada a partir de uma
mente de colmeia que faz com que os indivíduos moldem seu comportamento de
acordo com a pretensão dos ordenadores, para uma atuação contra o alvo. Sendo que
este alvo pode ser composto de pessoas ou grupos que não se compatibilizam como
quer a bolha dominante ou “grupo hegemônico de ciberpoder”.
Basta lembrar que a checagem de
fatos foi implementada como uma resposta à proliferação de desinformação
durante eventos de impacto global, como eleições e pandemias. Ao implementar o
novo “sistema”, a Meta abandona uma ferramenta que, apesar das falhas, possuía
critérios estruturados e baseados em expertise. Ao creditar "notas da
comunidade" como critério de checagem, a informação seria validada com
base na capacidade dos usuários de oferecer análises equilibradas, ignorando
totalmente o risco de polarizações e vieses ideológicos que já dominam o
ciberespaço. A popularização, mais do que hoje, trará um verdadeiro ringue
entre informação e desinformação.
A mudança, para a Meta, seria
resultado de um esforço para mitigar acusações de censura e fomentar uma suposta
liberdade de expressão. Mas a linha entre promover o debate e abrir as portas
para a desinformação desenfreada não foi considerada, demonstrando-se uma
predisposição das plataformas aos interesses de Trump (presidente eleito dos
EUA).
De acordo com Andrew Korybko, “o
Facebook é o portal para reunir e fazer propaganda do movimento de revolução
colorida. Ele recruta apoiadores e permite a criação de grupos fechados nos
quais ativistas contra o governo podem se encontrar e discutir suas estratégias
virtualmente” (Korybko, 2018).
É inegável que as Big Techs exercem
um papel crucial na formação da opinião pública global. E, ao abrir mão de um
sistema estruturado de verificação de informações, com critérios objetivos e
análise profissional, há não só um risco de descredibilizar as plataformas, mas,
principalmente, o comprometimento da qualidade das informações consumidas por
bilhões de pessoas.
Segundo Mark Zuckerberg, a checagem
de fatos era politicamente enviesada, mas o “sistema” proposto não garante
imparcialidade e veracidade das fontes de informações. Ao contrário, coloca o
poder de verificar informações nas mãos de um público amplamente diversificado,
mas também suscetível a influências ideológicas e interesses econômicos e
pessoais, que pode corroborar com um flerte ao totalitarismo digital. Isso
porque o “sistema” se alinha com a postura de Elon Musk e a crítica às
instituições judiciais, reforçando-se a percepção de que a decisão é
politicamente motivada.
A organização das plataformas –
baseada em interações sociais – permite que haja uma diversidade de
pensamentos, porém essas diversidades são aprisionadas em bolhas criadas por
algoritmos – cada consumidor de conteúdo ou somente de bobagens cria sua
própria bolha, uma “autobolha”. Desse modo, “as redes sociais” (na prática, antissociais), que se
expandiram potencialmente na última
década, embora carreguem acessibilidade ao
conhecimento e às
informações, transportam também
os equivalentes reais de grupos hegemônicos, levando a uma
regressão ao estado de massa[2]”
(Martinez; Scherch, 2020).
O mecanismo de tráfego das
informações acaba sendo direcionado e agrupa os indivíduos com características
semelhantes, ocasionando uma falsa sensação de que são dominantes no espaço,
vindo a tornar discursos manobráveis mais presentes e, pela falta de
visibilidade do diferente dentro do grupo, o ambiente se torna fértil para
composições fascistas, racistas e intolerantes. Desse modo a “sabedoria
coletiva” que instrui as “notas da comunidade” é prejudicada pelo exercício de
ciberpoder e pela manipulação algorítmica.
Ao invés de privilegiar a liberdade
de expressão e a democracia, o “sistema” é degenativo do aprimoramento do
ciberespaço, pois, “o controle da pauta política na era pós-digital pode ter
seu mote na informação – ou na desinformação – que constitui uma das bases do
próprio ciberespaço, já que tudo é datificado e, em alguma medida tem uma
relação com as tecnologias de controle de dados, os algoritmos e a inteligência
artificial” (Scherch, 2024).
REFERÊNCIAS
DUNKER, Christian Ingo Lenz. Psicologia das massas digitais e análise do sujeito democrático. In: ABRANCHES, Sérgioet al. Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil de hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
KORYBKO, Andrew. Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes. Trad. Thyago Antunes. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. 3 ed. São Paulo: Ed. 34, 2010.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Necrofascismo: Fascismo Nacional, necropolítica, licantropia política,
genocídio político. Curitiba: Brazil Publishing, 2022.
MARTINEZ, Vinício Carrilho;
SCHERCH, Vinícius Alves. A Normalização do Estado de Exceção na Pandemia
Coronavírus. Revista Eletrônica do Curso
de Direito da UFSM, Santa Maria, RS, v. 15, n. 3, e48127, set./dez. 2020.
ISSN 1981-3694. DOI: http://dx.doi.org/10.5902/1981369448127.
Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/48127
SCHERCH, Vinícius Alves. Impactos do capital no controle da pauta política na era pós-digital. Tese (Doutorado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2024. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/20945.
[1]Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2025/01/09/r-100-mil-por-mes-menores-trabalham-irregularmente-com-marketing-digital.htm. Acesso em 09/01/2024.
[2] “O fenômeno mais típico dessa regressão ao estado de
massa é a impossibilidade de se fazer
escutar por argumentos
ou fatos, além
da irrelevância relativa
das fontes. No interior
de uma batalha
discursiva, o uso
de fake news,
de forma intencional ou
ingênua é bastante
facilitado. Os interlocutores repetem monólogos com crescente
agressividade. A regressão ao funcionamento de massa, com sua
estereotipia e certeza
dogmática, produziu um
extenso sentimento de divisão social, rompendo laços e
dissociando relações”. (Dunker, 2019)
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