Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Plutocracia no Banco Central - O último bastião do bolsonarismo


Plutocracia no Banco Central - O último bastião do bolsonarismo - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.)

Cientista Social

Professor Associado IV da UFSCar

 https://youtube.com/c/ACi%C3%AAnciadaCF88

 

O país convive com uma das mais baixas taxas inflacionárias do mundo, o FED (Banco Central dos EUA) sinaliza ou rebaixa sua taxa de juros, a recessão está em nossa porta, com quebradeira de empresas (centenas) e ameaça real de desempregos. No entanto, o Banco Central (BC) permanece com taxa Selic a 13.75% – e o que mais isso significa?

Significa, sistemicamente falando, que o “nosso” Banco Central serve às casas e castas do setor financeiro, especialmente os Bancões (balcões da miséria social) – que tomam dinheiro barato do povo e devolvem muito caro ao mesmo povo de; porém, politicamente falando, também implica em dizer que o Banco Central é o último bastião institucional, a última trincheira estatal do bolsonarismo. Por sua vez, como representação social e política, o bolsonarismo é a encarnação pós-moderna do Fascismo Nacional (MARTINEZ, 2022).

 

Da autocracia de classes à autocracia do BC 

Não há exagero em dizermos que “nossa forma de governo” é uma gororoba composta de autocracias (mais ou menos sutis), com base na oclocracia[1] e na plutocracia: sinônimo de aristocracia financeira e sem Ilustração nenhuma[2] que foi gerindo-se até chegar a esta forma, nossa atualidade, de “parlamentarismo de resultados”.

Sem esquecer dos lampejos democráticos, a Casa Grande sempre evolui, manifesta-se, em cortes mais corteses, cortesãs, e não somente fazendo uso de golpes tradicionais – este seria o movimento político da autocracia de classe, da fração financeira do capital dominante e dos seus Grupos de Poder Hegemônico. Daí o papel central jogado atualmente pelo Banco Central, em desfavor do Brasil e muito favorável aos grupos instalados no Centrão.

Ocorre, entretanto, que o capital hegemônico reúne tanto “poder de Estado” que é capaz de, notoriamente, sistematicamente, descumprir a Constituição Federal, afrontar ou travar as principais ações políticas e, assim, negar provimento ao desenvolvimento social, como vemos na atualidade com a “autonomia” do Banco Central se converter em autocracia descontrolada e abusiva.

Nosso deslize ético e moral (aqui no sentido privado e público) é tão marcante que textos, artigos, bulas de remédio, manuais de uso, tutoriais, são lidos na contramão. No passado recente fez-se no Supremo Tribunal Federal (STF) uma rota escapista sobre a prisão em segunda instância (art. 5º, LVII)[3] – reformada depois pelo mesmo tribunal ao praticamente decretar a ilegalidade da Operação Lava Jato – e, hoje, simplesmente, não se lê e, portanto, não se obriga o Banco Central a se adequar ao artigo 192 da Constituição Federal de 1988.

Ainda que tenha sido profundamente desmaltado em emenda de 2003, restou-nos o caput: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram” (grifo nosso).

Então, a quem serve a “autonomia” do Banco Central, com taxa Selic a 13.75% e inflação perto dos 4%? Talvez ao sistema financeiro ou a um projeto de desindustrialização do país – ou a ambos. Nas considerações principiológicas do artigo 192, o sentido empunhado na própria Carta Política (MARTINEZ, 2021) é o que deveria prevalecer, enquanto Objeto Positivo da Constituição Federal de 1988:

O artigo 192 da CF88 é apenas um exemplo atual, posto que sempre é bom lembrar de outra máxima, democrática e republicana, que tanto deveria ser nossa guia hoje em dia, quanto serviria para impedir (ou anular) o Golpe de Estado de 2016, e que diz assim: “autonomia, sem auditoria, é autocracia” (MARTINEZ, 2019).

Foi assim que, de 2016 em diante, até fins de 2022, vimos formar-se um verdadeiro Cesarismo de Estado – em alusão ao cesarismo parlamentar de Gramsci (2000) –, e que se converteria em Necrofascismo (MARTINEZ, 2022). O Centrão já existia, foi a base do golpe de 2016, porém, em 2023, ganhou poderes extras (na eleição de 2022) a ponto de se avolumar neste Frankenstein aqui apelidado de “parlamentarismo de resultados”: nocivos resultados, é claro, ao povo, à dignidade humana, à República e à democracia.

Apesar do Banco Central ser o bastião do capital financeiro, desse pacote também decorre a formação de um supergoverno, passando-se por Estado – inclusive constitucionalmente – subjugado a uma aberração congressual, pelo viés do Centrão, que se impõe sob uma forma perniciosa de “parlamentarismo de resultados”: pragmatismo político antirrepublicano, antidemocrático, antipopular.

Como sabemos, bem acostumado ao chamado “orçamento secreto” – destinação de recursos públicos sem auditoria alguma –, hoje, o Centrão vive com pedidos de impeachment embaixo do braço.

Tal qual em 2016, em 2023, o impeachment é a senha do golpe fascista.

 

Referências

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. 

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Estado de não-Direito: quando há negação da Justiça Social, da democracia popular, dos direitos humanos. São Paulo : Scortecci, 2014. 

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Ditadura Inconstitucional: golpe de Estado de 2016, forma-Estado, Tipologias do Estado de Exceção, nomologia da ditadura inconstitucional. Curitiba-PR : Editora CRV, 2019. 

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O Conceito de Carta Política na Constituição Federal de 1988: freios político-jurídicos ao Estado de não-Direito. Londrina: Thoth, 2021. 

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Necrofascismo: Fascismo Nacional, necropolítica, licantropia política, genocídio político. Curitiba: Brazil Publishing, 2022. 



[1] Aqui, como acrônimo do governo dos piores – como dizia a piada: “a 5ª série chegou ao poder”. Para uma conceituação mais tradicional de formas de governo, há um livro/resumo do jurista italiano Norberto Bobbio (1985).

[2] Sempre teremos de recordar o período fascista, com lampejos de identificação nazista ou genocida, especialmente em 2020, no auge da Pandemia. Por isso também falamos de Necrofascismo ou acasalamento entre Pandemia e Pandemônio Político (MARTINEZ, 2022).

[3]ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)