Domingo, 22 de janeiro de 2023 - 13h58
Muitas pessoas dizem o que sentem. Assim,
algumas pessoas dizem que, em 22 dias – neste 22.01.203 – há uma sensação de
que já se transcorreram vários anos. Seriam anos de alívio pela defenestração
do Fascismo no comando do Estado, e ainda que seus efeitos sejam longevos na
fruição da sociedade.
De
outro modo, desde o histórico 8 de Janeiro de 2023 (assim será imortalizado na
história da República), ondas sinistras têm escurecido os sonhos e as
esperanças de que possamos viver em tranquilidade mais rapidamente:
tranquilidade, leia-se com mais dignidade.
Foi
com esse pesar que ontem, 21.01.2023, o país foi atordoado por mais uma série
de atos de verdadeiro genocídio programado: mais de 500 crianças Ianomani, por
fome, teriam encontrado a morte extremamente prematura. Sem auxílio, sem
proteção, sem um olhar de mínimo cuidado, foram zelosamente, metodicamente, deixadas
ao abandono pelas autoridades públicas que deveriam, ao contrário disso, terem
empenhado Políticas Públicas óbvias e necessárias.
Outros
tantos perguntam-se se são crimes contra a humanidade!? Para outros tantos, é
claro, trata-se de mera pergunta retórica. Se o agente público (ou político)
sabe que uma pessoa irá morrer, se nada fizer (desídia, crime de omissão), o
que dizer sobre 500? E crianças, muito mais frágeis, expostas a todo o Mal que
a sociedade capitalista moderna possa lhes trazer – não é evidente que a
omissão, nessa escala, revela um real projeto político de extermínio indígena.
É óbvio, e, portanto, se houvesse uma “resposta retórica” teria que ser assim:
haverá um julgamento em Haia, assim como outros tantos no Brasil.
Porém,
será que só agora “soubemos” dessas atrocidades? Será que só acordamos para a
realidade no dia 1º.1.2023? Será que a própria história da miscigenação (à
força, contra mulheres negras e indígenas) já não nos contaria muito do que nós
somos?
Diante
dessa liturgia insistente do nosso Processo Civilizatório, especialmente no
pós-2016 (Golpe de Estado), e de modo estupendo – porque a cultura popular, as
tradições e heranças simbólicas dos povos originários são absolutamente
resistentes e estupendos –, há verdadeiras narrativas que precisam ser colhidas
e acolhidas pelo córtex, mas também pelo cordis: o coração do povo que
transborda de cordialidade real, respeitosa da vida e das pessoas.
As narrativas silenciadas
O Brasil é um País privilegiado pela sua diversidade
cultural, em grande medida, advinda dos povos originários que mantêm não só
traços étnicos, mas, sobretudo, os traços da cultura de um povo. O território
onde o Pataxó habita, situada entre os municípios de Itamaraju, Itabela, Porto
Seguro e Prado, no Estado da Bahia, Brasil, atualmente, é um espaço de
13.800ha, distribuídos em 10 Aldeias, onde vivem cerca de 600 famílias pataxós,
totalizando uma comunidade de 5.000 indígenas (FUNAI, 2006). Ali temos esse
exemplo retumbante do encontro entre o córtex e o cordis: o contato do olhar ativa a amígdala
(região do cérebro onde são processadas algumas sensações) e todo nosso sistema
de emoções.
A empatia não é
entender uma pessoa, é colocar-se no lugar do outro. É a capacidade de sentir o
que outra pessoa sente caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela,
experimentando de forma objetiva e racional o que sente o outro a fim de tentar
compreender sentimentos e emoções, gerando respeito e compreendendo que o outro
faz parte de nós.
Jokana, significa mulher em patxohã. Patxohã, é a língua dos
povos Pataxó, no caso aqui, referente as jokanas da Aldeia Barra Velha, Aldeia
mãe dos pataxó, localizada no extremo sul da Bahia, sendo parte do município de
Porto Seguro. Dentro destas jokanas, existe uma presença divina, que nutre e
carrega uma força com base na tradição, cultura e memória que constituem a sua
identidade. A identidade da jokana é coletiva e atravessa as barreiras do
tempo, as lutas e as memórias de dor enfrentadas durante o colonialismo e Fogo
de 51 na Aldeia Barra Velha, solidificando uma força através do respeito, da
empatia e da coletividade.
A jokana nasce pertencente a um grupo forte e
empoderada, que a partir do momento que deixam o ventre mergulham em um
universo imenso de conhecimentos que serão compartilhados no dia a dia.
Seu olhar transparece sua
luta, suas vivências e sabedoria, jokanas ouvem com os olhos, escutam
com a alma e vestem-se de sorrisos e silêncios. É através desta identidade que a jokana fala, grita e luta
pelos seus direitos. O diálogo é a ferramenta de luta, seja ele falado,
dançado, cantado, escrito ou mesmo expressado nos olhares, no silêncio e nos
gestos. O olhar de dor, de injustiça conta e narra esta história de uma
comunidade ainda muito vulnerável e lutando para sobreviver.
Hoje no Brasil, observamos um crescente lugar de fala da
mulher indígena, um espaço de luta pelos seus direitos e seus conhecimentos,
trazendo esperança para os povos indígenas, mas também mantendo conhecimentos
ancestrais vivos, com contribuições relevantes a mudanças climáticas, medicina
natural, educação, e organizações político-sociais. Após as eleições de 2022, hoje em 2023, o Brasil tem
pela primeira vez uma ministra indígena, representada por Sonia Guajajara no
Ministério dos povos indígenas. E esse é o país que renasceu, como Fênix,
depois dos massacres sociais, na cultura, dos ataques aos pobres, negros,
indígenas. É o país que a chance única, em sua história, de se livrar do
Fascismo, dos genocidas que vitimam crianças indígenas com o máximo requinte de
crueldade – todos que esperamos sejam, com a mesma intensidade de seus atos (ou
omissões), julgados e condenados sob o máximo rigor da lei.
Olhar
para o amanhã
Esperamos
do fundo do coração (o cordis que alimenta nossa esperança sem
genocídios programados) que compartilhem conosco deste último olhar: O olhar,
que pode significar tanta coisa, a exata ideia e significado que ele possui
antes de imergir nesta cultura. - "olhar através do olhar do Outro".
O olhar traz consigo emoções, reflete sentimentos e dores. O modo de enxergar
algo, expressa uma opinião, um posicionamento. O olhar traz consigo o ontem, o
hoje e a esperança do amanhã: a história. Para olhar e enxergar, é preciso
observar e sentir. Nós sentimos todas as dores do mundo, mas hoje nos dói
profundamente a dor das 500 crianças mortas pela má fé que lhes trouxe a morte.
Que
possamos olhar para o amanhã, sem esquecer este nefasto dia, como quem olha
para o porvir, o Nascer do Sol em que nenhuma criança morra de fome.
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