Domingo, 5 de fevereiro de 2023 - 09h10
Iniciamos com duas perguntas que se imiscuem:
•
Como foi que
violentamos o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 (Estado Ambiental) a
ponto de nossa consciência permitir o genocídio dos Yanomami?
•
O que faz o
Brasil, brasil?
De pronto, diremos que são necessidades,
incapacidades e desejos mórbidos. Necessidades extremas do povo pobre, negro e
favelado – e nunca satisfeitas; incapacidade de pensarmos em unidade, como povo,
e incapacidade histórica de formarmos governança com alguma elite cultural:
seguindo-se a ideia de que portassem uma inteligência social. Daí resta-nos
nossos maiores e piores desejos mórbidos: sadismo, psicopatia, autoflagelo,
autofagia, canibalismo real e simbólico.
Será que alguma outra cultura é capaz de se
sentir assim tão feliz em se vilipendiar, como nós?
Quem sabe daqui 500 anos a gente consiga
explicar porque um palhaço, fantasia de crianças felizes (mesmo não estando
inteiramente saudáveis) acabou na metamorfose de um bisonho Bozo da morte
calculada. E quem sabe nesses mesmos 500 anos nós consigamos explicar
porque esse Bozo arruinado sumiu até com o Zé Gotinha.
Na falta de vacina contra o desconhecimento, o
Brasil, incluindo suas universidades, especializou-se no "transplante
histórico": a decoreba de ontem é o sucesso da decoração da aula de hoje,
de amanhã. Não é à toa que muitas pessoas ainda achem que o país foi achado, e
mesmo que, já naquela altura, tanto lá quanto cá, já se soubesse que por aqui
estávamos – e fazia muito tempo. O Brasil é um achado realmente, mas é de outro
tipo.
Neste
engodo em que se enreda nossa história, esta parece ser a questão central: O
que há entre o XV de Novembro, o 7 de Setembro e o 8 de Janeiro? Como se diz,
há muito mais entre o céu e a Terra do que qualquer vã (ou notória) filosofia
possa imaginar. Contudo, e com certeza, veremos o 4 de Julho.
A descrição do(s) golpe(s), suas sucessões ou
suas tentativas, desde 2013-16, será equivalente a contar o que foi a ditadura
de 1964, a Escravidão, o Plantation capitalista. Levará décadas, com
coleções reunindo monumentos de todas as áreas, começando pelo Direito e pela
Medicina. Iremos da fabricação/revelação do bolsonarismo, e do Cesarismo de
Estado a partir de 2017, ao Fascismo Nacional (colorido) e suas bizarras
sátiras da Humanidade.
Das histórias de quem entra definitivamente nas
entranhas do poder (Damaris, Moro, Mourão, o astronauta), chegaremos às duas
vezes seguidas em que o povo de São Paulo preferiu o fascínio ao professor.
Será um relato muito além de quem conta do 01 ao 04, pois nos contará sobre
pastores vendendo máscaras invisíveis contra a Covid-19 (por mil reais), e
também contará quem são e o que pensam os “transvacinados”: os mesmos que estão
ajudando piamente a Pólio voltar à ativa, depois de erradicada.
Entre mínions e bots, iremos aprender que
Pasárgada sempre foi um luxo para muitos de nós. Viver entre Alienistas, diria
Machado de Assis, pedindo por "INTERVENÇÃO ALIENÍGENA", com celular
em punho e invocando o sideral artigo 142, levou milhões à defesa da democracia
parlamentar, rudimentar. A planejada penúria neonazi nos levaria a embarcar nos
piores assentos do governo de coalizão – sentados na porta do desembarque,
sentimos toda a colisão possível e seguiremos sentindo, por muitos anos.
Curiosamente, a maioria de quem acusava a
existência de outro Luís Bonaparte nas terras de baixo (golpe tabajara), teve
que se contentar com Bobbio e os superpoderes dos tribunais superiores – os
mesmos kaisers do Judiciário, sentados em suas castas, que prenderam em segunda
instância (ou primeira, na desconsideração de recursos auriculares) e assim
pavimentaram 2018. Do seminal Golpe à Constituição, com emenda de reeleição e
Reserva do Possível – e impossível de alcançar a dignidade dos miseráveis –,
passeamos por Honduras e Paraguai. Aprendemos, e como aprendemos, sobre a
imposição do impeachment nos moldes de Pinochet.
Entretanto, arrependidos do faschio,
olhamos para os nossos vizinhos: Bolívia, Equador. Em defesa da democracia,
sempre mais do que imperfeita, fomos estudar, reler, interpelar a primeira
regra: a primeira regra da democracia é exatamente a obrigação de seguir as
regras do jogo (sem tergiversar as quatro linhas). Em suma, descobrimos aqui do
lado um santo remédio (Estado de coisas Inconstitucional), relemos a
Constituição, olhamos a realidade e, insatisfeitos, transformamos a exceção em
regra...de novo. Algo que aprendemos muito bem, desde a reeleição, mas agora
para combater a criatura dos criadores de oportunismos. Muitos acreditaram em
lavar a alma, e acabaram presenteados com a Vaza Jato.
