Quarta-feira, 20 de março de 2024 - 16h26
O
metafísico – o jurisconsulto de Nárnia que tenta convalidar seu diploma de
bacharel em Direito, no Brasil, e assessora a defesa do impronunciável – não
esteve presente nos atos do dia 1º de Abril de 1964: o grande Dia da Mentira
nacional. Porém, seu pai esteve, com camiseta amarela (não sei se já tinha
escudo da CBF na época).
Também não se sabe a idade correta do
metafísico (que ainda tem um título nobiliárquico de Nárnia), se é longevo ou
rapazote. O fato é que, adorador do mito caído, é um dos mais entusiastas do
golpe de 1964. Sempre que pode ainda saúda aquele chamado de Ustra, e os
delegados e policiais do DOPES.
O que O metafísico, seguindo os
preceitos do mito caído, não faz, de jeito nenhum, é comemorar a democracia, os
direitos humanos, a República. Portanto, para O metafísico também não existiu
um 8 de janeiro (na linha das “4 linhas” do 1º de Abril de 1964). Aliás, o mito
caído (parece) será preso – o primeiro mito preso.
Se a única leitora e o único leitor se
lembrarem, o mito de Prometeu (o único decente) não foi preso – foi condenado à
tortura e à barbárie intermináveis. Lembrado, um pouco, no conto A colônia
Penal, por Kafka, e o regime de 1964. O metafísico não só não sabe nada disso,
nem entende o escrito, para ele é só uma kafta ou afta.
Já o pai do Metafísico é daqueles que
não só têm saudades da porrada e do chumbo quente, como aplica seu remédio
doente sempre que pode. O próprio metafísico (possivelmente) foi criado na
porrada, ao som do hino e dos gritos de infante.
Quanto à mãezinha do metafísico,
tadinha, há dúvidas quanto ao seu comportamento: não se sabe se também levava
porrada e gritos ou se replicava o remédio do mito caído no jovem metafísico
(ou ambas).
Esse metafísico, de certo modo, tem as
marcas da família – no lombo ou na mente. Hoje, com certeza, os traços estão na
mente, na mente vazia. Tão vazia que O metafísico sonha com outro 1964. E tem
remorso, porque em 2022/2023 o sonho dele quase se tornou realidade. Quase...
Dá para imaginar se em 2023 tivesse
havido outro golpe e, por ironia do desatino, O metafísico fosse nomeado como
ministro da Justiça? Se bem que tivemos alguns que estão pra lá da metafísica.
Teve um, inclusive, que confundiu o livro “O avesso da pele” com o Pelé –
estava indignado com a recusa do Paraná em homenagear o Pelé.
O metafísico é dessas coisas aí, no
melhor estilo para dizer que o único defeito do Pelé era a cor de sua pele.
Lição que, claramente, aprendeu em casa.
Ao contrário do metafísico e de outros
– agora pelo lado do esquecimento –, nós, eu, com certeza, não quero “esquecer”
1964 e muito menos o 8 de janeiro. Queremos lembrar das atrocidades, da
perversidade, do entreguismo do país aos interesses estrangeiros (EUA), de toda
a má sorte que nos atormentou até a abertura democrática, até que chegasse a
Constituinte de 1985.
O metafísico não sabe nem o que é uma
Constituinte. No direito-torto de Nárnia, não existem direitos humanos – só há
uma excrescência que chamam de “humanos direitos”. Quer dizer, o direito
pertence aos “cidadãos de bens”. O resto de nós é igual um caramelo, cachorro
vira-latas.
Por isso e muito mais, quero lembrar
desde já o que foi 1964 (e o 8 de janeiro), especialmente porque é um dever lutar
contra a mentira e a hipocrisia, lembrar do Mal praticado – especialmente para
que não retroceda.
Como diz o matuto de Bom Senso,
caipira do interior: “empurrar a sujeira para debaixo do tapete não torna a
sala limpa. Só esconde, até que alguém encontre toda a porcaria estocada”.
E esse estoque, definitivamente, não quero
saber, a não ser em memória póstuma a ser combatida em seus piores feitos e
efeitos nefastos, e que perduram até hoje. É claro que não se pode cobrar essa
lembrança do metafísico ou do seu pai, pois, sempre estarão hasteando a
bandeira de algum pirata, sicário, torturador, matador, abusador.
Mas, a nós, cabe lembrar, desfraldar a
bandeira dos mortos, torturados, desaparecidos, vitimados, para que, por
exemplo, você e eu possamos lembrar ao Metafísico o que é viver na escuridão,
na dor, no “esquecimento” de tudo que se fez de pior para a humanidade.
O metafísico esquece (se é que algum
dia chegou a saber), a humanidade não. Por isso, termino essa carta ao
metafísico, para afirmar que “Nunca Mais!”. Jamais esqueceremos, nunca
perdoaremos.
Para o metafísico, seu pai e o mito
caído desejo toda a sorte e a lei mais dura permitida pelo Estado Democrático
de Direito. Essa é a nossa diferença fundamental: o remédio que se deseja e se
aplica.
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