Quinta-feira, 18 de abril de 2024 - 14h55
O Mito
da sala escura é meio, bastante, brasileiro. Não se confunda com o Mito da
caverna, esse que tem uma enorme sofisticação filosófica.
O Mito da sala escura, como nos
contaram os nossos avós – e os avós dos nossos avós –, passa-se dentro de uma
sala escura em que um grupo de pessoas está atingido em seus olhos, o campo de
visão está nublado, míope, sem uma visão de mundo muito apurada.
Esse grupo de pessoas não é homogêneo,
aliás, nem se sabe ao certo se as pessoas se conheciam, ou quem conhecia quem.
Em algum momento, por alguma razão até
hoje desconhecida em sua plenitude, alguém encontrou um ponto de fuga – alguns
dizem que era uma porta, outros dizem que era um buraco no chão, como se fosse
um sótão com saída para uma rua. Também dizem que não era uma rua, mas sim um
beco bastante escuro.
O fato é que alguém saiu primeiro. E o
legal da história está em pensar quem era essa pessoa: a fujona.
Dizem os mais antigos que era alguém
curioso, muito curioso, incapaz de ficar quieto num canto qualquer dentro da sala
escura. Assim, logo que viu um espaço (ou uma luz muito fraca), andando e tateando,
a fujona teria achado uma passagem para fora.
Outros contam que alguém sentiu muito
medo e, movido por esse medo (pânico), procurou sair da escuridão.
Há ainda quem contasse que uma certa
pessoa sentiu fome, sede, frio e medo. Por tudo isso teria saído. E ainda se
dizia que o primeiro foi expulso da sala escura, porque era antissocial. Foi
coagido, empurrado para fora. Talvez tenha sido a primeira pessoa condenada da
história da humanidade (e do Brasil). Foi condenada ao banimento, ao desterro,
ao esquecimento e à morte. Teria sido um total ostracismo: condenação ao
ostracismo.
Também nos contaram que o primeiro a
sair teria voltado para ajudar os demais na sua fuga. Nesse dia muitos fugiram,
outros tantos ficaram.
Aí o Mito deveria nos contar quem saiu
depois e porque alguns por lá ficaram.
Alguns contam que o primeiro, ao
voltar para dentro da sala escura, foi generoso, prestativo, queria ser
amigável, muito cordial, porque queria ter amigos e amigas fora da sala escura.
Outros dizem que o primeiro voltou com
uma história encantada sobre o lado de fora da sala escura (tipo uma sala obtusa),
dizendo sempre mil maravilhas sobre o mundo exterior. O que não dizia é que, ao
sair, dava-se de cara com um rio muito forte, caudaloso e cheio de crocodilos
gigantes. Pareciam monstros, uns tipos de Leviatã, indóceis, fortíssimos.
Porém, muitos, até hoje, ainda acreditam
que o primeiro a sair não queria apenas fazer amizades lá fora, nem era assim
tão cordial ou social. Apenas não queria ficar sozinho ou sozinha ou esperava
ter outras pessoas de quem pudesse cobrar um bom favor.
Aliás,
ninguém sabe dizer se o primeiro indivíduo a sair era homem ou mulher. Antigamente
dizia-se que era mulher, e deram o nome de Lucy para ela.
Até
hoje também acreditam que aquele rio era só outro mito. Até inventaram o nome
de Rio Estige. Diziam que, na outra margem, havia muita comida e bebida, que a
festa nunca parava. Era um festão, um Banquete dos Deuses. As pessoas antigas
diziam isso.
Alguém
até prometeu que essa saída para além da rua ou do beco escuro, e os caminhos
da liberdade, para fora da sala escura, sempre seria recompensada.
Falavam
de caminhos meio tortos ou mais ou menos diretos que levariam a algum Porto
Seguro.
Essa
última parte é mais difícil de acreditar.
Criaram
até uma história só para esse final, e chamaram de o Mito de Prometeu. Esse
Prometeu, de certa forma, teria prometido aos humanos fugidos da sala escura
que, toda saída para fora da escuridão, em busca de luzes sempre radiantes, com
um Banquete dos Deuses aguardando a todas e todos, não poderia dar errado.
Não
sei bem como termina o mito dos antigos, mas me parece que não contaram direito
no Brasil. Eu sempre vejo uma caixa meio velha, com marcas de ferrugem,
bastante incerta ou até perigosa. Os mais antigos ainda, que eram mais
prudentes do que eu ou do que o primeiro aventureiro, chamavam de Caixa de
Pandora: cheia de surpresas...
E
você, quando pensa no mito brasileiro, conta essa história de que modo?
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