De tanto apanhar na vida real, passamos a viver
entre a distopia de Deleuze (da Sociedade de Controle) e o virtual de Pierre
Lévy: aquele que se inspirou em Neuromancer e nos zapatistas, e sempre foi
contrário aos neoludistas. Se bem que, ao menos neste quesito, embasbacados com
tantas peripécias tecnológicas (atolados na Pandemia e no Pandemônio), acabamos
por criar um vício novo: fala-se na aquisição e posse permanente de um certo
tipo de “Kit Babaca”.
Como sempre, festejamos todos os dias a
miscigenação, esquecendo-nos do estupro coletivo da história negra e pobre, e
dos massacres indígenas. Festejamos a fartura, com milhões vivendo na fome
aguda; por isso, não causa espécie aquele que festeja a tortura. Festejamos a
terra do gigante adormecido, do país do futuro, aquele em que “plantando, tudo
dá” – e dá mesmo, deu até uma convivência única entre Capitalismo e Escravidão.
Quem diria que, no século XXI, sob a Stasi
social, uma Fênix daria à luz ao pós-moderno Capitão do Mato – se bem que,
trata-se de um capitão excluído das forças simplesmente porque é incapaz de não
ser pré-moderno: é o cara pré-histórico que faz a política do Neandertal. Isto
é, um tipo repelente à evolução das espécies e que, portanto, edifica-se como a
própria sátira do “não-ser”, ora como farsa, ora como tragédia. É o cara que
aplica a seleção natural, por fome, contra os já miseráveis sobreviventes dele
mesmo.
De placebo em placebo, o país “à beira do
abismo” veio caminhando em passos firmes, sempre adiante da ficção. Nossos
lemas e slogans não tem fim, afinal, nossa gloriosa República começou com um
golpe militar. Ou seja, definitivamente, provamos que a ficção copia a
realidade. Adoramos o improviso, a gambiarra, a quebra de regras; no entanto,
sempre dentro do mesmo paradigma. Nesse momento, transformamos, ainda mais
agudamente, a necropolítica em Necrofascismo.
Na Política, desmilinguida, preferimos a
política (minúscula), de modo mais especial quando há dúvida no esplendor das
margens plácidas de algum arête (areté); ao invés de seguirmos
navegantes pelo céu de brigadeiro, preferimos a tempestade perfeita do aríete,
o famoso pé na porta. É claro que, para nós, “navegar não é preciso”.
A metáfora do país diria que sempre renascemos,
ainda que fora do Renascimento. Não conhecemos a bricolagem, porque detestamos
a techné, mas seguimos firmes e fortes no desejo incontido de dar
jeitinho em tudo – inclusive, e especialmente, em nós mesmos. E vivemos
dormindo em berço esplêndido, no lusco-fusco. O que, por fim, também nos
garante que buscamos por eterna iluminação, desde que sempre esteja ausente
qualquer Iluminismo.
Nossa Ciência continua fazendo o que sabe fazer
de melhor: exportar cérebros. Por aqui nada se cria, tudo se copia. Nossa
“inovação” não pode inovar muito, porque a criatividade (não-nefasta) provoca
sérias críticas e a crítica, por si, convulsiona, revoluciona. É mais fácil repetir,
replicar, mimetizar mantras, estamos habituados ao monolito do senso comum e
das teses amareladas pelo mau uso. “Deixar como está, para ver como é que fica”
é o suprassumo do conhecimento, também na academia. E ficamos assim, copiando
uns aos outros e, não-raras vezes, no que temos de pior. Também por causa disso
a vacina nos transforma em “jacarés”.
A conclusão parcial, no tempo em que escrevo, nesse
4 de fevereiro de 2023, nos diz que o Brasil não é muito acessível aos alemães.
Desde o histórico 7x1, vivemos em pesadelos. Porém, o ponto alto da descoberta,
ainda sonâmbulos, foi a revelação (pelas mãos da Teologia da Prosperidade) que
nosso Positivismo verde-amarelo não é cartesiano. Aliás, entre Ordem e
Progresso, não preferimos nenhum.
É certo que, por aqui, "tudo que é sólido
sempre desmanchou no ar". Só não nos contaram que não haveria lógica alguma.
Por enquanto está valendo a máxima do “penso, logo desisto”. Não foi por essa
razão (sic) que a “cidadania” de 2018 se orgulhou de sua ignorância formal,
abençoando-se no próprio analfabetismo disfuncional?
Como diz o povo, o Brasil precisa de Ciência. Só
que ainda estamos à espera da NASA inventar uma – de preferência que explique
porque fazer sátira de si mesmo traz tanto prazer.
Enfim, até que se prove em contrário, começamos
com o exemplo de Portugal, primeiro nos escravizando, depois constituindo e
inibindo fuzis com cravos, com a geringonça, e por enquanto estamos no berço do
Centrão. Longe do centro do mundo, agora lutamos para deixar vago aquele
lugarzinho reservado aos párias da Humanidade. O que é um ótimo começo, e é
muita coisa para uma jornada de apenas 30 dias.
Agora, diga você: Se o Brasil não é para
amadores, é para quem?
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